Agroecologia e a resistência das economias indígenas
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) trouxe para o debate no Curso de Formação Permanente desse ano uma das dimensões fundamentais na vida da instituição nos seus 45 anos de existência: a sustentabilidade e soberania alimentar dos povos indígenas em seus territórios.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) trouxe para o debate no Curso de Formação Permanente desse ano uma das dimensões fundamentais na vida da instituição nos seus 45 anos de existência: a sustentabilidade e soberania alimentar dos povos indígenas em seus territórios. O curso aconteceu de 11 a 21 de janeiro no Centro de Formação Vicente Cañas (CFVC), em Luziânia, GO.
Debates e trocas de saberes partiram da constatação de que a agroecologia é uma das grandes forças dos povos indígenas. Encontra-se, assim, a importância de aprofundar a temática em uma realidade de enfrentamento as violências do agronegócio. É urgente construir estratégias de apoio para as continuidades indígenas que valorizem suas práticas de autonomia alimentar e autodeterminação dos povos.
O avanço violento do agronegócio sobre os territórios indígenas e os recursos naturais neles existentes remonta na atual conjuntura a tese dos governos da Ditadura Civil Militar: um Brasil sem índios, com a total liberação dos territórios indígenas para o latifúndio. Porém, a resistência e união dos povos nativos continua não apenas a reverter esse processo, mas possibilitar, ao revés, um extraordinário crescimento populacional, organizados e participantes da luta dos movimentos sociais para a construção de um novo projeto para o país. Ainda, o reconhecimento de mais de 300 povos indígenas e quase um milhão de pessoas, reivindicando um país plural, socialmente justo, em que o mais importante é o bem viver de seus povos.
Nos últimos anos os povos indígenas, bem como os pobres do campo e as populações e povos tradicionais, mantiveram permanente enfrentamento com o regime desenvolvimentista imposto e contrário aos direitos constitucionais. Em outubro deste ano iremos “celebrar” 30 anos de existência da Carta Magna. Serão também 25 anos de descumprimento da Constituição, particularmente da determinação para que o Estado brasileiro demarcasse todas as terras indígenas até 1993.
Vergonhoso não é apenas a falta de demarcação de aproximadamente a metade das terras indígenas. É também a ineficiência governamental em garantir a segurança das Terras Indígenas demarcadas. Muitas são as realidades que sofrem com invasões, loteamentos, pressões ferozes e permanente do agronegócio, das madeireiras, mineradoras e setores militares.
Diante a ineficácia das políticas públicas diferenciadas, que promovam o Bem Viver, é a permanente mobilização dos povos indígenas que instaura resistência e impede a retirada de seus direitos. Organizados em processos de alianças que ocorrem desde as realidades e das lutas nas aldeias até os encontros com personalidades mundiais, é que a resistência dos povos se gesta. Temos como exemplo o recente encontro com o Papa Francisco, em Puerto Maldonado e a participação expressiva no Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base, que está se realizando em Londrina (PR).
Em conjuntura marcada por avanços anti-indigenas, como Parecer da Advocacia Geral da União, tese do Marco Temporal, de 33 proposições que ameaçam os direitos indígenas, pensar a agroecologia como instrumento para a soberania alimentar dos povos é uma faísca de esperança que fagulha. Os sistemas agroecológicos, agroflorestais e economias indígenas são importantes armas nesse enfrentamento contra os interesses anti-indígenas. Para isso, será preciso muita união e sabedoria, disposição e persistência.
A formação
O encontro de formação para missionários e missionárias do Cimi foi conduzido por José Zárate, engenheiro agrônomo que atua na La Cosmopolitana, organização da Colômbia. Zárate procurou desenvolver o conhecimento através de experimentos, visitas, questionamentos, debates e exemplos práticos. A partilha de saber nos ajudou na construção de linhas de ação políticas e práticas para a implementação de sistemas agroecológicos e agroflorestais na atuação junto aos povos indígenas.
José insistiu na importância de se ter um plano de vida, individual e comunitário, que ajude a avançar na intenção de consolidar um sistema agroecológico. Ficaram evidentes questões pontuais que devem ser o pontapé para a consolidação do projeto comunitário, como a necessidade de intercâmbio de sementes. É preciso superar o modelo de produção capitalista, já obsoleto. Os povos indígenas podem nos ensinar!
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