Crianças indígenas Kinikinau são vítimas de atropelamento na estrada que liga Miranda à Cerâmica/MS
O motorista, que dirigia uma Camionete branca, fugiu sem prestar socorro
Duas crianças indígenas Kinikinau, com sete e nove anos de idade, foram atropeladas na manhã desta terça-feira (13), quando andavam de bicicleta próximo à estrada que liga Miranda à Cerâmica, em frente à Comunidade Mãe Terra, na Terra Indígena Cachoeirinha/MS. Segundo liderança indígena da Comunidade, o atropelamento foi proposital e o motorista fugiu sem prestar qualquer tipo de socorro. Há suspeita, explicou a liderança, de que o crime tenha sido cometido por fazendeiro local.
As crianças da aldeia foram encaminhadas por indígenas Kinikinau e acompanhadas por um representante local da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Hospital Regional de Miranda. As crianças encontram-se com ferimentos no rosto, braços e pernas, e felizmente não sofreram fraturas.
De acordo o representante da Funai, que não quis ser identificado, será feito um relatório sobre o caso de violência, para registro local, que será acompanhado com cópia do Boletim de Ocorrência (BO), registrado na Polícia Civil da região. Segundo relato das crianças indígenas, no registro do BO, o veículo é uma Camionete Branca.
A liderança indígena da Comunidade Mãe Terra afirma que o cenário é de intimidação contra os povos indígenas na região. “Os fazendeiros locais fazem questão de passar com os carros no limite da estrada que liga Miranda à Cerâmica. Eles passam xingando e já atropelaram até cachorros que vivem na TI Cachoeirinha. Mas agora o cenário de violência está cada vez mais crítico”, lamentou.
“O motorista do caminhão que atropelou a indígena fugiu sem prestar socorro à vítima”
Caso emblemático de atropelamento em março de 2017
Infelizmente, esse caso de atropelamento não é isolado na região. Em março do ano passado, a Guarani-Kaiowá Alessandra Sanabrio, de 36 anos, foi atropelada no final da tarde, às margens da BR-163, no município de Rio Brilhante (MS). O motorista do caminhão que atropelou a indígena fugiu sem prestar socorro à vítima. Na época, o corpo de Alessandra foi enterrado pela comunidade, dentro da retomada. “Enquanto não demarcarem nossas terras, os problemas por aqui continuam. É urgente a demarcação das nossas terras, pois viver na beira da rodovia, continuamos correndo risco de vida”, critica Dona Adelaide, mãe de Alessandra.
Alessandra Sanabrio trabalhava em uma associação de reciclagem em Rio Brilhante e era moradora do Tekoha – lugar onde se é – Tajasu Iguá, área de retomada localizado no município de Douradina (MS), a poucos km de Rio Brilhante, e parte da Terra Indígena (TI) Lagoa Rica/Panambi. Identificada, delimitada e reconhecida pelo Estado brasileiro em 2011, a demarcação da TI foi suspensa pela Justiça Federal de Dourados em outubro de 2016, por uma decisão judicial baseada na tese do marco temporal.
“Por viverem em espaços exíguos entre as cercas dos latifúndios e as estradas, os indígenas sofrem atropelamentos fatais”.
Três casos de atropelamento foram registrados no último ano no MS
De acordo com informações do Relatório “Violência contra os povos indígenas – Dados 2017”, lançado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em setembro deste ano, dos 19 casos com 22 vítimas de homicídio culposo registrados no último ano, 21 morreram por atropelamento. Desse total, três casos foram registrados no Mato Grosso do Sul.
O relatório mostra ainda que as ocorrências se deram principalmente em rodovias próximas às aldeias ou aos acampamentos feitos nas beiras das estradas. Também ocorreram em cidades, em avenidas muito movimentadas, como é o caso da Perimetral Norte, em Dourados, no Mato Grosso do Sul. Os indígenas trafegavam em bicicletas ou a pé. Na grande maioria dos casos, os motoristas fugiram sem prestar socorro. Por viverem em espaços exíguos entre as cercas dos latifúndios e as estradas, os indígenas sofrem atropelamentos fatais.
BR-116, rodovia da morte
Outro caso de atropelamento fatal aconteceu em fevereiro deste ano. Duas irmãs Guarani Mbya – uma menina de 9 anos e uma jovem de 21 – morreram atropeladas às 6h30, ao tentarem atravessar a BR-116, na altura do Km 318, cerca de 70 km da capital gaúcha, no município de Barra do Ribeiro. Elas saíam da área indígena Passo Grande, vizinha à aldeia Guapoy, onde foram veladas e moravam. Com o impacto, a moça foi arremessada para fora da pista e o carro passou por cima da criança de nove anos. O motorista fugiu, mas pelos pedaços de faróis e para-choque, que ficaram no asfalto, já se sabe que dirigia um veículo de passeio, cor cinza. A Polícia Rodoviária Federal colheu os materiais no local do acidente, para futuro inquérito.
A aldeia Guapoy faz parte de uma reserva localizada a poucos metros da pista, criada como compensação aos impactos provocados pelas obras de duplicação da BR-116, que é uma das maiores do país e muito movimentada na região, por ser canal de escoamento de produtos que passam pelo porto de Rio Grande e pela fronteira com o Uruguai. A vizinha Passo Grande está em processo de demarcação há quase uma década, desde 2009.