08/02/2019

TI Morro dos Cavalos segue mobilizada após semana em Brasília: “Nosso tempo é o tempo de Nhanderu”

A atenção do movimento indígena esteve voltada para uma de suas principais demandas: a igualdade de acesso à Justiça entre indígenas e não-indígenas nas ações que tramitam nos tribunais brasileiros

Delegação indígena acompanha sessão do STF esperando pelo julgamento do recurso de acesso à justiça referente à ACO 2323. Crédito: Tiago Miotto/Cimi

Por Adilvane Spezia, da Assessoria de Comunicação – Cimi

Durante esta semana, em Brasília, a atenção do movimento indígena esteve voltada para uma das principais demandas discutidas no âmbito do indigenismo: a igualdade de acesso à Justiça entre indígenas e não-indígenas, em ações que tramitam nos tribunais brasileiros. A fim de serem admitidos como parte no processo da Ação Cível Originária (ACO) 2323, que discute a demarcação da Terra Indígena (TI) Morro dos Cavalos, localizada em Palhoça, Santa Catarina, cerca de 50 indígenas dos povos Guarani Mbya e Xokleng participaram, na tarde desta quarta-feira, 6, da sessão do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros da Corte Suprema poderiam julgar um recurso interposto pela comunidade de Morro dos Cavalos. A matéria acabou não se consolidando na pauta e segue na lista para apreciação futura.

Mesmo com o pedido retirado da pauta do plenário, os Guarani Mbya e Xokleng permaneceram no STF. A delegação viajou mais de 30 horas para acompanhar o julgamento, que não ocorreu. A decisão pela não entrada do recurso na pauta deixou os indígenas surpresos. A avaliação é de que foi ruim não ter ocorrido o julgamento, mas por outro lado mostra que o tema é sensível aos ministros e demanda mais mobilizações. “Nosso tempo é o tempo de Nhanderu. Nossa reivindicação é para que o STF aceite a nossa participação no processo. Hoje temos nossa terra demarcada, e não homologada. Por isso não vamos nos dar por vencidos, acreditamos que estamos bem próximos da nossa vitória. Vamos à luta”, relata a cacique da aldeia Yaka Porã, Elisete Antunes. A delegação, que contou ainda com lideranças do povo Xokleng, já retornou para Santa Catarina.

Houve um motivo alegado pela Corte Suprema para que o recurso de Morro dos Cavalos permanecesse na lista de espera. “O ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, se atrasou e com isso o presidente do STF, Dias Toffoli, resolveu retirar o pedido de pauta. Ele deve voltar em uma outra oportunidade para o julgamento”, explica o assessor jurídico do Conselho Missionário Indigenista (Cimi) e advogado da comunidade, Rafael Modesto dos Santos. Na terça-feira, 5, a delegação realizou uma vigília em frente ao STF com a participação de apoiadores da causa indígena com o intuito de sensibilizar os ministros do STF diante da demanda apresentada ao Supremo Tribunal.

Em decisão anterior, o ministro Alexandre de Moraes restringiu a comunidade Guarani à assistente simples no processo da ACO 2323. No entendimento de Moares, os Guarani serão afetados apenas indiretamente pelo resultado da ação. O corpo jurídico dos indígenas recorreu, através de um agravo regimental, argumentando que, ao contrário, a ACO afeta diretamente a comunidade, pois versa sobre o direito à terral. Nesta ACO, o Estado de Santa Catarina pede a nulidade, sob o argumento do Marco Temporal, da Portaria Declaratória da Terra Indígena Morro dos Cavalos.

“O processo que estava pautado para discussão, o agravo, discute o direito da comunidade de acesso à justiça, o que nós chamamos (tecnicamente) de litisconsorte passivo necessário, o que vem sendo desrespeitado em muitos processos no judiciário. Por outro lado, há ministros que têm admitido comunidades como parte nessa qualidade de litisconsorte”, analisa o advogado dos indígenas. Na prática, “se uma pessoa interessada no processo, imediatamente afetada, não for chamada como parte, o processo é nulo”, esclarece. No caso dos indígenas, conforme ressalta Modesto, “remete a um certo preconceito e a vigoração de um regime tutelar”.

A expectativa dos indígenas Guarani Mbya e Nhandeva segue com o agravo para que a comunidade possa ser parte do processo. Por meio dos advogados escolhidos pela comunidade, os indígenas desejam construir a defesa e sustentação oral no âmbito do julgamento – assim como não-índios são em relação aos direitos processuais civis. “Reivindicamos a participação nesse processo porque quem está dentro do território somos nós indígenas. Se não tivermos a demarcação da Terra Indígena Morro dos Cavalos, nós é que vamos sofrer”, afirma a liderança da TI Morro dos Cavalos, Kerexu Yxapyry.

Os indígenas Guarani Mbya e Xokleng fizeram uma vigília às portas do STF: rituais e rezas para sensibilizar os ministros. Crédito: Tiago Miotto/Cimi

Demais agendas na Capital Federal

A delegação, além do julgamento do agravo regimental, realizou incidências políticas na Capital Federal. No STF, foram recebidos pelo ministro Luís Roberto Barroso. Reuniram-se ainda com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, além de representantes da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR) da PGR (Procuradoria-Geral da República). Raquel Dodge reafirmou a legalidade da demarcação da Terra Indígena Morro dos Cavalos.

Na Câmara Federal, a deputada federal indígena Joênia Wapichana (Rede/RR) recebeu a delegação na terça-feira, 5, para discutir a situação da Terra Indígena Morro dos Cavalos. Na ocasião, a deputada manifestou seu apoio à demanda e ressaltou que seu mandato e gabinete estão à disposição da luta dos povos.

“É Justiça, é um direito. Espero que a gente possa ajudar a convencer o Supremo de como é importante a participação da comunidade no processo que vai definir sobre sua terra e, portanto, sobre sua vida. É importante que os direitos sejam resguardados e que as comunidades sejam ouvidas”, afirmou Joênia, a primeira mulher indígena eleita deputada federal no Brasil.

A TI Morro dos Cavalos possui uma grande presença de lideranças femininas fazendo com que estas mulheres sofram com ataques machistas e misóginos. Crédito: Tiago Miotto/Cimi

Entenda o caso da TI Morro dos cavalos

A ACO 2323 é uma ação interposta pelo Estado de Santa Catarina contra a União Federal e a Fundação Nacional do Índio (Funai), que busca anular o processo administrativo que culminou na edição da Portaria Declaratória n.º 771, de 18 de abril de 2008, do Ministério da Justiça a qual reconhece a ocupação tradicional da Terra Indígena Morro dos Cavalos pelos povos Guarani Mbya e Nhandeva.

A Terra Indígena Morro dos Cavalos está localizada no litoral catarinense, região com forte pressão por parte do setor imobiliário e também de transportes, já que a área indígena é cortada ao meio pela BR-101.

Com uma área de 1.983 hectares, o processo de demarcação da TI Morro dos Cavalos encontra-se em fase avançada, aguardando apenas a homologação da Presidência da República e o registro da terra pela União. Mesmo assim, os Guarani têm sido alvo de inúmeras ofensivas de grupos que pedem sua retirada da terra tradicional, inclusive por interesse de grupos políticos ligados à bancada ruralista.

Saiba mais: https://goo.gl/L1KoF6

Fonte: Assessoria de Comunicação - Cimi
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