MPF recorre à Justiça para que sejam iniciados estudos sobre território reivindicado por indígenas no Pará
Os Munduruku do planalto santareno aguardam providências há dez anos
O Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça decisão urgente para obrigar a União e a Fundação Nacional do Índio (Funai) a darem início aos estudos de identificação e delimitação do território reivindicado pelo povo indígena Munduruku na área conhecida como planalto santareno, em Santarém, no oeste do Pará.
Encaminhada à Justiça Federal no último dia 29, a ação pede que seja declarada omissão no atendimento aos mais de 600 indígenas da área, que desde 2008 vêm solicitando formalmente a adoção de medidas para dar início aos estudos.
Assinada pelo procurador da República Camões Boaventura e pelo assessor jurídico do MPF Rodrigo Oliveira, a ação pede que a Funai seja obrigada a pedir o bloqueio completo da área reivindicada pelos indígenas até que seja concluído o procedimento administrativo sobre a reivindicação indígena.
Também foi pedida que a Funai seja obrigada a publicar – dentro de 60 dias – portaria de constituição de grupo de trabalho para a elaboração do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID), e – em até 30 dias após a publicação da portaria – a apresentar plano de trabalho para a elaboração do relatório.
O MPF também pediu que a Funai seja obrigada a apresentar à Justiça Federal comprovantes da adoção de todas as providências determinadas à autarquia, a finalizar o RCID dentro de um ano após a publicação da portaria de constituição do grupo de trabalho e a avaliar o relatório dentro de 15 dias após sua finalização.
Por fim, a ação pede que a Justiça impeça a União de regularizar quaisquer áreas sobrepostas ao território reivindicado pelos Munduruku enquanto a demarcação não estiver concluída.
Busca por segurança jurídica
“A providência judicial que ora se requer – a elaboração e avaliação de Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação – é um imperativo para a efetivação do direito à terra do povo indígena Munduruku, mas também é etapa imprescindível e insubstituível para encaminhamento de uma resolução dos conflitos fundiários no local e no combate aos crimes ambientais, assim como para garantir segurança jurídica a todos os envolvidos”, destacam os representantes do MPF.
A falta de providências por parte da União e da Funai transformou o território no epicentro de uma série de violações de direitos, em grande parte associadas à expansão do monocultivo da soja: desmatamento, destruição de sítios arqueológicos, assoreamento de igarapés, contaminação do ar, da fauna e da flora por agrotóxicos – inclusive com a morte de animais –, tentativas de grilagem, ameaças e intimidações, entre outros problemas.
Enquanto na última década diversos outros processos administrativos de identificação e delimitação de territórios indígenas tiveram andamento na região, no Planalto Santareno o território Munduruku vem sendo fragilizado ano a ano e já conta com mais de cem registros de empresários rurais que dizem possuir partes da área, mesmo que não tenham apresentado comprovação da legalidade dessas propriedades.
Vários supostos detentores de terras permanecem explorando e cultivando soja no perímetro reivindicado pelos indígenas – inclusive nos arredores das aldeias – e vêm comercializando e arrendando partes do território. Até uma área sagrada dos indígenas foi cercada e só pode ser visitada mediante pagamento aos que se dizem donos do terreno.
O MPF lembra na ação que está em processo de licenciamento o porto da Empresa Brasileira de Portos de Santarém (Embraps), no Lago do Maicá, em Santarém, e que potencialmente esse projeto gerará intensos impactos sobre os indígenas, por se tratar de área de uso tradicional do povo Munduruku (pesca, navegação fluvial, dentre outros usos), além de valorizar os imóveis rurais da região, acirrando os conflitos fundiários. (A legalidade do licenciamento do porto é questionada em outra ação do MPF na Justiça Federal.)
Entre 2008 e 2015, dez novos desmatamentos de áreas iguais ou superiores a 60 hectares foram identificados no território. Segundo os indígenas, há uma grande proliferação de mosquitos em todas as quatro aldeias, o que tem provocado surtos de leishmaniose.
Segundo a unidade técnico-científica da Polícia Federal em Santarém, agrotóxicos são borrifados a menos de dez metros das residências, e não foram providenciados quebra-ventos, faixas de segurança ou quaisquer práticas que minimizassem os possíveis danos à saúde da população local.
Os indígenas relatam ocorrência de muita diarreia e outras doenças intestinais, possivelmente associadas à contaminação dos cursos d’água. Profissionais de saúde que atendem os Munduruku já identificaram a prevalência de problemas respiratórios e crises alérgicas no território, possivelmente ligadas à inalação direta de agrotóxicos pulverizados e à ingestão de alimentos contaminados.