Tuxauas, caciques, professores e profissionais de saúde intensificam luta contra retrocessos dos povos indígenas
O debate aconteceu no IV Encontro de Educação e Saúde Indígena do Amazonas e reuniu mais de 500 pessoas de 35 municípios
O IV Encontro de Educação e Saúde Indígena do Amazonas, organizado pelo Fórum de Educação Escolar Indígena do Amazonas, Foreeia, intensificou, de 12 a 14 de dezembro, a análise e estratégias de ações do movimento indígena, frente à conjuntura nacional que aponta para redução de direitos indígenas conquistados em anos de luta. O evento reuniu mais de 500 tuxauas, caciques, professores, profissionais de saúde de 30 povos e 50 organizações indígenas, de 35 municípios do Amazonas, lideranças indígenas provenientes dos estados do Acre, Rondônia, Pará, Roraima, Amapá e Mato Grosso do Sul. Além de representantes de entidades aliadas e instituições governamentais.
Em documento final sobre o IV Encontro, foram destacadas as ações que serão desenvolvidas no âmbito da educação e saúde dos povos indígenas como forma de combater os retrocessos já anunciados pelo governo eleito: “Na educação, verifica-se a falta de implementação das políticas públicas especificas. Cerca de 60% das escolas indígenas não dispõem de prédios e de condições estruturais e pedagógicas adequadas que atendam nossas especificidades socioculturais e sociolinguísticas”, aponta o documento.
“Enfrentaremos quaisquer ameaças, obstáculos e desafios que atentam contra a vida e a identidade de nossos povos”.
Nesse sentido, nove eixos de luta foram construídos coletivamente para fortalecer a resistência em defesa dos povos indígenas. Com isso, o documento final pontuou também: “Para isso, é fundamental que os profissionais indígenas e não indígenas de saúde que atuam nas aldeias, nas CASAIs e nos hospitais recebam formação em cursos específicos e diferenciados. Preocupa-nos a descaracterização dos instrumentos de controle social no âmbito do subsistema de saúde indígena afetando a nossa capacidade de inferir nos processos de gestão e de decisão”.
“Alto lá! Nossas terras são inalienáveis e indisponíveis e nossos direitos inegociáveis”
Confira abaixo o documento na íntegra:
Documento Final do IV Encontro de Educação e Saúde Indígena do Amazonas
Alto lá! Nossas terras são inalienáveis e indisponíveis e nossos direitos inegociáveis
Nós, Tuxaua – caciques, professores, profissionais de saúde -, de 30 povos e 50 organizações indígenas, de 35 municípios do Amazonas, lideranças indígenas provenientes dos estados do Acre, Rondônia, Pará, Roraima, Amapá e Mato Grosso do Sul, nos reunimos entre os dias 12 a 14 de dezembro de 2018, no IV Encontro de Educação e Saúde Indígena do Amazonas, organizado pelo Fórum de Educação Escolar Indígena do Amazonas, Foreeia, com a presença de representantes de entidades aliadas e instituições governamentais, com o objetivo de analisar a realidade e discutir a estratégias de ação do movimento indígena, em um cenário que aponta para a redução dos direitos indígenas conquistados em anos de luta.
É explicita a postura política do novo governo federal de negar direitos humanos fundamentais, individuais e coletivos, com manifestações preconceituosas, racistas e discriminatórias, atingindo os povos indígenas, negros, mulheres, comunidade LGBT, trabalhadores, idosos, pobres e marginalizados em flagrante desrespeito com a Constituição Federal e os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
“Nos campos da educação escolar e da saúde indígena os desafios continuam enormes, apesar das conquistas do movimento indígena nos últimos anos”.
Constatamos, em relação a Amazônia e a natureza, sagrada para nós, absoluta falta de juízo, uma vez que o objetivo se volta para a descaracterização dos territórios indígenas de uso coletivo e das áreas de proteção ambiental em benéfico da ganância insustentável do agronegócio, do uso extensivo da monocultura, das empresas madeireiras e de mineração. Além disso, tal dinâmica estimula a presença de grileiros, aventureiros, e toda sorte de práticas ilegais que favorecem o desmatamento, a contaminação do meio ambiente e aumentam a violência do campo atingindo diretamente os povos indígenas, populações tradicionais e trabalhadores rurais. Essa lógica é absolutamente incompreensível para nós, uma vez que, em nossos territórios, todos indistintamente, fazemos uso coletivo dos recursos naturais oferecidos pela natureza garantindo vida e futuro para as próximas gerações.
É clara a intenção de atingir os nossos povos, negando a nossa identidade e os laços que nos unem à terra mãe e aos nossos territórios tradicionais, inclusive, valendo-se do proselitismo religioso, para transformar-nos em simples produtores integrados a comunhão nacional sem qualquer reconhecimento dos direitos étnicos específicos que nos diferenciam enquanto povos indígenas de tradição coletiva. Querem nos integrar ao mercado e, dessa forma, confiscar e dividir as nossas terras entregando-as ao capital para a exploração irracional dos recursos naturais.
“A perseguição aos professores é mais uma das estratégias voltadas para este objetivo, transformando esses educadores em reprodutores da ideologia dominante”.
Nesse mesmo impulso, a política educacional orientada a partir da proposta da Escola sem partido pretende calar os nossos povos, restringir a nossa capacidade de pensamento crítico e cercear a nossa liberdade de expressão. A estratégia visa colocar os jovens a serviço do mercado e a subserviência do capital negando a importância do debate, da expressão pedagógica criativa e da reflexão sobre os direitos que prepara para o exercício da cidadania e a valorização da democracia. A perseguição aos professores é mais uma das estratégias voltadas para este objetivo, transformando esses educadores em reprodutores da ideologia dominante.
Nos campos da educação escolar e da saúde indígena os desafios continuam enormes, apesar das conquistas do movimento indígena nos últimos anos.
“Na educação, verifica-se a falta de implementação das políticas públicas especificas. Cerca de 60% das escolas indígenas não dispõem de prédios e de condições estruturais e pedagógicas adequadas que atendam nossas especificidades socioculturais e sociolinguísticas”.
As ofertas de cursos de formação inicial em nível médio (magistério indígena), formação continuada e superior são reduzidos e não conseguem atender à demanda de nossos povos. Não existem programas de produção de material didático específico à realidade de cada povo, a merenda escolar não é regionalizada, entre outras questões que inviabilizam a oferta de uma educação de qualidade aos povos indígenas do Estado. Muitas línguas indígenas estão ameaçadas e caminhando para o processo de extinção. Nossos jovens estão sendo excluídos dos diversos níveis de educação, em especial do ensino médio, obrigação constitucional do Estado, onde são raras as propostas formatadas a partir dos princípios da interculturalidade e especificidade. Dessa forma, a educação não contribui para a efetivação de nossos projetos societários de futuro enquanto povos indígenas ligados aos nossos territórios.
Na saúde, verifica-se insuficiência e a baixa qualidade do atendimento realizado nas aldeias, nos polos bases, nas sedes municipais e nos demais pontos de atendimento médico. As unidades de saúde quando não são insuficientes, são inadequadas em suas estruturas físicas e na logística de seus funcionamentos, sendo comum a falta de equipamentos, instrumentos médicos, e medicamentos.
“Não abriremos mão de lutar pela demarcação de nossos territórios, declarados pela constituição como indisponíveis e inalienáveis, regularizados, exercendo o usufruto exclusivo de suas riquezas”.
A política de saúde indígena implementada nas aldeias não aprendeu a dialogar com os princípios e práticas de medicina indígena tradicional com o uso de plantas medicinais e as curas espirituais através do xamanismo. Para isso, é fundamental que os profissionais indígenas e não indígenas de saúde que atuam nas aldeias, nas CASAIs e nos hospitais recebam formação em cursos específicos e diferenciados. Preocupa-nos a descaracterização dos instrumentos de controle social no âmbito do subsistema de saúde indígena afetando a nossa capacidade de inferir nos processos de gestão e de decisão.
Considerando as lutas do movimento indígena assumidas ao longo de décadas pela afirmação da identidade e a demarcação dos territórios indígenas, das conquistas alcançadas no campo dos direitos e o que isso significou de sofrimento das nossas comunidades e povos indígenas, inclusive, o sangue derramado de muitas lideranças, reafirmamos que:
- Não desistiremos da luta por nossos direitos;
- Enfrentaremos quaisquer ameaças, obstáculos e desafios que atentam contra a vida e a identidade de nossos povos;
- Não nos calaremos diante da violação de direitos humanos assim como não pactuamos com políticas de exclusão e marginalização;
- Uniremos as nossas forças e nossas vozes junto a de outros segmentos da sociedade urbana e rural, incluindo as comunidades tradicionais também marginalizadas e esquecidas;
- A nossa autonomia frente ao Estado, com pleno e efetivo direito de consulta em relação a todas as políticas, projetos econômicos e a legislação que nos dizem respeito;
- Não abriremos mão de lutar pela demarcação de nossos territórios, declarados pela constituição como indisponíveis e inalienáveis, regularizados, exercendo o usufruto exclusivo de suas riquezas;
- Os nossos territórios são sagrados e continuaremos defendendo-os contra todo tipo de invasão, desmatamento e depredação sabendo que com isto estaremos contribuindo com o bem-viver de toda a humanidade e o futuro do planeta;
- A necessidade de uma política indigenista do governo do Amazonas para fortalecimento de nossos projetos de vida que venham atender as enormes demandas dos 65 povos indígenas do Estado e em sintonia com a legislação vigente;
- A importância da criação de uma Subsecretaria de educação escolar indígena do Amazonas, para atender a enorme diversidade sociocultural e linguística do Amazonas.
Manaus/AM – 13 de dezembro de 2018