07/03/2018

Estado brasileiro defende políticas da ditadura que causaram genocídio do povo Waimiri Atroari, afirma MPF

Em resposta às contestações da União e da Fundação Nacional do Índio (Funai), o MPF rebateu todas as teses apresentadas pelos réus e reforçou o pedido de condenação feitos na ação para obrigá-los a adotar medidas de reparação e pagamento de indenização aos Waimiri Atroari.

Por ASCOM PGR/AM

O Ministério Público Federal (MPF) acusou a União de sustentar as mesmas teses de defesa do desenvolvimento nacional a qualquer custo, utilizadas para justificar violações de direitos humanos ocorridos durante a ditadura militar, na manifestação apresentada em ação civil pública que busca responsabilizar o Estado brasileiro pelo genocídio do povo Waimiri Atroari quando da construção da BR-174 (que liga Manaus a Boa Vista).

Em resposta às contestações da União e da Fundação Nacional do Índio (Funai), o MPF rebateu todas as teses apresentadas pelos réus e reforçou o pedido de condenação feitos na ação para obrigá-los a adotar medidas de reparação e pagamento de indenização aos waimiri atroari. Para o órgão, tanto a União como a Funai não apresentaram nenhuma negação dos fatos e concentraram suas contestações na defesa da atuação estatal à época em, razão do interesse nacional na construção da rodovia.

o posicionamento da União coincide com a posição estatal que se busca contestar na presente ação, fruto de um posicionamento que busca subjugar os interesses indígenas a projetos estatais, tratando-os como cidadãos de segunda classe

À Justiça, a União e a Funai sustentam haver, à época, um interesse nacional de desenvolvimento na realização da obra. O MPF avalia que o tema deve ser analisado de forma mais profunda. “A questão é mais complexa do que a mera colocação de um interesse público acima de qualquer outro parece sugerir. Não obstante, o posicionamento da União coincide com a posição estatal que se busca contestar na presente ação, fruto de um posicionamento que busca subjugar os interesses indígenas a projetos estatais, tratando-os como cidadãos de segunda classe, uma herança do regime tutelar que segue presente na rotina da Administração Pública federal e nas peças processuais de seus órgãos de representação judicial”, afirma um trecho da réplica.

No documento apresentado à Justiça, o MPF aponta que a peça da União reconhece a existência do trabalho da Comissão Nacional da Verdade, apesar de tentar justificar as violações com base no interesse soberano do Estado. “Existe, no caso, uma curiosa contradição: a União defende os trabalhos da Comissão da Verdade, cujo relatório contém conclusões que coincidem com boa parte da narrativa apresentada na petição inicial, porém sustenta que a adoção das recomendações nela contida estaria sujeita a um crivo discricionário do Poder Executivo que não seria passível de qualquer controle”, destaca outro trecho da réplica.

Segundo o MPF, o raciocínio adotado na defesa dos órgãos processados é inadequado, uma vez que os fatos relatados pela Comissão Nacional da Verdade compreendem diversas violações de direitos humanos, em relação as quais é fundamental ir além da mera revelação, para garantir as medidas de justiça e responsabilização necessárias.

“Esses projetos são tratados como ‘interesse nacional’ e os índios são vistos como obstáculo”

Para o coordenador do Grupo de Trabalho Povos Indígenas e Regime Militar do MPF, Julio José Araujo Junior, a manifestação da União demonstra que o Estado brasileiro segue pensando nos povos indígenas como grupos subalternos, que devem se submeter aos projetos decididos pelo Estado. “Esses projetos são tratados como ‘interesse nacional’ e os índios são vistos como obstáculo. O curioso é ver o discurso se repetir mesmo diante de farta comprovação de um genocídio que matou milhares de indígenas”, afirma.

Em janeiro desse ano, a Justiça Federal no Amazonas reconheceu, nessa mesma ação, violações praticadas contra o povo Waimiri Atroari durante a construção da rodovia BR-174 e determinou que empreendimentos capazes de causar grande impacto na terra indígena não podem ser realizados sem que haja consentimento prévio dos waimiri atroari. Para exemplificar os riscos desse tipo de conduta, o MPF cito na ação o episódio ocorrido durante a execução da Operação Ágata 4, em 2012, quando militares da Marinha adotaram postura ofensiva em relação aos índios ao aproximarem-se da terra indígena. O caso foi apresentado à Justiça pelo órgão e resultou na condenação da União pela postura inadequada dos militares.

Além da proibição dos empreendimentos na terra indígena sem consentimento do povo Waimiri Atroari, a Justiça Federal determinou que a União e a Fundação Nacional do Índio (Funai) assegurem a proteção dos locais sagrados que serão designados pelo próprio povo indígena em audiência designada para março deste ano.

A ação civil pública segue tramitando na 3ª Vara Federal do Amazonas, sob o número 1001605-06.2017.4.01.3200.

Para os Kinja, a determinação referente à necessidade de consentimento do povo indígena para a realização de empreendimentos que causem impacto na terra indígena é fundamental, já que existem atualmente tentativas de utilização de seu território sem a adoção de consulta prévia ou mediante um procedimento meramente homologatório. Um exemplo apontado pelo MPF na ação é o projeto de construção de linha de transmissão cujo traçado cruza o território waimiri atroari no trecho onde se situa a rodovia. A nulidade do edital do leilão que previu a linha é objeto de contestação judicial em razão da falta de consulta prévia, livre e informada e da não consideração de alternativas locacionais.

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