20/11/2017

Povos Akroá-Gamella, Tremembé e Krenyê entram na 3ª semana de ocupação na Funai, em São Luís (MA)

Os povos reivindicam demandas ainda não contempladas – ou pelo menos não atendidas integralmente. A situação mais emblemática envolve o Núcleo de Direitos Sociais e Cidadania

Anciã Akroá-Gamella na ocupação à sede da Funai, em São Luís (MA). Crédito: Renato Santana/Cimi

Anciã Akroá-Gamella na ocupação à sede da Funai, em São Luís (MA). Crédito: Renato Santana/Cimi

Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

Entrou na terceira semana a ocupação dos povos Akroá-Gamella, Tremembé e Krenyê à sede da Fundação Nacional do Índio (Funai), em São Luís (MA). Embora a portaria de criação do Grupo de Trabalho (GT) de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Akroá-Gamella tenha sido publicada na última quinta-feira, 16, os povos reivindicam demandas ainda não contempladas – ou pelo menos não atendidas integralmente.

A situação mais emblemática envolve o Núcleo de Direitos Sociais e Cidadania para atender as aldeias do norte do Maranhão. O presidente da Funai, general Franklimberg Ribeiro de Freitas, determina na minuta de portaria a implementação do Núcleo submetido ao Serviço de Promoção dos Direitos Sociais e Cidadania (Sedisc) da Coordenação Regional do Maranhão. Para o movimento indígena, se trata da criação de “um núcleo dentro de um núcleo, sem autonomia”. As negociações seguem junto à Funai.

“Também a portaria amplia demais a atuação, quando não diz quais povos irá atender, e não confere autonomia para a gestão na medida em que não está ligada diretamente à Coordenação”, explica Kum’tum Akroá-Gamella. Os servidores destacados para o Núcleo estão lotados na Frente de Proteção Etnoambiental Awá, cuja sede fica em São Luís. Sem a determinação de quais povos serão contemplados, os indígenas defendem que o orçamento e planejamento ficam comprometidos.

Para os Akroá-Gamella e Tremembé é preciso determinar que estes serão os povos jurisdicionados no raio de ação do Núcleo, além de ligado operativamente à Coordenação Regional, sem intermediários, para receber dotação orçamentária própria e empenho em projetos prioritários às aldeias. “Não adianta criar apenas para aparentemente resolver a questão e depois o Núcleo não conseguir atender. Então reivindicamos que a portaria seja refeita. Esperamos que durante essa semana avance, estamos em conversas”, afirma Rosa Tremembé.

O que está em jogo na publicação da portaria, conforme Kaw Akroá-Gamella, é que não sublinhar os povos Tremembé e Akroá-Gamella como alvos da futura portaria poderá servir como desculpa para a própria Funai não atender as demandas. O indígena destaca que muitas vezes em Brasília não chega o que acontece nas regiões. “A Coordenação Regional tem nos negado documentos alegando que não temos terra identificada. Existe muito desconhecimento sobre a gente, de nos negar a identidade. Até registro de nascimento vira briga na Justiça”, diz. Perícias, atestados e documentos para a obtenção de benefícios estão entre as demandas represadas nas mesas da Coordenação Regional, sediada no município de Imperatriz.

Declaração de Atividade Rural

Durante esses 15 dias de mobilização, os indígenas denunciaram as dificuldades que enfrentam para que a coordenadora Regional da Funai, Eliane Araújo, assine documentos fundamentais para a obtenção de direitos sociais. Um dos exemplos é a Declaração de Atividade Rural, que a Funai emite para o acesso dos indígenas a benefícios sociais como trabalhadores rurais. Kum’tum Akroá-Gamella afirma que no caso do povo, a coordenadora alega que só assinará após o fim dos estudos do GT – previstos para o primeiro semestre de 2018. “Quem não tem terra demarcada então não tem acesso”, denuncia.

A assessora jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Maranhão, Viviane Vazzi Pedro, explica que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) estabeleceu em portaria que a Funai deve emitir uma declaração aos indígenas que desejam o acesso a tal benefício. “O que acontece é que no caso Akroá-Gamella a Procuradoria da Funai deveria argumentar judicialmente com o INSS sobre o direito de autodeclaração, conforme a Constituição Federal e a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho)”, explica. Tem ocorrido exatamente o contrário.

Aos indígenas a coordenadora Regional diz receber orientações da Procuradoria para não assinar as declarações. “O argumento dos procuradores é que justamente pelo direito à autodeclaração a Funai não pode assinar, mas não se mobilizam para judicialmente fazer com que o INSS entenda isso”, afirma. Para a advogada indigenista, “o direito à autodeclaração” deveria resolver a questão, mas como não há uma pactuação entre os órgãos federais, tampouco o interesse da Funai de buscar um entendimento judicial com o INSS, “assinar tais declarações é um ato de dizer que os Akroá-Gamella são índios, o que o Estado tem se recusado a fazer”.

De modo que, diante de tal desarranjo, os indígenas se sentem desconfiados quanto à Funai no Maranhão. “Tememos continuar sem conseguir as declarações, sobretudo a de Atividade Rural. Se na portaria de criação do Núcleo estiver os nomes dos povos, como a Funai vai negar algo que ela regulamenta? Mas as atribuições também não podem se restringir à promoção social. Precisa ser um núcleo de articulação, apoio. Não só documento de benefício previdenciário”, afirma Kum’tum. Nesse sentido, já há entendimento consensuado com o presidente da Funai sobre a necessidade de ser um órgão com capacidade política de organizar as reivindicações.

Atender tais pontos, conforme os indígenas, envolve criar mais um instrumento na luta pelo acesso aos direitos sociais e de mobilização política dentro do Estado, incluindo a questão fundiária. Justamente pela importância deste Núcleo, os indígenas se negam a deixar a sede da Funai sem a portaria estar de acordo com as necessidades das aldeias. “Acreditamos que a Coordenação Regional faça essa leitura de um modo negativo, vendo mais como uma forma de pressão contra a gestão. A Funai não pode se negar a construir canais de controle social”, define Kum’tum Akroá-Gamella.

Histórico

Um grupo de 100 indígenas dos povos Akroá-Gamella, Krenyê, Tremembé da Raposa e Gavião ocuparam na madrugada de segunda-feira, 6, a sede da Funai em São Luís, capital do Maranhão. A pauta estava dividida entre demandas fundiárias e sociais. Na terça-feira, 7, sem quaisquer respostas do órgão indigenista, a mobilização trancou os portões do complexo de escritórios que além da Funai abriga as sedes do Incra e da Embrapa. O protesto ocorreu até o final do expediente, neste dia.

Na quarta-feira, 8, o presidente da Funai, em contato telefônico, informou aos indígenas que a coordenadora Regional do órgão no Maranhão, Eliane Araújo, se reuniria com eles para informar que o GT Akroá-Gamella seria publicado, entre outras providências. Sem consenso quanto ao levado pela coordenadora, os indígenas fizeram uma série de solicitações para o encaminhamento do acordo. No dia seguinte, à tarde, uma nova reunião foi realizada e a criação do GT Akroá-Gamella ficou definida. O Núcleo também ficou encaminhado, mas sem maiores detalhes.

As demais demandas acabaram movimentadas no interior da Funai – o que gerou frustração, sobretudo entre os Krenyê e os Tremembé, mas indicou, conforme os indígenas, que o caminho seguirá sendo o da mobilização. “Da nossa parte então decidimos ficar porque só vamos ficar completamente satisfeitos com o GT publicado. Precisa estar nas nossas mãos. Foram muitas palavras não cumpridas”, destacou Mandioca Akroá-Gamella.

As demais pautas

De acordo com decisão judicial, o órgão indigenista está obrigado a adquirir uma terra ao povo Krenyê, que hoje vive sobre um hectare, no município de Barra do Corda, passando por severas privações de água e alimentação. A área escolhida foi periciada e o proprietário está de acordo em vendê-la. Todavia, a Funai não realizou a compra e o presidente afirmou que não há recursos para efetivar a transação – o custo seria de 14 milhões. Tampouco houve um indicativo se no orçamento de 2018 entrará a despesa.

Sobre o fornecimento de cestas básicas aos Krenyê, que também conta com determinação da Justiça Federal desde 2012, a Funai alegou que o Ministério do Desenvolvimento Social sofreu cortes de verbas pela atual gestão do governo federal e está inviabilizada de fazer os envios. Todavia, informou que as tratativas seguem em curso, mas sem estabelecer nenhum prazo para a regularização da chegada das cestas ao povo que não consegue plantar por falta de água e, sobretudo por não ter terra.

O órgão indigenista se comprometeu a abrir o processo administrativo para a regularização fundiária do povo Tremembé da Raposa. O município onde estão alojados estes indígenas, Raposa, fica na Ilha de São Luís. Os Tremembé, de acordo com documentos históricos que datam do período da colonização, sempre tiveram o costume de circular pelas terras do Maranhão a partir Ceará, da região de Almofala, onde há uma terra indígena do povo. Um dos núcleos familiares Tremembé se instalou de forma definitiva em Raposa pouco antes da década de 1950. 

Por essa razão, o número de indígenas em Raposa cresceu e hoje não é estipulado porque o receio de se assumir Tremembé pode colocá-los como vítimas de preconceito. “Mas nos organizamos e hoje lutamos por um território. Crescemos na cultura e queremos seguir com ela, a praticando sobre um chão sagrado. Desde 2003 estamos nessa luta. Em 2014 tivemos um reconhecimento enquanto povo e agora queremos avançar mais”, explica Rosa Tremembé. A Funai afirma que tomará providências para a realização da qualificação de demanda e, em seguida, iniciará o processo de identificação.

Como grandes empreendimentos estatais e privados têm acossado terras indígenas no Maranhão, um outro ponto da pauta é o direito de consulta, expresso no artigo 6º da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). No caso Akroá-Gamella, por exemplo, a Eletronorte pretende passar linhões de energia sobre o território do povo. A Funai, por sua vez, garantiu que apoia o direito de consulta e fará gestão nesse sentido junto ao Estado brasileiro.

Fonte: Ascom/Cimi
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