19/10/2018

Na ONU, Estado brasileiro ignora violações de Direitos Humanos pelo agronegócio, financiador de políticos anti-indígenas

Após denúncias apresentadas pelo Cimi, representante do Brasil afirma não existir relação direta entre empresas que financiam campanhas políticas e ataques aos povos indígenas e suas terras tradicionais.

Acampamento Terra Livre 2017. Foto: Guilherme Cavalli

Por Michelle Calazans, Ascom Cimi

O dia de ontem (18) foi marcado pela revelação de um esquema de Caixa 2/Corrupção na criação de uma “fábrica” de Fake News. Contudo, esse não foi o único ato vergonhoso que marcou o dia. A quinta-feira foi também o dia em que o Itamaraty saiu em defesa do suposto responsável pelo Caixa 2. A salvaguarda ocorreu durante sessão das Organizações das Nações Unidas (ONU), em Genebra, Suíça. O Ministério das Relações Exteriores do Brasil pediu direito de resposta após  pronunciamento do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que denunciava a declaração de presidenciável que diz “por fim ao ativismo no Brasil”.

A fala do secretário-executivo do CIMI ocorreu durante sessão que reúne sociedade civil, governos e empresas para debater e criar um texto normativo que direcionará tratados de empresas multinacionais e seu papel socioambiental em exportações. O indigenista havia introduzido sua fala ao pedir criação de barreiras humanitárias para exportação de commodities, criando “responsabilidade solidária” das empresas com as violações de Direitos Humanos no Brasil.

Sua denúncia foi após mencionar a nítida relação de financiadores do agronegócio, também responsáveis pela violência no campo, com a eleição de mais de 50 políticos anti-indígenas. “Foram mais de 145 milhões em 50 deputados e senadores que mais apoiaram projetos anti-indígenas”, relatou Buzatto.

Contudo, a embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo, apontou como incabível a fala para a sessão, em pedido de réplica. “Este não é o momento e nem o local para tratar das instituições brasileiras ou do processo eleitoral”, disse. A embaixadora desconsidera a íntima ligação do agronegócio, a Bancada Ruralista, ou Frente Parlamentar Agrogecuária (FPA), e a violência contra povos indígenas e comunidades tradicionais.

Mundo de Fake News

Maria Nazareth Farani Azevêdo ignorou, em seu pronunciamento, mais de 100 propostas legislativas em tramitação no Senado e na Câmara dos Deputados em detrimento à cultura, ao território e à própria existência dos povos indígenas no Brasil. Para a embaixadora, a manifestação apresentada pelo Cimi não cabe vinculação com o Tratado Vinculante sobre Empresas e Direitos Humanos, em discussão na ONU. Talvez no admirável mundo velho de fake news, a representante do estado brasileiro não consiga relacionar a violência no campo e nas aldeias com a “produção de soja em latifúndios”. Por isso, minimiza-se a necessidade de adotar critérios humanitários em negócios que envolvam a exportação e importação de commodities agrícolas e minerais.

Em contrapartida à postura da embaixadora, o secretário executivo do Cimi, Cleber Buzatto, ressaltou em entrevista que a partir do momento que existe agressão aos direitos fundamentais dos povos indígenas, essa relação – agronegócio, violação de Direitos Humanos e política nacional – é automaticamente consolidada. Para Cleber Buzatto, a própria identificação de violações de direitos humanos nos processos de produção deve ser razão suficiente para a imediata suspensão das exportações dos respectivos produtos.

“As empresas importadoras e os países de destino das exportações devem assumir responsabilidade pelas violações de direitos humanos causadas no processo de produção e exportação dessas mercadorias nos países de origem”, ratificou.

Cleber Buzatto também reitera que não é suficiente observar somente aspectos legais e de saúde no estabelecimento de negociação entre empresas exportadoras e importadoras. Para ele, existe uma urgência latente para adoção de critérios humanitários em negócios que envolvam a exportação e importação de commodities agrícolas e minerais no Brasil, bem como para destinar responsabilidade conjunta e solidária pelas violações de direitos praticadas por essas empresas.

Congresso anti-indígena

O argumento apresentado pelo Cimi na ONU está fundamentado na publicação “Congresso Anti-Indígena: Os parlamentares que mais atuaram contra os direitos indígenas”, lançado no dia 27 de setembro deste ano. O documento apresenta um levantamento sobre os 50 principais parlamentares com atuação anti-indígena no Senado e na Câmara Federal, uma lista dos principais projetos que ameaçam os direitos indígenas e artigos que analisam a conjuntura política nacional, sob influência da pressão de poderosos setores econômicos, dentre os quais destaca-se o agronegócio.

“Deputados federais e senadores que mais agiram contra os direitos indígenas nos últimos anos receberam cerca de R$ 145 milhões de grupos empresariais para serem eleitos”

Foto: Guilherme Cavalli

Por meio dessa publicação, o Cimi examinou uma parcela do Congresso Nacional, como extrato de uma conjuntura parlamentar marcada pela retirada de direitos dos povos e comunidades tradicionais. Além dos políticos, mapeou-se os principais financiadores dos 50 parlamentares – 40 deputados e 10 senadores. Dos deputados, 39 integram a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA). Destes, 34 recebem investimentos financeiros de empresas ligadas diretamente a corrupção e ao agronegócio, como JBS, Andrade Gutierrez, Odebrecht.

Eleições presidenciais 2018

Além de todo esse cenário apoiado por grandes conglomerados do agronegócio, mineração, financiadores, dentre outros, nesta quinta-feira (18), o candidato da extrema direta à presidência da república no Brasil, Jair Bolsonaro (PLS), foi denunciado pelo jornal Folha de São Paulo, por crime eleitoral ao usar Caixa 2 pra financiar campanha de notícias falsas (Fake News) no Whatsapp.

“A prática ilegal trata-se de doação de campanha por empresas, vedada pela legislação eleitoral e não declarada na prestação de contas do candidato”.

De acordo com o jornal, empresas compraram, com contratos de R$12 milhões cada, pacotes de disparos em massa de mensagens pró Bolsonaro e Fake News contra o PT. A prática ilegal trata-se de doação de campanha por empresas, vedada pela legislação eleitoral e não declarada na prestação de contas do candidato. A tentativa de visibilidade de Jair Bolsonaro é destinada para o segundo turno das eleições presidenciais que acontece no dia 28 de outubro. Esse é o candidato defendido pelo Itamaraty durante sessão da ONU.

Na prática, grupo de empresários – entre eles, Luciano Hang, dono da Havan – compram de agências como a QuickMobile, Yacows, Croc Services e SMS Market, o serviço “disparo em massa”, usando a base de usuários do candidato ou bases vendidas por agências de estratégia digital.

Na reportagem, Diogo Rais, professor de direito eleitoral da Universidade Mackenzie, lembra que dessa forma pode-se incorrer no crime de abuso de poder econômico e, se julgado que a ação influenciou a eleição, levar à cassação da chapa.

“Jair Bolsonaro declarou, por diversas vezes, ser comprometido com o fim de todas as formas de ativismo no Brasil”.

Em seu programa de governo, Jair Bolsonaro declarou, por diversas vezes, ser comprometido com o fim de todas as formas de ativismo no Brasil e que não pretende demarcar um centímetro sequer de terra aos povos indígenas, demonstrando assim, ser inimigo declarado dos povos indígenas do Brasil.

Violência contra os povos indígenas

O Congresso que fere a própria Constituição Federal de 1988, corrobora, automaticamente, com o grave cenário de violência praticado contra os povos indígenas no Brasil. Segundo o Relatório do Cimi, “Violência contra os povos indígenas no Brasil – Dados 2017”, esse cenário apresenta alarmante crescimento dos casos praticados contra esses povos originários.

Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

Nesse sentido, cabe ressaltar o aumento no número de casos em 14 dos 19 tipos de violência, com destaque para os registros de suicídio (128 casos), assassinato (110 casos), mortalidade na infância (702 casos) e das violações relacionadas ao direito à terra tradicional e à proteção delas.

Em âmbito nacional, o relatório aponta 847 casos de omissão e morosidade na regularização de terras indígenas. Além de 20 casos de conflitos relativos a direitos territoriais, e 96 casos registrados de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio.

No último ano em específico, houve, ainda, um significativo aumento no que concerne às invasões; ao roubo de bens naturais, como madeira e minérios; caça e pesca ilegais; contaminação do solo e da água por agrotóxicos; e incêndios, dentre outras ações criminosas. No ano anterior, 2016, haviam sido registrados 59 casos – houve, portanto, um aumento de 62% em 2017.

*Edição: Guilherme Cavalli/Cimi

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