18/02/2019

Pesquisadores pedem garantia de segurança ao povo Tupinambá após ameaças de assassinato contra cacique Babau

Docentes e pesquisadores afirmam que a demarcação da TI Tupinambá de Olivença, que já se estende por 15 anos, é o único caminho para cessar os conflitos na região

Relatora da ONU sobre direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli Corpuz, com o cacique Babau Tupinambá, em visita à Bahia. Foto: Renato Santana/Cimi

Relatora da ONU sobre direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli Corpuz, com o cacique Babau Tupinambá, em visita à Bahia. Foto: Renato Santana/Cimi

Por Verônica Holanda*

Docentes e pesquisadores vinculados a universidades brasileiras e do exterior divulgaram, em 13 de fevereiro, uma carta pedindo a garantia da segurança do povo Tupinambá, em especial ao cacique Babau, que recentemente denunciou um plano de extermínio contra ele e seus familiares. Os responsáveis pelo texto afirmam que sua produção científica, à disposição do público em geral, documenta detalhadamente o esbulho praticado contra os indígenas e as violações de seus direitos constitucionalmente garantidos.

“O processo de demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença já se estende por 15 anos. Todos os prazos legais estabelecidos pelo Decreto n° 1.775/1996 foram violados. Como declarou recentemente o subprocurador-geral da República Antônio Carlos Bigonha, em referência ao caso Tupinambá, ‘a demora na assinatura da portaria declaratória de um processo que cumpriu todos os requisitos legais e constitucionais é um fator de acirramento do conflito na região’”, relatam no texto.

A carta contém três demandas de seus autores: a investigação e responsabilização das ameaças e planos de extermínio contra o povo Tupinambá, a adoção de medidas protetivas eficazes para os indígenas, espacialmente ao cacique Babau, e a imediata assinatura da portaria declaratória da TI Tupinambá de Olivença. “Os fatos ocorrem em um contexto marcado, entre outros aspectos, por recorrentes declarações anti-indígenas por parte do presidente da República, Jair Bolsonaro, e pela nomeação de representantes de setores contrários aos direitos indígenas justamente para pastas que têm a atribuição de garantir tais direitos”.

Leia o texto na íntegra abaixo:

 

Pela urgente investigação das ameaças e planos de extermínio contra os Tupinambá, pela garantia da segurança dos indígenas e pela imediata conclusão do processo de demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença (Bahia)

Carta aberta de pesquisadores com trabalhos junto ao povo Tupinambá

13 de fevereiro de 2019

No final de janeiro de 2019, o povo Tupinambá descobriu e trouxe à luz um intrincado plano voltado ao extermínio de lideranças indígenas, arquitetado por indivíduos e grupos contrários à demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença, no sul da Bahia. Visando o assassinato do cacique Babau (Rosivaldo Ferreira da Silva) e de alguns de seus familiares, inclusive de uma adolescente, o plano seria executado com a participação de agentes do poder público, que vinham participando de reuniões voltadas ao delineamento dos ataques.

Dispondo de um conjunto robusto de evidências, incluindo depoimentos de testemunhas e imagens de câmeras de segurança, os Tupinambá denunciaram o plano em reuniões presenciais com autoridades do governo estadual da Bahia, do governo federal, do Ministério Público Federal, de instâncias internacionais e de entidades de proteção aos direitos humanos. A gravidade do caso levou à publicação de reportagem em destaque no jornal Folha de S. Paulo, em 10 de fevereiro de 2019.

Os fatos ocorrem em um contexto marcado, entre outros aspectos, por recorrentes declarações anti-indígenas por parte do presidente da República, Jair Bolsonaro, e pela nomeação de representantes de setores contrários aos direitos indígenas justamente para pastas que têm a atribuição de garantir tais direitos. Esse cenário tem sido terreno fértil para invasões de terras indígenas, assassinatos de lideranças e outras graves violações, conforme noticiado na imprensa, e como se verifica no caso tupinambá.

O processo de demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença já se estende por 15 anos. Todos os prazos legais estabelecidos pelo Decreto n° 1.775/1996 foram violados. Como declarou recentemente o subprocurador-geral da República Antônio Carlos Bigonha, em referência ao caso tupinambá, “a demora na assinatura da portaria declaratória de um processo que cumpriu todos os requisitos legais e constitucionais é um fator de acirramento do conflito na região”. Ainda segundo o subprocurador-geral, “essa assinatura é um ato que poderia ser imediatamente praticado pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro”.

Na condição de docentes e pesquisadores de diferentes áreas disciplinares, vinculados a universidades do Brasil e do exterior, que, ao longo das últimas décadas, têm desenvolvido investigações acadêmicas e produzido estudos de outras naturezas, laudos e relatórios junto ao povo Tupinambá, posicionamo-nos publicamente uma vez mais, demandando:

  1. A urgente investigação das ameaças e planos de extermínio contra indígenas do povo Tupinambá, com a consequente responsabilização de todos os envolvidos;
  2. A adoção imediata de medidas protetivas eficazes para os indígenas, particularmente, para o Cacique Babau (Rosivaldo Ferreira da Silva), demais indivíduos nominalmente citados como possíveis alvos de ataques e todos aqueles que venham a ser ameaçados;
  3. A imediata assinatura, pelo ministro da Justiça, da portaria declaratória da Terra Indígena Tupinambá de Olivença.

Nossa produção científica, à disposição do público em geral, documenta detalhadamente o esbulho praticado contra os indígenas e as violações de seus direitos constitucionalmente garantidos, bem como sua resistência, na constante atualização de modos de vida, identidades e projetos coletivos, assentados em relações específicas com o território. Reafirmarmos, baseados em anos de pesquisa, que a conclusão imediata do processo administrativo de demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença é o único caminho para garantir os direitos de indígenas e não indígenas, contribuindo para cessar os conflitos na região.

André Augusto Bezerra, doutor em Humanidades e Direitos (Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos/Universidade de São Paulo)

Ayra Tupinambá – Vanessa Rodrigues dos Santos, geógrafa, mestranda em Relações Étnico Raciais (Universidade Federal do Sul da Bahia)

Casé Angatu Xukuru Tupinambá – Carlos José Ferreira dos Santos, doutor em História e Cultura da Arquitetura (Universidade de São Paulo), professor (Departamento de Filosofia e Ciências Humanas/Universidade Estadual de Santa Cruz e Programa de Pós-Graduação em Ensino e Relações Étnico Raciais da Universidade Federal do Sul da Bahia)

Cecilia McCallum, doutora em Antropologia Social (University of London), professora associada ao Departamento de Antropologia e Etnologia e coordenadora do Programa de Pós Graduação em Antropologia (Universidade Federal da Bahia)

Cinthia Creatini da Rocha, doutora em Antropologia Social, pós-doutoranda em Antropologia Social (Universidade Federal de Santa Catarina)

Daniela Fernandes Alarcon, doutoranda em Antropologia Social (Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro)

Epaminondas Reis Alves, historiador, mestre em Relações Étnicas e Contemporaneidade (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia)

Erlon Fabio de Jesus Costa, mestre em Desenvolvimento Sustentável junto a Povos e Terras Indígenas (Universidade de Brasília), especialista em Psicologia Social (Universidade Estadual de Santa Cruz), professor da rede estadual e municipal de Ilhéus

Ernenek Mejía Lara, doutor em Antropologia Social (Universidade Estadual de Campinas), pós-doutorando em Antropologia Social (Universidade Federal da Bahia)

Helen Catalina Ubinger, mestra em Ciências Sociais com concentração em Antropologia (Universidade Federal da Bahia), doutoranda em Sociedade e Cultura na Amazônia (Universidade Federal do Amazonas, Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia)

José Valdir Jesus de Santana, doutor em Antropologia Social (Universidade Federal de São Carlos), professor no Departamento de Estudos Básicos e Instrumentais (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia)

Laila Thomaz Sandroni, doutora em Ciências Sociais, Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), pós-doutoranda em Ecologia Aplicada (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz/Universidade de São Paulo)

Larissa Santiago Hohenfeld, historiadora, mestranda em Estudos Étnicos e Africanos (Universidade Federal da Bahia)

Luisa Elvira Belaunde Olschewski, doutora em Antropologia Social (University of London), professora adjunta do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro)

Marcelo da Silva Lins, doutorando em História (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), professor assistente do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas (Universidade Estadual de Santa Cruz)

Mauricio Pinheiro, mestre em História e Sociedade (Universidade Estadual Paulista)

Nathalie Le Bouler Pavelic, doutoranda em Cultura e Sociedade (Universidade Federal da Bahia, em cotutela com o Institut Interdisciplinaire d’Anthropologie du Contemporain, Laboratoire d’Anthropologie des Institutions et des Organisations Sociales/École des hautes études en sciences sociales)

Patricia Navarro de Almeida Couto, mestra em Ciências Sociais com concentração em Antropologia (Universidade Federal da Bahia), professora no Departamento de Ciências Sociais Aplicadas (Universidade Estadual de Feira de Santana)

Ricardo Sallum Freire, indigenista, mestre em Geografia (Universidade Federal da Bahia)

Sirlândia Santana, doutora em Ciências Sociais (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia)

Susana de Matos Viegas, doutora em Antropologia (Universidade de Coimbra), professora do Instituto de Ciências Sociais (Universidade de Lisboa)

Taís Carvalho, mestra em Cultura e Sociedade (Universidade Federal da Bahia)

Teresinha Marcis, doutora em História Social (Universidade Federal da Bahia), professora do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas e coordenadora do Colegiado de História (Universidade Estadual de Santa Cruz)

Thais Brito, doutoranda em Antropologia Social (Universidade Federal da Bahia), Festival Cine Kurumin

Ulla Macêdo, mestre em Ciências Sociais com concentração em Antropologia (Universidade Federal da Bahia), Fundação Osvaldo Cruz

 

*Estagiária sob supervisão de Tiago Miotto

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