23/03/2018

II Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena termina com a sensação de que “a política está patinando”

Apesar da inércia do Estado, a participação efetiva dos povos indígenas demonstra a disposição em construir uma educação escolar que rompa com as marcas do sistema colonial

II Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena, em Brasília. Foto da página da II Coneei

II Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena, em Brasília. Foto: II Coneei

Por Clovis Brighenti, do Cimi regional Sul

Terminou nessa quinta-feira, 22 de março, a II Conferencia Nacional de Educação Escolar Indígena (CONEEI), que ocorreu em Brasília (DF) com o tema “O sistema nacional de Educação Escolar Indígena: regime de colaboração participação e autonomia dos povos indígenas”. O evento contou com presença de pelo menos 600 delegados – entre indígenas, gestores, apoiadores – e mais de 90 convidados e observadores, além de toda a equipe de infraestrutura. Foram três dias de intensos debates, oscilando entre otimismos com o futuro da educação e pessimismo pelo contexto atual de corte de verbas e imposição de limites e regras pelo governo federal.

A II Conferência teve início em 2016, com as conferências locais e regionais culminando com a conferência nacional, que deveria ter ocorrido em dezembro de 2017, porém por questões organizativas e burocráticas do ministério da Educação (MEC) e mudanças estruturais foi transferida para março de 2018.

Essa segunda conferência teve como objetivo avaliar os avanços, impasses e desafios da educação escola indígena (EEI); construir propostas para consolidar a política nacional de educação escolar indígena; reafirmar o direito à educação específica e diferenciada e ampliar o diálogo do regime de colaboração.

A II Conferência foi uma conquista do movimento indígena, uma vez que a I Conferência ocorreu em 2009 e desde então não havia mais sido realizado evento dessa natureza. Mesmo com o entendimento de que não haveria avanços significativos, o movimento indígena entendeu que já era ora de se reunir e debater sobre os rumos da educação escolar, enfrentar os desafios e propor novas diretrizes.

A melancolia de não ter recursos financeiros e humanos para sua concretização esconde a falta de vontade política do governo brasileiro em promover uma educação diferenciada

Contexto de pessimismo

De fato, não houve avanços significativos. A sensação de que a política de educação está dando voltas sem avançar é quase unânime entre os participantes. A não concretização dos Territórios Étnico Educacionais aprovados no decorrer da I CONEEI é sintomática do não avanço. Foram anunciados com pompa, dividiram o momento indígena, mas eram esperados como um novo momento para a educação, superando os limites das barreiras de estados e municípios, porém a melancolia de não ter recursos financeiros e humanos para sua concretização esconde a falta de vontade política do governo brasileiro em promover uma educação diferenciada.

Da mesma forma que a proposta de criação de um Sistema Próprio para a educação escolar indígena, aprovada na última conferência, não saiu do papel. O argumento para não criação do sistema próprio foi o desencanto com a gestão do sistema de saúde, que não tem cumprido com as expectativas do movimento indígena e segue rumos não condizente com as diretrizes estabelecidas.

II Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena, em Brasília. Foto: II Coneei

II Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena, em Brasília. Foto: II Coneei

Outro elemento importante, que deve ser considerado, foram as mudanças na gestão do Brasil. Desde a aprovação da realização da conferência em 2014 (Portaria MEC nº 421), ocorreram muitas alteração na conformação da política brasileira e no próprio Ministério da Educação. Em 2015, com o golpe que depôs a presidente Dilma Rousseff, houve mudanças bruscas na condução da política nacional de Educação Escolar Indígena. Se no governo Dilma houve vários retrocessos, com o governo golpista de Temer a situação piorou. Os vários programas criados no âmbito da SECADI, como Prolind, Saberes Indígenas na Escola foram paralisados por cortes de verbas. Nenhum curso de Licenciatura Intercultural foi criado, os existentes mal conseguem sobreviver e a própria Secretaria ficou reduzida em pessoal e funções. Por diversos momentos a II CONEEI esteve por não ocorrer.

Como o papel aceita, vão sendo criadas e aprimoradas propostas de ações, programas e políticas, mas na prática tudo segue como era antes, e em alguns locais fica pior.

Caso metas e cronogramas acordados não sejam cumpridos, os indígenas anunciaram “retomadas pedagógicas”, a exemplo do que ocorre com as terras, ou seja, não mais esperar pelo governo, mas radicalizar as ações

Reafirmando a necessidade de um sistema próprio

Mesmo no clima de pessimismo, foi por unanimidade a indicação da necessidade de garantir e manter a educação escolar indígena específica e diferenciado, com autonomia de gestão pelas comunidades indígenas.  Novamente se destacou a necessidade de criar um sistema próprio, que contemple as particularidades dos contextos sócio-culturais e econômicos dos povos indígenas. Para isso é fundamental que sejam concretizados os Territórios Étnico Educacionais, que seja criado um Fundo especial para financiar a educação escolar indígena.

Outro aspecto bastante enfatizado pela conferência é o controle social, a efetivação de espaços como núcleos de educação escolar, conselhos, fóruns com a efetiva participação indígena. Espaços já previstos em lei e já existentes na maioria dos estados e municípios mas que efetivamente não funcional.

O movimento indígena, particularmente os Fóruns de professores indígenas, surgidos no intervalo das conferências, são sinais de possibilidades de mudanças. Decidiram pedir uma audiência com o Ministro da Educação para estabelecer cronogramas e metas para implementação das propostas aprovadas. Caso isso não ocorra, anunciaram “retomadas pedagógicas”, a exemplo do que ocorre com as terras, ou seja, não mais esperar pelo governo, mas radicalizar as ações.

Talvez o saldo mais positivo da conferência foi a participação efetiva dos povos indígenas, demonstrando a necessidade e vontade de construir uma nova educação escolar que rompa definitivamente com as marcas do sistema colonial. As 25 propostas aprovadas na II CONEEI aprovadas significam a reafirmação da vontade das comunidades e movimento indígena e a inércia do Estado brasileiro em cumprir com os acordos estabelecidos.

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