Pauta | Indígenas constroem seu próprio curso de licenciatura em São Paulo
As comunidades indígenas do Estado vêm sistematicamente reivindicando tanto a efetivação de todos os professores indígenas quanto a oferta de formação continuada
Nesta semana, a partir de segunda-feira (6), mais de 20 lideranças indígenas de aldeias no Estado de São Paulo estarão reunidas na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em um esforço inédito: a construção da matriz curricular de um curso próprio de licenciatura.
O grupo de trabalho, que reúne indígenas dos povos Guarani, Tupi, Terena e Krenak, é composto por professores e trabalhará na proposta ao longo de cinco módulos durante os anos de 2018 e 2019. A demanda veio do Fórum de Professores Indígenas do Estado de São Paulo (FAPISP) e foi acolhida pela Unifesp sob a forma de um curso de extensão. A iniciativa conta com o apoio do Comitê Interaldeias, da Fundação Nacional do Índio (Funai), da Secretaria de Educação do Estado, do Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e de docentes e pesquisadores de outras universidades paulistas, como a USP e a Unicamp.
O grupo de trabalho “Por uma licenciatura indígena no Estado de São Paulo” é coordenado por duas professoras indígenas, Poty Poran T. Carlos e Cristine Takua, do povo Guarani,e por duas professoras da Unifesp, Valéria Macedo e Débora Galvani, e atende a uma demanda antiga das comunidades por uma formação específica e diferenciada para os professores em atuação nas escolas indígenas do Estado. Selecionados pelo FAPISP, os professores representam cinco regiões do estado – Centro Oeste, Capital, Litoral Sul, Litoral Norte e Vale do Ribeira -, sendo quatro participantes por região.
Apesar de assegurado pela Constituição Federal de 1988, que reconhece aos indígenas o respeito e proteção a “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições”, e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que define as ações da educação escolar indígena, o direito dos povos indígenas a uma educação diferenciada de fato é pouco efetivado em São Paulo.
Atualmente, em São Paulo, há cerca de 1,4 mil alunos matriculados em escolas indígenas entre as séries dos anos iniciais e anos finais do Ensino Fundamental e séries do Ensino Médio, além das modalidades de Educação para Jovens e Adultos e Educação Infantil. Para além desse total de alunos, há ainda uma demanda de criação de novas salas de aula para as aldeias recentemente reocupadas, onde hoje não se ministram aulas.
Das cerca de 252 vagas de professores existentes nas aldeias indígenas do Estado, 139 são preenchidas por professores sem formação superior. Além do prejuízo para o exercício da docência, a falta de habilitação adequada faz com que esses professores, indígenas em sua grande maioria, sejam contratados por meio de contratos temporários e precarizados que trazem uma série de problemas para o cotidiano escolar nas aldeias.
As comunidades indígenas do Estado vêm sistematicamente reivindicando tanto a efetivação de todos os professores indígenas quanto a oferta de formação continuada, pleitos reiterados na II Conferência de Educação Escolar Indígena do Estado de São Paulo, realizada em 2013. A Secretaria de Educação do Estado alega, entretanto, que seria irregular a oferta de formação para professores não efetivos, de acordo com a Lei Complementar Estadual n° 1.093 de 2009, e construiu uma minuta de projeto de lei para criação da classe docente indígena, mas ela nunca chegou a tramitar.
Entre 2005 e 2009, a Universidade de São Paulo (USP) abrigou a Formação Intercultural Superior de Professores Indígenas do Estado de São Paulo (FISPI), realizada em parceria com a Secretaria de Educação, mas o curso foi descontinuado, formando apenas uma turma. Hoje o Estado não consegue oferecer a formação continuada para os professores indígenas, nem efetivá-los.
Para piorar o quadro, o governo estadual obriga que as Escolas Indígenas sigam as diretrizes do Currículo Padrão do Estado de São Paulo, em franca contradição com a legislação vigente, embora se alegue haver espaço para que as disciplinas sejam trabalhadas de acordo com os conhecimentos de cada povo indígena.
Programação
No primeiro módulo, a formação de professores indígenas será discutida a partir das experiências de licenciaturas indígenas ou diferenciadas já desenvolvidas por universidades e instituições em outras regiões do país. Convidados de universidades do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul, irão debater com os participantes do curso os projetos curriculares e político-pedagógicos que os orientam, bem como as diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores de Ensino Básico.
No módulo seguinte, as discussões irão problematizar a hegemonia da ciência moderna no aprendizado escolar e a relação com os modos de conhecer indígenas, além das diferentes metodologias de ensino e vertentes pedagógicas que poderiam ser incorporadas nas escolas indígenas.
O terceiro módulo irá apresentar diferentes experiências de pesquisa realizadas por indígenas, incluindo o ambiente universitário e formações não acadêmicas. Na sequência, o quarto módulo buscará responder como a formação de professores indígenas tem produzido inovações curriculares. A discussão será feita a partir de experiências concretas de professores e escolas na construção e efetivação de Projetos Político-Pedagógicos, materiais e currículos diferenciados, observando como diferentes modelos de formação de professores ajudam a colocar esses projetos educacionais em prática.
O último módulo será dedicado à sistematização do documento conceitual para proposição de um curso de licenciatura indígena para os professores do Estado, e sua apresentação para Universidades Públicas e gestores públicos, tais como os atuantes no Ministério da Educação do Governo Federal e a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.
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