24/09/2018

Na ONU, liderança da Aty Guasu solidariza-se com indígenas que migram da Venezuela ao Brasil

Leila Rocha Guarani Nhandeva pede às autoridades da ONU envio de carta ao governo do Estado para barrar violação de direitos indígenas

Relatora Especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz. com a Liderança Aty Guasu. Foto: Flávio Vicente Machado, missionário Cimi

Por Michelle Calazans, Ascom Cimi

Paralelo à 39ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, a liderança da Aty Guasu, Grande Assembleia dos Guarani e Kaiowá, Leila Rocha Guarani Nhandeva, participou, no dia 20 de setembro, do painel “Entre o Brasil e a Venezuela: a situação dos direitos humanos dos povos Warao e E’ñepa”. A Liderança da Aty Guasu partilhou o sofrimento enfrentado pelos povos indígenas no Mato Grosso do Sul, em solidariedade aos povos indígenas Warao e E’ñepa, cuja migração da Venezuela ao Brasil se intensificou nos últimos anos.

Leila Rocha Guarani Nhandeva relatou a triste situação dos povos indígenas no Mato Grosso do Sul, que são tratados, segundo ela, como se não tivessem direito nenhum – situação decorrente da realidade de seu território originário, que está atravessado pelas fronteiras entre Brasil, Paraguai, Bolívia e Argentina. “O governo brasileiro coloca uma lei contra povo indígena, a [Proposta de Emenda Constitucional] PEC 215, o marco temporal e o Parecer 001/2017, que atinge o povo Guarani e Kaiowá. Cada vez mais está pesado para nós indígenas. Jogaram em cima de nós esse Parecer, dizendo que o indígena não tem direito à terra. Nós sabemos onde está o nosso direito. Lá em Brasília, a bancada ruralista que fica contra o povo indígena porque tem dinheiro. O povo indígena não tem dinheiro, nós vivemos apenas ‘pelo amor’ de Deus”, lamentou.

A Liderança da Aty Guasu destaca que muitos problemas são decorrentes do acesso à terra originária dos povos indígenas. “Muitas crianças estão desnutridas. Elas morrem pela fome. Muitos idosos também morrem. Não vivemos mais como a gente quer, estamos fechados em um chiqueiro, nós somos um povo livre para andar, mas hoje em dia nós não somos mais. Não temos mais água, não temos mais nada. Sem a terra, nós seres humanos, não vivemos mais. Nós somos seres humanos e nós somos tratados como animal. Meu povo está morrendo, está diminuindo”, questionou.

“Quantas vezes a gente pede para o governo ouvir o nosso clamor. O governo fecha o olho, fecha o ouvido para nosso clamor. Por isso, estou aqui hoje pedindo ajuda. Para que as autoridades da ONU enviem uma carta ao governo brasileiro, que quer acabar com os direitos do povo indígena, quilombola e negros. Nós perdemos a nossa terra tradicional, mas nós temos nosso direito. O meu coração ficou muito alegre pelo espaço cedido para falar a verdade. Espero que algum dia aconteça para nós uma coisa boa”, completou Leila Rocha Guarani Nhandeva.

“Quantas vezes a gente pede para o governo ouvir o nosso clamor. O governo fecha o olho, fecha o ouvido para nosso clamor. Por isso, estou aqui hoje pedindo ajuda”.

Foto: Flávio Vicente Machado, missionário Cimi

Registro da Liderança Aty Guasu, Leila Rocha, que também falou como painelista em solidariedade aos povos indígenas Warao e E’ñepa. Foto: Flávio Vicente Machado, missionário Cimi

Nos últimos meses, a intensificação da migração de povos indígenas da Venezuela para o Brasil tem gerado grande repercussão e sido acompanhada pelo Ministério Público Federal (MPF). Em Roraima, onde os Warao e E’ñepa frequentemente são vítimas de discriminação, entidades da sociedade civil vêm denunciando a militarização dos abrigos destinados aos indígenas e reivindicando o respeito a seus direitos específicos.

A Relatora Especial das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, cita que as realidades transfronteiriças dos povos indígenas é algo que sempre existiu, endossando também a declaração da Liderança da Aty Guasu. Para ela, esses povos que estão além das fronteiras deveriam ter a possibilidade de continuar se relacionando e cooperando uns com os outros, condição que não deve ficar restrita pelos limites dos Estados que são estabelecidos. “Definitivamente, penso que tais tipos de esforços são muito necessários e é claro que posso imaginar que os Estados que se encontram nestas situações são mais conscientes e sensíveis à questão. Devem ser colocadas em prática medidas que realmente permitam tal cooperação e fortalecimento do relacionamento dos povos indígenas por meio dessas fronteiras”, esclareceu.

“Para pessoas que precisam se afastar de seus próprios territórios para buscar apoio em outras áreas, essa é realmente uma questão que precisa de apelo aos governos”.

Victoria Tauli-Corpuz citou a situação dos povos indígenas na Venezuela, que sofrem com a fragilização da saúde. “Há uma incidência muito alta de malária e seus remédios não estão sendo encaminhados, por causa das sanções. Os povos indígenas tiveram que sair de seus próprios territórios. As pessoas têm que atravessar as fronteiras do Estado para buscar algum espaço, onde elas podem ser mais seguras e ter mais chance de resolver esses problemas com a saúde e a segurança alimentar, por exemplo. Realmente é algo que precisa ser olhado profundamente, por meio do desenvolvimento de mais programas e políticas públicas”, relatou.

Para a Relatora Especial, trata-se de uma questão humanitária, na verdade. “Para pessoas que precisam se afastar de seus próprios territórios para buscar apoio em outras áreas, essa é realmente uma questão que precisa de apelo aos governos. Se não estivermos lidando com essa questão da perspectiva dos direitos humanos, perderemos de vista as medidas necessárias que precisam ser tomadas. É preciso de pensar nos impactos gerados aos setores mais vulneráveis e marginalizados da sociedade”, concluiu.

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