06/12/2017

Liminar suspende portaria do Ministério da Justiça que reduzia reserva Guarani em São Paulo

A norma do governo federal, assinada pelo ministro Torquato Jardim em agosto, é alvo de uma ação civil pública do MPF por desrespeitar o ordenamento jurídico brasileiro

Protesto dos Guarani em São Paulo. Crédito da foto: Didier Lavialle/Acervo Comissão Guarani Yvyrupa

Protesto dos Guarani em São Paulo. Crédito da foto: Didier Lavialle/Acervo Comissão Guarani Yvyrupa

do MPF/SP

A pedido do Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal em São Paulo suspendeu a vigência da Portaria nº 683/2017, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que reduzia a extensão da Terra Indígena Jaraguá, localizada na zona norte da capital paulista. A norma do governo federal, assinada pelo ministro Torquato Jardim em agosto, é alvo de uma ação civil pública do MPF por desrespeitar o ordenamento jurídico brasileiro. Com a liminar concedida, a reserva Guarani volta a ter 512 hectares.

O texto suspenso anulava outra portaria do próprio Ministério da Justiça, a de nº 581/2015. Na época, o então ministro José Eduardo Cardozo reconhecia a posse permanente dos Guaranis na área correspondente à ocupação tradicional e histórica do grupo na região. Dois anos depois, a revogação dessa norma havia tornado novamente vigente a extensão definida na primeira demarcação do território, em 1987, equivalente a apenas 1,7 hectare.

A 7ª Vara Cível Federal de São Paulo reconheceu indícios de que o Ministério da Justiça contrariou a Lei nº 9.784/99 e decisões de tribunais superiores ao anular a portaria de 2015 sem prévia consulta aos envolvidos na demarcação. “Ora, houve aparente violação ao devido processo legal na medida em que o povo Guarani, beneficiário do ato anulado, bem como a Funai e a AGU sequer foram ouvidos”, diz trecho da liminar que acolheu os argumentos do MPF.

Direito

Aos indígenas, o direito de manifestação em casos como este é assegurado ainda pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário. O país já foi alvo de sanções por desrespeitar a norma. Em 2011, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos impôs medidas cautelares ao Estado brasileiro por não ter havido prévia consulta às comunidades que habitavam a bacia do Rio Xingu, região diretamente afetada pela construção da usina de Belo Monte.

“O reconhecimento da importância do tema pelo Poder Judiciário, em sede de tutela de urgência, sinaliza a valorização da cultura indígena e da tradicionalidade de sua ocupação, apontando para uma efetiva proteção dos direitos constitucionalmente protegidos”, afirmou a procuradora da República Suzana Fairbanks Oliveira Schnitzlein, uma das autoras da ação.

Nota Técnica

A suspensão dos efeitos da Portaria nº 683/2017, do Ministério da Justiça, que anulou a demarcação da terra indígena Jaraguá, foi defendida pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6ªCCR/MPF). No entendimento da 6ªCCR/MPF, a portaria coloca em risco a estrutura social do índios Guarani que vivem naquela região. A defesa da manutenção da demarcação da terra foi feita em nota técnica divulgada em 22 de novembro.

No documento também são questionadas as alegações apresentadas para anular os efeitos da Portaria 581/2015, que reconheceu a área como pertencente aos índios Guarani. Um dos argumentos centrais para a anulação foi a sobreposição da área indígena ao Parque Estadual do Jaraguá, Unidade de Conservação (UC) que pertence ao estado de São Paulo, o que, segundo o MPF não se sustenta, já que a Constituição inclui as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios ao rol de bens da União e declara extintos quaisquer títulos sobre elas.

Sendo assim, a existência de UC não impede a demarcação, conforme entendimento admitido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de que não há incompatibilidade de terras indígenas com outras áreas protegidas. Para o MPF, a dupla afetação da terra é possível, desde que não haja restrição do usufruto dos índios sobre ela pois, nesses casos, não há conflito, mas simbiose. “Assim, a regra é que as terras indígenas e as unidades de conservação sejam perfeitamente compatíveis, afinal as áreas mais preservadas são justamente as que os índios e outras comunidades tradicionais ocupam e protegem”, diz o texto.

Segundo o MPF, as terras indígenas são bens inalienáveis da União e, por isso, possuem regime jurídico próprio. Ao não defender sua propriedade o governo federal viola esse regime, que implica na renúncia de bem público em prejuízo aos princípios da indisponibilidade e supremacia do interesse público. Ao refutar o argumento do Ministério da Justiça sobre o direito da administração pública de anular seus atos, a nota técnica da 6ªCCR indica que tal ação não pode ser aplicada aos direitos originários dos índios, por se tratarem de direito fundamental previsto pela Constituição.

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