Professor Tapirapé assassinado revela início de ano violento aos povos indígenas
Janeiro chega ao fim com dois professores indígenas assassinados – na virada do ano, Marcondes Namblá Xokleng, em Santa Catarina, e cerca de quinze dias depois Daniel Kabixana Tapirapé
“Se alguém conhece ou viu Daniel Kabixana, família dele muito desesperada procurando por ele, três dias sem dar notícia”, dizia a mensagem, em uma rede social, de um parente do professor Tapirapé encontrado morto a pedradas nesta segunda-feira, 29, no município de Confresa, distante 1.160 km de Cuiabá (MT).
Este é o segundo indígena assassinado nos primeiros 30 dias de 2018, entre as demais violências registradas.
Janeiro chega ao fim com dois professores indígenas assassinados – na virada do ano, Marcondes Namblá Xokleng, em Santa Catarina, e cerca de quinze dias depois, Daniel Kabixana Tapirapé. Além destas duas mortes, no dia 21 de janeiro Raimundo Saw Munduruku levou um tiro na perna em Itaituba (PA). Em Rondônia, no dia 30 de janeiro, uma aldeia foi invadida e incendiada. Apesar do costumeiro noticiário envolvendo episódios como estes, Brasil afora, para os Tapirapé se tratou de algo relativamente novo.
Não há registros de crimes praticados por não indígenas contra o povo na história recente, o que assustou as aldeias. Mudanças sociais provocadas pelo fluxo da soja em Confresa (leia mais abaixo) e a discriminação racial são apontadas pelos indígenas e seus aliados como vetores da violência inédita para as gerações mais recentes, as quais o próprio Kabixana, de 37 anos, pertencia. “É muito triste que meu primo foi espancado de pedra por três pessoas não índio (SIC)”, diz uma Tapirapé.
Revolta: povo faz manifestação
Durante os 12 dias de desaparecimento de Daniel Kabixana, as aldeias da Área Indígena Tapirapé/Karajá e da Terra Indígena Urubu Branco se mobilizaram em sua busca, mas foram os próprios assassinos, dois homens e um adolescente, detidos no domingo, que levaram a polícia ao local onde corpo foi abandonado.
Uma irmã do Tapirapé, durante as noites de vigília, sonhou que ele estava perto de um ribeirão. “Por coincidência, esse ribeirão passa perto do local onde o corpo foi encontrado”, conta Eunice Dias de Paula, missionária do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) que vive junto aos Tapirapé.
Daniel Kabixana foi enterrado na aldeia Hawalora, onde fica a escola em que lecionava matemática, na Área Indígena Tapirapé/Karajá, às margens do Rio Araguaia. Ele deixa esposa, Fabíola Maremoyo, também professora, e quatro filhas. O Tapirapé era formado em Ciência da Natureza e Matemática pela Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat).
“O fato dele ter sido morto a pedradas causa mais revolta ainda. Um Tapirapé disse: não se mata assim nem cachorro. Estão muito tristes e revoltados! É a primeira vez que acontece algo assim com um Tapirapé”, diz a missionária. Nesta terça-feira, 30, os Tapirapé e os Karajá realizaram uma manifestação em Confresa e em Porto Alegre do Norte.
Na cidade de Confresa, cerca de 50 indígenas cercaram o prédio da Polícia Civil e conforme a imprensa regional noticiou, “lideranças indígenas vasculharam o prédio na polícia na tentativa de localizar os suspeitos, os índios queriam levar os presos acusados do caso para aldeia onde faria justiça de acordo com a cultura deles (SIC)”.
Em depoimento à polícia, os assassinos declararam que viram Daniel Kabixana em um bar e decidiram roubá-lo. Levaram R$ 20,00 e a moto do indígena, abandonada cerca de 1 km distante do lugar em que o corpo foi encontrado. A esposa do professor confirmou a versão: em contato telefônico, o marido a informou que estava num bar assistindo a um jogo de futebol e logo iria para casa. Os três indivíduos seguem presos e serão acusados de latrocínio.
Crime como consequência
Entre 2015 e 2016, a BR-158, no trecho que atravessa a cidade de Confresa, foi asfaltada. A rodovia, desde então, passou a ser rota de escoamento de toda a soja do Mato Grosso com destino ao Porto de Itaqui, no Maranhão. “Dormem na cidade de 80 a 100 carretas, esperando vaga para o descarregamento no porto”, explica a missionária do Cimi.
Uma explosão de bares, drogas, exploração sexual e o aumento da violência passaram a fazer parte da rotina da população indígena e não indígena. São inúmeras dissociações que afetam a vida nas aldeias e as relações dos Tapirapé e Karajá com a sociedade que os envolve. A cidade construída por colonizadores sulistas “sofre com uma segunda colonização”, impulsionada por uma monocultivo que apenas passa por ali e deixa um rastro de problemáticas antes de atravessar o oceano.
Os episódios diários se entrelaçam com algo presente nas cidades instaladas nas proximidades das terras indígenas: o racismo e a discriminação da população não índia contra os índios. “Principalmente contra os professores e agentes de saúde que recebem salários e vão à cidade bem arrumados e fazem compras”, afirma a missionária.
Conforme declaração de indígenas, há uma mentira disseminada na região de que basta nascer índio para receber do governo um salário mínimo. “Recebe salário na aldeia quem é professor, agente de saúde, quem presta serviço ao Estado”, dizem. Ouvem constantemente que no lugar de receberem esse “dinheiro fácil”, deveriam trabalhar. Roubá-los, portanto, seria quase como um ato de justiça.
A tal percepção se associa a questão da terra. “Houve muita reação dos políticos locais contra a vinda dos Tapirapé para o Urubu Branco em 1993/1994. Caravana de prefeitos e vereadores foram à Brasília para se manifestarem contra a demarcação da TI Urubu Branco”, lembra a missionária do Cimi.
Tanto a Área Indígena Tapirapé/Karajá quanto a TI Urubu Branco, demarcadas e homologadas nas décadas de 1980 e 1990, são acossadas por invasores; a primeira costuma receber a “visita” indesejada de pescadores, a segunda precisou ser recuperada pelos indígenas em 1993, onde hoje há sete aldeias, mas segue com invasores fixos – fazendeiros de gado e madeireiros.
Por conta das obras da BR-158, foi feito um plano de mitigação dos impactos na TI Urubu Branco. “Nenhuma das ações reivindicadas pelos Tapirapé não foi até hoje atendida”, explicam lideranças do povo. “Um dos pontos é a desintrusão total da terra, que foi homologada em 1998. Ninguém saiu, seguem derrubando a floresta e fazendo pasto”, escreve um parente de Daniel Kabixaba.
Os indígenas pediram, ainda, conforme laudo da empresa contratada pelo governo federal, a Ecoplan, a modificação do trajeto de uma estrada estadual, que passa dentro da TI, e a abertura de uma estrada, por dentro do território, para a área norte, onde se concentram os criadores de gado e madeireiros – o que facilitaria a fiscalização e combate aos invasores.