16/11/2018

Lideranças Guarani Mbya denunciam mapeamento indevido em áreas indígenas no Rio Grande do Sul

De forma velada ou explícita, militares do exército brasileiro, representantes do governo de transição no RS e do Conselho Estadual de Educação Alimentar questionam situação fundiária e processo demarcatório das terras indígenas

Povo Guarani Mbya. Foto: Ruy Sposati

Por Michelle Calazans, Ascom Cimi

Lideranças indígenas Guarani Mbya das comunidades de Capivari, Canta Galo, Estiva e Itapoã, do Rio Grande do Sul, denunciaram, nesta semana, o questionamento e mapeamento, no mínimo estranhos, de militares do exército brasileiro, de representantes do governo de transição do Estado e do Conselho Estadual de Educação Alimentar, acerca da questão fundiária e do processo de demarcação das terras indígenas na região. É a primeira vez, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, que os povos indígenas são abordados dessa maneira.

Preocupados com o contexto de restrição de direitos dos povos indígenas repercutido pelo governo eleito, somado à insegurança vivenciada no Brasil, lideranças indígenas do Rio Grande do Sul procuraram o Conselho Indigenista Missionário Regional Sul (Cimi-Sul) nesta semana. As lideranças denunciaram o levantamento, realizado a pedido do governo do Rio Grande do Sul, a fim de registrar, de forma velada ou explícita, a situação fundiária das áreas indígenas, a infraestrutura construída nessas terras – se foram feitas pelo Estado, pela União, ou pelas próprias comunidades -, bem como acerca do procedimento demarcatório.

“É a primeira vez, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, que os povos indígenas são abordados dessa maneira”

Segundo lideranças indígenas, a abordagem na Comunidade Capivari aconteceu por dois militares que chegaram em uma Camionete branca com identificação do exército brasileiro. Os militares não chegaram a desembarcar na comunidade, apenas observaram o acampamento e fizeram anotações. Em alerta, os indígenas Guarani Mbya acompanharam a movimentação dos militares de perto.

Na área indígena Estiva, explicaram as lideranças Guarani Mbya, dois militares desceram da Camionete branca, também com identificação do exército brasileiro, se identificaram em trabalho de levantamento a pedido do governo do Rio Grande do Sul, a fim de caracterizar algumas realidades das pessoas que vivem às margens da rodovia, na região. Os militares fizeram vários questionamentos sobre a questão fundiária e de infraestrutura da Terra Indígena, além que de perguntas sobre o processo demarcatório.

“Coincidência ou não, explicaram as lideranças, as áreas de passagem do exército brasileiro são consideras como áreas de conflito”

Escola Autônoma Tekó Jeapó, na aldeia Tekoa Ka’aguy Porã, do povo Guarani Mbya. Foto: Douglas Freitas via @amigosdaterrabr

Tanto na Comunidade Capivari quanto em Estiva, os militares afirmaram que o esse mesmo levantamento deixou de ser feito ao final dos anos de 1970. Segundo os militares, o mapeamento será feito também em todas as aldeias indígenas na região. Coincidência ou não, explicaram as lideranças, as áreas de passagem do exército brasileiro são consideras como áreas de conflito.

Em Canta Galo, área indígena homologada pelo governo federal, indígenas Guarani Mbya receberam um grupo de pessoas que se identificaram como Conselho Estadual de Educação Alimentar. Esse grupo de pessoas questionaram sobre o escola indígena e seu pleno funcionamento (ambiente, cozinha, alimentação, entre outras perguntas).

Na área indígena de Itapuã, que se encontra em processo de demarcação, as lideranças Guarani Mbya explicaram que um grupo, identificado como parte do governo de transição do Estado do Rio Grande do Sul, estava fazendo um levantamento do patrimônio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Esse grupo, de acordo com as lideranças, conversaram com a diretora da escola indígena da comunidade e fizeram uma série de perguntas sobre a situação fundiária daquela área indígena.

Aldeia Tekoa Ka’aguy Porã, do povo Guarani Mbya. Foto: Douglas Freitas via @amigosdaterrabr

Ataques e criminalização contra os povos indígenas
O caso é grave também porque fundamenta o quadro de impunidade generalizada apresentado em relatório sobre os Direitos dos Povos Indígenas, em setembro deste ano, pela Relatora Especial das Nações Unidas (ONU), Victoria Tauli-Corpuz, sobre os Direitos dos Povos Indígenas. O estudo da relatora comprova que o Brasil está no topo de um lamentável ranking de omissão e impunidade às violações de indígenas e de defensores desses direitos.

Victoria Tauli-Corpuz destacou no documento a responsabilidade primária pertencente aos Estados de assegurar que os povos indígenas podem exercer seus direitos de maneira segura. O relatório pontua também a necessidade imediata de definir providências acerca de ataques, criminalização e impunidade daqueles que cometem violações contra os povos indígenas.

“O documento destaca a responsabilidade primária pertencente aos Estados de assegurar que os povos indígenas podem exercer seus direitos de maneira segura”

Relatora da ONU, Victoria Tauli-Corpuz, em entrevista coletiva na sede da ONU, em Brasília, após visita ao Brasil. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Relatora da ONU, Victoria Tauli-Corpuz, em entrevista coletiva na sede da ONU, em Brasília, após visita ao Brasil. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Para a relatora, os povos indígenas não são contra o desenvolvimento social do país, mas rejeitam modelos considerados “desenvolvimentista”, isto é, que são impostos sem o consentimento dos povos indígenas, priorizando modelos exógenos e que prejudicam os direitos a autodeterminação sobre seus territórios e recursos naturais, e ainda compromete gravemente a proteção de modos e costumes específicos, sobre o uso sustentável das terras.

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