09/04/2018

Pesquisa | As violações sobre o direito à Educação Escolar Indígena do povo Maku Nadëb (AM)

O objetivo é trazer ao conhecimento público e das autoridades competentes as violações de direitos na Educação Escolar Indígena do povo Maku Nadëb, que vive nas aldeias Jeremias e Jutaí, pertencentes à Terra Indígena (TI) Paraná do Boá-boá, município de Japurá, e Nova São Joaquim, TI Uneuxi

Ancião Maku durante atividade de levantamento socioambiental com Cimi, ISA e organizações parceiras. Foto: Silvia Furtada/ISA

Estudo de caso sobre as violações do direito à Educação Escolar Indígena nas aldeias Jutaí, Jeremias e Nova São Joaquim do povo Maku Nadëb

Por Cimi e Cáritas de Tefé (AM)

Apresentação

O presente estudo de caso tem como objetivo trazer ao conhecimento público e das autoridades competentes as violações de direitos na Educação Escolar Indígena do povo Maku Nadëb, que vive nas aldeias Jeremias e Jutaí, pertencentes à Terra Indígena (TI) Paraná do Boá-boá, município de Japurá, e Nova São Joaquim, localizada na Terra Indígena Uneuxi, cujo território abrange os municípios de Japurá e Santa Isabel do Rio Negro. Este documento traz também as propostas destas comunidades indígenas para corrigir as violações de direitos identificadas e requer do poder público ações concretas para a solução dos problemas.

Através do projeto “Garantindo a defesa de direitos e a cidadania dos povos indígenas do médio rio Solimões e afluentes”, realizado pela Cáritas de Tefé e CIMI Tefé, e financiado pela União Europeia e pela Agência Católica para o Desenvolvimento Internacional (CAFOD), estas comunidades estão em um processo de formação sobre seus direitos humanos, civis e políticos, que visa promover o efetivo acesso e usufruto aos direitos constitucionais e das demais legislações que amparam as populações indígenas, garantindo o caráter pluriétnico que o Brasil adotou a partir da Constituição Federal de 1988.

São várias as violações de direitos civis, sociais, políticos e humanos vividos pelo povo Maku Nadëb. Na Educação Escolar Indígena, o estudo revelou uma realidade de descaso e omissão por parte do poder público. Há descumprimento às regulamentações e atribuições legais dos órgãos públicos responsáveis por esta política pública, tanto na implantação quanto na operacionalização desta política.

A legislação nacional e internacional para os povos indígenas garante que a Educação Escolar Indígena deve se constituir num espaço de construção de relações interétnicas orientadas para a manutenção da pluralidade cultural, pelo reconhecimento de diferentes concepções pedagógicas e pela afirmação dos povos indígenas como sujeitos de direitos

Para compreender a realidade da educação nessas escolas indígenas, foram analisados documentos sobre o território disponíveis nas aldeias e depoimentos foram recolhidos em reuniões e em entrevistas com professores e lideranças comunitárias. O estudo concentrou-se na realidade das escolas nos âmbitos da estrutura, do fomento a materiais didáticos específicos e merenda escolar, serviços e quadro de professores.

As reivindicações das comunidades contidas neste documento estão amparadas pela legislação nacional, com ênfase na legislação específica que regulamenta a Educação Escolar Indígena no Brasil, um direito conquistado pelos povos originários e garantido na Constituição Federal de 1988. Estas legislações romperam com a política integracionista e assimiladora dos povos indígenas até então adotada no Brasil, estabelecendo um novo marco legal, através do reconhecimento da pluralidade étnica brasileira e do direito das populações indígenas a manterem suas formas de organização social, seus costumes, línguas, crenças e tradições, em territórios que tradicionalmente ocupam e em todos os espaços que lhes forem pertinentes.

As disposições da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, reconhece a autonomia e o direito dos povos indígenas para definirem suas próprias prioridades no que diz respeito aos seus processos de desenvolvimento. Além disso, esta convenção internacional determina que os Estados signatários adotem medidas que permitam que esses povos participem livremente, pelo menos na mesma medida da participação de outros setores da população, e em todos os níveis, nas decisões junto às instituições ou organismos administrativos e de outras naturezas, responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes.

Este documento traz a voz e as reivindicações do povo indígena Maku Nadëb para reparar a situação de violação do seu direito à Educação Escolar Indígena.

Apesar de a educação escolar estar em vigor nas três aldeias há vários anos – em Jutaí há mais de 15 anos, em Jeremias há mais de 10 anos e em Nova São Joaquim há mais de 08 anos – a pesquisa apontou diversas situações de violação, coincidentes nas três escolas, ao direito à Educação Escolar Indígena de qualidade e eficiente.

  1. Não reconhecimento na categoria “escola indígena” junto ao Ministério da Educação, encontrando-se na categoria de “escola rural”, apesar de se enquadrarem nas Diretrizes Nacionais para o funcionamento das escolas indígenas fixadas na Resolução nº 03 do Conselho Nacional de Educação e no Parecer 14/99 do Conselho Nacional de Educação, estabelecido em 14 de setembro de 1999. Os alunos, por outro lado, estão inseridos no censo do município, que reconhece a identidade étnica dos estudantes, pois a eles é destinado maior recurso para a merenda escolar, de acordo com Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
  2. Falta de capacitação para os professores indígenas no preenchimento de documentos referentes aos alunos e à escola, que precisam ser entregues para as Secretarias Municipais de Educação. Sem esse conhecimento, os professores encontram dificuldades na organização desses materiais. Relatam que executam o preenchimento de diários, frequências e outros materiais da forma que compreendem, mas ao apresentar na Secretaria são informados que a tarefa está incorreta.
  3. Falta de capacitação para os professores indígenas em atividades pedagógicas que proporcionem metodologias diferenciadas e voltadas à valorização dos conhecimentos tradicionais indígenas.

Em 2015, o curso de magistério indígena Pirayauara não teve continuidade e quem havia iniciado, não pode concluir. O Pirayauara é oferecido pela Secretaria de Estado de Educação do Amazonas (SEDUC) a professores indígenas. Sua meta principal é garantir aos povos indígenas uma educação diferenciada, específica, intercultural, bilíngue, de qualidade e que responda aos seus anseios. O curso também contribui com a produção, editoração, publicação e distribuição de material didático específico e diferenciado, distribuição de material escolar e didático pedagógico, além de assessoria técnico-pedagógica e administrativa às secretarias municipais (fonte: http://www.educacao.am.gov.br/2014/01/seduc-forma-professores-em-curso-de-magisterio-indigena/).

No município de Japurá, os professores relataram que o Programa Saberes Indígenas na Escola, coordenado pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), por meio do Departamento de Políticas Afirmativas da Pró-Reitoria de Extensão (Proext) e do Departamento de Educação Escolar Indígena da Faculdade de Educação (Faced), em parceria com a SEDUC, que foi iniciado em 2016, também não teve continuidade e aqueles que iniciaram não puderam concluir. Foi realizado apenas o módulo 1, dos 5 previstos, devido à falta do repasse dos recursos pelo MEC, segundo a UFAM. Os professores alegaram não ter recebido nenhuma informação dos coordenadores do programa no Município. Os objetivos do programa são “promover a formação continuada na educação escolar indígena, especialmente para professores que atuem nos anos iniciais da educação básica em suas especificidades indígenas, oferecer recursos didáticos e pedagógicos, subsídios à elaboração de currículos, definição de metodologias e processos de avaliação, e fomentar pesquisas que resultem na elaboração de materiais didáticos e paradidáticos em diversas linguagens”, conforme estabelecido na Portaria da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – SECADI/MEC nº 98, de 6 de dezembro de 2013. (fonte: http://www.fnde.gov.br/programas/bolsas-e-auxilios/eixos-de-atuacao/lista-de-programas/item/6439).

  1. Não há professor bilíngue na escola da aldeia Jeremias, o que amplia as dificuldades no processo de ensino e aprendizagem, pois os Maku Nadëb são essencialmente falantes da língua materna e as crianças precisam de que as aulas sejam ministradas em sua língua. O conhecimento da língua portuguesa, assim como outros conhecimentos universais, deve estar garantido na sala de aula, mas sempre a partir da valorização de suas línguas maternas.
  2. Falta de material didático tanto em português como na língua materna, dificultando mais ainda o trabalho dos professores. Na aldeia Nova São Joaquim alguns professores possuem material didático impresso e em mídia digital, mas não possuem meios para reproduzirem aos alunos ou compartilhar com outras aldeias.
  3. Insuficiência de material escolar, como lápis, borracha, cadernos e pincéis de lousa, entre outros. A quantidade desses materiais enviados pelas Secretarias Municipais de Educação não contempla as necessidades dos alunos.
  4. Quadro insuficiente de professores e não há valorização dos que lecionam. As turmas são multisseriadas, com alunos de idade e nível de conhecimento diferenciados estudando no mesmo horário. Os professores relataram que têm muitas dificuldades metodológicas para trabalhar com essas diferenças e que as Secretarias não os acompanham ou orientam.
  5. A estrutura das escolas é precária. Foram relatados problemas com os telhados que apresentam perfurações e infiltrações, falta de iluminação adequada e pisos quebrados. No período das chuva, a deterioração do telhado é tão grande que os alunos precisam se reorganizar na sala para não ficarem expostos às goteiras e infiltrações. Tais problemas deixam o ambiente insalubre, impróprio para qualquer atividade, mais ainda para o estudo.
  6. Mobiliário e insumos de limpeza insuficientes e/ou deteriorados. Faltam mesas, carteiras, quadros, pincéis, computadores, impressoras, bebedouro, material de limpeza e equipamentos de cozinha, como panela e fogão. Utensílios e mobiliário destinados às aldeias são de segunda mão e quando são entregues já estão em estado de deterioração.
  7. Merenda escolar insuficiente. Não atende todo o período letivo. Nas três aldeias, os entrevistados foram enfáticos ao dizer que recebem a merenda apenas três vezes ao ano e que são os professores que vão buscá-la na cidade, utilizando recursos próprios para as despesas de deslocamento e transporte.
  8. Merenda escolar integralmente industrializada, contrariando a Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, que determina o “mínimo de 30% do valor do FNDE a ser repassado aos municípios e que deve ser utilizado na compra de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e as comunidades quilombolas” (fonte: http://www.fnde.gov.br/programas/pnae/pnae-eixos-de-atuacao/pnae-agricultura-familiar).

Com esses problemas apontados, a conclusão é de que a maioria das garantias legais para a educação escolar indígena ainda não são efetivadas nessas três aldeias, o que lhes submete a um alto grau de violação do direito a ter uma Educação Escolar Indígena específica e intercultural, voltada para o fortalecimento da autonomia, culturas, saberes e projetos de futuro dos povos indígenas.

 

PROPOSTAS DE RESOLUÇÃO DOS PROBLEMAS APONTADAS PELOS ENTREVISTADOS

As lideranças e os professores das comunidades estudadas têm propostas concretas a serem implementadas e que irão contribuir para a garantia do direito à educação escolar indígena em suas aldeias.

  • Reconhecimento imediato das escolas indígenas do município de Japurá na categoria “escola indígena”. Com este reconhecimento, todas as políticas públicas destinadas à Educação Escolar Indígena deverão ser efetivadas com maior celeridade.
  • Implantação dos Núcleos de Educação Escolar Indígena (NEEI), para participação das comunidades na gestão das escolas e para proporcionar acesso à informações e, portanto, a mais oportunidades de formação pedagógica e em gerenciamento dos processos administrativos.

No segundo semestre de 2017, as discussões sobre o projeto de Lei que cria os NEEIs foram iniciadas na Câmara de Vereadores de Japurá com a presença de seis das sete aldeias do município. Os indígenas receberam o projeto para analisar e modificar questões que considerassem relevantes, para depois retornarem a Câmara. Já aconteceram dois retornos, mas os indígenas ainda não se sentem contemplados na proposta e precisaram consultar a assessoria jurídica do projeto. Feitos os devidos ajustes com as proposições dos representantes indígenas, os processos de aprovação e implantação dos NEEIs devem ser mais ágeis.

  • Orientação, apoio técnico ou curso aos professores, nos meses que antecedem o início do período letivo pela  Secretaria de Educação, no que se refere a preenchimento de documentos referentes aos alunos e à escola, a serem entregues às respectivas Secretarias.
  • Continuidade das formações iniciadas: A Secretaria Estadual de Educação deve continuar com o Curso de Magistério Indígena Pirayauara, iniciado em 2015 e não concluído, no município de Japurá. Também deve solicitar da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, informações sobre o não cumprimento e não continuidade do Programa Saberes Indígenas na Escola, iniciado em 2017, pois os participantes relatam que não têm informações sobre o andamento do programa.
  • Contratação de mais professores indígenas, na busca de extinguir as turmas multisseriadas. Enquanto não há novas contratações, a Secretaria deve oferecer processos formativos aos professores em relação às turmas multisseriadas.
  • Oferecimento de programas de formação e acompanhamento pedagógico para os quadros de professores indígenas. Tais processos são necessários, especialmente para os novos professores contratados, que carecem de acompanhamento metodológico e específico.
  • Produção de materiais didáticos diferenciados. SEMED e SEDUC devem produzir material didático específico. A exemplo do Programa “Saberes Indígenas na Escola”, que dentre seus objetivos está o oferecimento de recursos didáticos e pedagógicos às escolas indígenas, as Secretarias devem firmar parcerias com instituições que possuam experiência nesse conhecimento. Em relação a esse programa, que é coordenado pela UFAM, as Secretarias devem solidificar a parceria e efetivar as capacitações, produções e demais atividades previstas.
  • Disponibilização de computadores e impressoras nas escolas para que os materiais possam ser reproduzidos nas próprias aldeias.
  • Incluir as atividades específicas da cultura Nadëb no calendário escolar, elaborado pelas Secretarias de Educação.
  • Melhorias na merenda escolar, que deve ser em quantidade suficiente e com qualidade nutricional para todo o ano letivo. Deve ser regionaliza, diversificada com produtos locais advindos da agricultura familiar e/ou das próprias aldeias, com os recursos de 30% previstos no PNAE para esse fim.
  • Maior quantidade de materiais escolares, como lápis, borracha, caderno e pinceis para lousa, disponibilizados para as escolas.
  • Construção de novas escolas. Tanto pela precariedade em que se encontram como pela ausência de arquitetura apropriada à cultura Nadëb, a Prefeitura deve, com urgência, construir novas estruturas escolares. Para isso, precisa estabelecer um diálogo permanente com o povo, obedecendo à determinação de consulta livre, prévia e informada, prescrita na Convenção 169 da OIT.

LOCALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DAS COMUNIDADES

As aldeias Jutaí e Jeremias estão localizadas na Terra Indígena Paraná do Boá-Boá no município de Japurá e a aldeia Nova São Joaquim se encontra na Terra Indígena Uneuxi entre os municípios de Santa Isabel do Rio Negro e Japurá, sendo que a aldeia ficou sediada em Japurá. Ambas, são territórios tradicionalmente ocupados pelos povos Maku Nadëb.

A TI Uneuxi foi demarcada em 1998, quando pertencia ao município de Santa Isabel do Rio Negro. Em 2006, com a revisão de seus limites, o território passa a pertencer, também, ao município de Japurá, fazendo limite com a Terra indígena Paraná do Boá-Boá. Possui área de 554 mil hectares.

A comunidade Nova São Joaquim foi fundada pelo Tuxaua Joaquim Elias Batista em 2006 e possui mais de 130 habitantes entre crianças e adultos, sendo 62 mulheres e 68 homens, pertencentes a 24 famílias. Na aldeia, a Escola Municipal Indígena São Joaquim II foi fundada em 2009 e possui até o quarto ano do ensino fundamental, com 76 crianças matriculadas, em 2017. Os conteúdos curriculares são ensinados na língua materna, valorizando seus conhecimentos e a cultura do povo.

Os habitantes de Nova São Joaquim, antes de terem sua escola, tiveram educação escolar na aldeia Roçado, sua vizinha, e lá aprenderam a ler e escrever na língua materna. Para falar português, mesmo aqueles que há algum tempo são falantes da língua portuguesa, ainda têm insegurança com o idioma, principalmente se estiverem conversando com alguém que não pertença ao povo Nadëb.

A TI Paraná do Boá-Boá foi homologada em novembro de 1997 e está localizada no Paraná do Boá-Boá, no município de Japurá. Possui área de 240.545 hectares. Existiam em 2017 três aldeias maiores, Jutaí e Jeremias do povo Maku Nadëb, e Nova Canaã do povo Kanamari, e pequenas aldeias que estão sendo fundadas pelos moradores destas aldeias.

A comunidade de Jutaí foi fundada na década de 80 pelo senhor Samuel Ferreira e é uma das aldeias mais antigas. Seus moradores são provenientes da aldeia Cumaru, área de terra firme nos limites do território. Deslocaram-se devido à morte de famílias inteiras causadas por sarampo. É formada por 240 habitantes (52 famílias), sendo 123 homens e 117 mulheres, dos quais 182 crianças em idade escolar. A Escola Municipal Indígena Nova Jerusalém foi fundada em 2000.

A aldeia Jeremias foi fundada em 2000 pelo senhor Ramiro Betosa Ferreira, à margem esquerda do Paraná do Boá-boá. Os moradores desta aldeia também migraram fugindo das doenças que afetaram a aldeia Jutaí, vizinha na época, quando houve a morte de muitos idosos e crianças. Sua população atual é de 70 pessoas e 12 famílias, sendo 37 homens e 33 mulheres, das quais 58 crianças estudando em 2017. A Escola Municipal Indígena Jeremias é de madeira, construída em 2009 e até o ano de 2015 ainda não havia sido inserida no Censo Escolar.

A população das três aldeias é falante da língua materna. Muitos falam o português, mas com limitações. Encontram mais dificuldades em conversar com quem não pertence ao povo Nadëb.

LEGISLAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

A educação como direito de todos e garantida através de políticas públicas pelo estado brasileiro a toda população, a partir da Constituição Federal de 1988, recebeu tratamento diferenciado de forma a atender as particularidades dos povos indígenas. Além disso, está previsto na Constituição Federal que o Sistema Nacional de Ensino passasse, desde então, a assegurar no ensino fundamental regular, a utilização de suas próprias línguas maternas e processos próprios de ensino/aprendizagem.

O decreto presidencial nº 26/1991 atribui ao Ministério da Educação a competência de coordenar a educação indígena em todos os níveis e modalidades, ouvida a FUNAI, e às Secretarias de Educação dos Estados e Municípios, em consonância com as Secretarias Nacionais de Educação do Ministério da Educação, a execução das ações previstas no Art. 1º.

O Conselho Nacional de Educação, com a Resolução nº 03/99, aprovada através do Parecer 14/99, instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena, expressando essa especificidade enquanto categoria “Escola Indígena”, que assegura autonomia no Projeto Político Pedagógico (PPP) e no uso dos recursos financeiros destinados às escolas.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em seus artigos 78 e 79, garante que a educação escolar para os povos indígenas deve ser intercultural e bilíngue para a reafirmação de suas identidades étnicas, recuperação de suas memórias históricas, valorização de suas línguas e ciências, além de possibilitar o acesso às informações e aos conhecimentos valorizados pela sociedade nacional. A realização das ações educativas com essas determinações é atribuída aos estados e municípios, e, para tanto, recebem da União o apoio técnico e financeiro necessários. Assim define o decreto Presidencial 6.861/2009, que regulamenta o funcionamento, a estrutura, a organização e o objetivo da escola indígena, aborda a organização territorial da educação escolar sob a definição de territórios etnoeducacionais, especificando que cada um deles contará com um plano de ação, detalhando o que deverá conter em cada um e contemplando formação para os professores indígenas.

Dessa forma, os Sistemas de Ensino estaduais e municipais devem desenvolver programas integrados de ensino e pesquisa, currículos pedagógicos e programas específicos com conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades, bem como material didático específico e diferenciado, com audiência das comunidades indígenas, a fim de fortalecer as práticas socioculturais e da língua materna.

Para executar e garantir que as ações sejam realizadas de acordo com as legislações e com participação de representações indígenas, a Portaria Interministerial nº 559/1991, criou os Núcleos de Educação Escolar Indígena (NEEIs), integrando o Ministério da Justiça e o MEC dentro das Secretarias Estaduais de Educação. Os NEEIs estabelecem como prioridade a formação permanente de professores indígenas e de pessoal técnico das instituições participantes para a prática pedagógica, estabelecendo as condições para a regulamentação das escolas indígenas no que se refere ao calendário escolar, à metodologia e à avaliação de materiais didáticos adequados à realidade sociocultural de cada sociedade indígena. Também indica que os professores indígenas devem receber a mesma remuneração dos demais professores.

Em relação à merenda escolar regionalizada, para facilitar a compra de gêneros alimentícios cultivados pelas comunidades indígenas, em setembro de 2017, a Agência de Defesa Agropecuária e Florestal do Estado do Amazonas – ADAF, da Superintendência Federal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Amazonas – SFA/AM e do Ministério Público Federal/AM/5º Ofício, publicaram a Nota Técnica nº 01/2017/ADAF/SFA-AM/MPF-AM adotando o posicionamento sobre os aspectos legais para a comercialização de produtos de Origem Animal e dos Vegetais e suas partes no Estado do Amazonas para os povos indígenas.

A nota técnica reconhece a possibilidade de dispensa de registro, inspeção e fiscalização da produção rural para a preparação, manipulação ou armazenagem doméstica de produtos de origem animal para consumo familiar, onde não haveria interferência nos hábitos alimentares dos indígenas, permitindo que tal alimento seja consumido no ambiente escolar.

De igual modo, para os produtos de origem vegetal, especialmente bebidas, em se tratando de consumo próprio, sem fim comercial ou quando o produto for preparado para ser consumido no mesmo dia, não há necessidade de inspeção e fiscalização, o que permite que sejam fornecidos pelos indígenas, dentro desse contexto.

Por fim, as regulamentações afirmam que, por se tratar de consumo familiar e alimento perecível, a comercialização fora de territórios indígenas fica impossibilitada, pois é apenas destinada ao consumo interno dos próprios indígenas, restringindo-se a pequenas distâncias e dentro do limite geográfico do Estado do Amazonas.

Enquanto instrumento internacional de proteção aos povos indígenas, o Brasil é signatário da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, adotada em Genebra em 27 de junho de 1989, e ratificada pelo país em maio de 2002. Nela, os governos deverão assumir, com a participação dos povos interessados, a responsabilidade de desenvolver ações para proteger os direitos desses povos e de garantir o respeito à sua integridade. Deverão ser adotadas medidas especiais para salvaguardar as pessoas, as instituições, seus bens, seu trabalho, sua cultura e meio ambiente. Os povos indígenas têm o direito, se assim o quiserem, de terem a educação em todos os níveis, pelo menos em condições de igualdade com o restante da comunidade nacional e os governos deverão adotar medidas para garanti-las, conforme prevê o artigo 26 da Convenção.

Assim, a legislação nacional e internacional para os povos indígenas garante que a Educação Escolar Indígena deve se constituir num espaço de construção de relações interétnicas orientadas para a manutenção da pluralidade cultural, pelo reconhecimento de diferentes concepções pedagógicas e pela afirmação dos povos indígenas como sujeitos de direitos.

Fonte: Por Cimi e Cáritas de Tefé (AM)
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