07/02/2019

Dia Nacional de Lutas: 13o Encontro em Memória de Sepé Tiaraju reafirma resistência às políticas do governo Bolsonaro

Para fazer a memória de Sepé Tiaraju e celebrar a resistência dos povos indígenas, o dia 7 de fevereiro foi sancionado, pela Presidência da República, em 2008, como o Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas

Indígenas Guarani de toda a região Sul presentes no 13o Encontro em Memória de Sepé Tiaraju, que ocorreu na Terra Indígena Mbya Guarani Para Roke, em Rio Grande (RS). Foto: Cimi Regional Sul

Por Cimi Regional Sul

Durante a Guerra Guaranítica (1753-1756), o Guarani Sepé Tiaraju liderou uma das principais revoltas contra a dominação colonizadora das coroas da Espanha e Portugal. O conflito foi uma consequência do Tratado de Madrid (1750), onde em uma negociação as fronteiras entre o território colonial espanhol e português, na América do Sul, foram redesenhadas. Os Guarani das missões jesuíticas se opuseram aos limites definidos e foram à guerra sob o eco da voz de Sepé: “Esta terra tem dono!”. A batalha levou três anos, com milhares de mortos entre os indígenas. Sepé tombou em 7 de fevereiro de 1756, durante um dos confrontos nas terras que hoje formam o Rio Grande do Sul. Pouco depois, em maio, a guerra acabou e os europeus saíram vitoriosos.

Para fazer memória e celebrar a resistência dos povos indígenas, o dia 7 de fevereiro foi sancionado, pela Presidência da República, como o Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas (Lei nº 11.696, de 12 de Junho de 2008). Portanto, nesta quinta-feira, dia 7, os povos indígenas reafirmam sua resistência e luta voltando às palavras de Sepé Tiaraju: “Esta terra tem dono!”. O grito, que hoje mobiliza não só os Guarani, mas todos os povos do país, também é lembrado, há 13 anos, pelas reuniões anuais do Encontro em Memória de Sepé Tiaraju.

Sempre com encerramento programado para o dia 7 de fevereiro, este ano o encontro ocorreu na Terra Indígena Mbya Guarani Para Roke, em Rio Grande (RS). Conforme o documento final do encontro, “de Rio Grande  os Guarani estão em sintonia com as lutas e mobilizações que acontecem em todo o Brasil pela garantia dos direitos as demarcações das terras, as diferenças étnicas e culturais e a de serem sujeitos de direitos, todos consagrados como direitos fundamentais na Constituição Federal em 1988”.

Leia na íntegra:

 

DOCUMENTO FINAL DO 13º ENCONTRO EM MEMÓRIA DE SEPÉ TIARAJU

Entre os dias 05 a 07 de fevereiro, na Terra Indígena Mbya Guarani Tekoha Pará Roke, no município de Rio Grande, RS, nos reunimos para a realização do 13º Encontro em Memória de Sepé Tiaraju, que foi morto pelos brancos, quando fazia a defesa do território de nosso povo. Desde Rio Grande, RS, estamos em sintonia com as lutas e mobilizações que acontecem em todo o Brasil. Essas lutas são pela garantia dos nossos direitos: a demarcação de nossas terras, de nos manifestarmos de acordo com nossas culturas, que sejam respeitadas as diferenças étnicas e religiosas e de sermos reconhecidos como cidadãos, sujeitos de direitos. Todos esses direitos foram consagrados na Constituição Federal de 1988, como direitos fundamentais.

De Rio Grande os nossos pensamentos, os nossos olhares e os espíritos dos mais de 200 Xeramoi, Xejaryi, Karai, Kunhã Karai, Caciques, homens e mulheres, crianças e jovens se unem a todos os povos do Brasil, numa única sintonia para combater as propostas do governo brasileiro de aniquilar os nossos direitos. Um governo que pretende dificultar ainda mais a aplicação da Constituição Federal, que nos assegura a terra como um bem originário. E, se hoje, não estamos em alguns dos espaços que reivindicamos é porque nos expulsaram, nos perseguiram, nos violentaram física, cultural e espiritualmente.

Por ocasião deste encontro, em Memória de Sepé Tiaraju, nos manifestamos contra as seguintes propostas do governo brasileiro:

– contra a Medida Provisória 870/2019, que transfere os poderes da Funai, de demarcar e proteger as terras indígenas, para o Ministério da Agricultura, instituição que representa os interesses dos fazendeiros, de deputados e senadores ruralistas;

– contra a transferência da Funai – Fundação Nacional do Índio – do Ministério da Justiça para o Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos, porque neste ministério o órgão indigenista estará esvaziado de suas funções. Dele foram retiradas as suas principais atribuições, de demarcar as terras, protegê-las, fiscalizá-las e fazer com que seja respeitado o seu usufruto exclusivo por nossas comunidades e não por invasores;

– contra o arrendamento de terras ou qualquer outra proposta que tenha por objetivo transferir a posse ou uso das nossas áreas para os brancos, fazendeiros, colonos, garimpeiros, madeireiros e mineradores;

– contra a municipalização da política de atenção à saúde dos povos indígenas, porque vai romper com a possibilidade de que tenhamos uma assistência diferenciada e de que haja nossa participação em todas as etapas da política, desde o planejamento até a sua execução nas comunidades;

– contra as medidas que visam a criminalização das nossas lideranças e de nossos aliados que lutam pela defesa e garantia dos direitos à terra e às políticas públicas diferenciadas;

– contra as medidas que visam inviabilizar o acesso a política de educação escolar bilíngue e diferenciada para os povos indígenas e que as regras atuais sejam mantidas e cumpridas tanto em âmbito estadual como federal;

– contra as teses do marco temporal e do renitente esbulho, pois com elas se pretende negar e impedir nosso direito à demarcação das terras. Essas teses visam apenas resguardar os interesses dos fazendeiros, das mineradores, dos deputados e senadores da bancada ruralista;

– contra as medidas políticas e jurídicas que pretendem impedir que possamos viver de acordo com nossas culturas, costumes, crenças e tradições e que nosso modo de ser seja respeitado, inclusive pelo Poder Judiciário dos brancos que sempre nos excluem dos processos que nos afetam, ou nos criminalizam sem respeitar nossas regras e leis internas.

Nós lideranças Mbya Guarani exigimos que o governo brasileiro:

– Respeite os diferentes povos de nosso país, cada um com suas culturas, costumes e tradições;

– retome de forma imediata a demarcação de nossas terras e sejam respeitadas e protegidas todas aquelas que foram demarcadas por governos anteriores;

-respeite o nosso direito de consulta livre, prévia e informada (Convenção 169 da OIT) quando planejarem projetos e empreendimentos que afetem nossas comunidades e quando estes forem irreversíveis que nossas comunidades sejam devidamente compensadas;

-fiscalize e proteja as nossas terras de invasores e puna todos aqueles que entram nas nossas áreas causando degradação e destruição do meio ambiente, tais como pescadores, madeireiros, fazendeiros, turistas;

-regularize todas as terras em demarcação e também todas aquelas que foram concedidas pelos governos estaduais ou municipais para o nosso usufruto exclusivo, assegurando as nossas comunidades o direito de nelas viver de modo seguro e tranquilo;

– mantenha o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, como previsto em lei, e que a Secretaria Especial de Saúde Indígena seja fortalecida;

– assegure que a política de educação escolar indígena seja diferenciada, bilíngue respeitando a diversidade de povos e culturas em nosso país;

– assegure e fortaleça as políticas de acesso e permanência de estudantes indígenas no ensino superior, garantindo o ingresso, permanência e formação adequada, respeitando todas as diferenças culturais.

Tekoha Pará Roke, RS, 07 de fevereiro de 2019, dia de Sepé Tiaraju.

 

Fonte: Cimi Regional Sul
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