27/11/2017

Mato Grosso do Sul e a banalização da violência

As informações que chegam de Dourados (MS) é de que na última semana quatro indígenas morreram por distintas causas: atropelamento, assassinato, suicídio. É difícil conseguir informações mais apuradas devido à banalização da violência

Guarani e Kaiowá em manifestação em Brasília. Fotos: Laila Mendes e Egon Heck/Cimi

Guarani e Kaiowá em manifestação em Brasília. Fotos: Laila Mendes e Egon Heck/Cimi

As informações que chegam de Dourados (MS)  é de que na última semana quatro indígenas foram mortos. As causas são distintas: atropelamento, conflito, suicídio. São difíceis de conseguir informações mais apuradas devido a banalização da violência. O Mato Grosso do Sul é um dos estados que mais mata indígenas. Em 2016 foram 11 assassinatos, 16 casos de tentativa de assassinato, 4 casos de homicídio, 7 casos de suicídio e 30 óbitos de crianças menores de cinco anos. São vidas ceifadas e que gritam sobre o emaranhado e a intensidade dos conflitos experimentados pelos indígenas deste estado.

Enquanto os números comprovam as vidas que tombaram, algumas dúzias de fazendeiros manifestam no centro da cidade. O motivo da manifestação é a prisão de cinco de seus “companheiros” que foram detidos e presos por envolvimento no massacre de Caarapó que culminou na morte de Clodiodi de Souza, além de sete indígenas feridos.

Ao visitar as comunidades Guarani Kaiowá da região do massacre, local onde os indígenas retomaram oito terras tradicionais nos últimos três anos, é nítido o clima de guerra. As duas ordens de despejos que pesam sobre as comunidades fazem permanecer o angustiante estado de sobressalto.  “Não vamos entregar um palmo dessas terras que são nossas”, afirma uma das lideranças. A situação é de tensão e apreensão. “Estamos acostumados a ter que enfrentar os inimigos e as decisões judiciais quando se aproxima o final de ano” comentou um dos caciques. Segundo informações oficiais, recentemente houve movimentação em 20 processos envolvendo a questão indígena na região.

A lógica perversa do arrendamento de terras indígenas

Nas últimas décadas, o arrendamento das terras indígenas tem sido uma das estratégias da invasão das terras dos povos originários. É uma prática perversa que ganhou novas ações especialmente no governo de Getulio Vargas, a partir de 1940, acentuando-se na década de 70. Voltou a ser estratégia do governo de Michel Temer e de sua bancada ruralista.

 

O arrendamento das terras indígenas tem sido um dos mecanismos de gerar desunião e conflitos internos, na medida em que apenas favoreceu pequenos grupos que intermediavam os arrendamentos das terras. A maioria das comunidades indígenas permanecem sem terra.

Mãe Terra: não se vende nem se arrenda

A Mãe Terra é parte fundante dos povos nativos. Para aqueles que a utilizam como matéria prima é impossível compreender o sofrimento imensurável dos povos indígenas ao acompanhar a destruição da natureza. O indígena é a Terra, sofre e chora com ela. Sente cada envenenamento.

O arrendamento sustenta-se como um sistema de destruição e morte da Terra. Em nome da monocultura – soja, eucalipto, cana de açúcar, algodão – é um projeto que visa exterminar qualquer prática que pense na biodiversidade. Massacram a terra, envenenam as águas, poluem o ar. A lógica do agronegócio é perversa e sustenta-se no poder ao apresentar-se em horário nobre como pop, tec, tudo.

Diante a destruição a vida,  as elites utilizam o argumento de que “índio não precisa de terra”, ou então de que “terra não enche barriga”. A premissa é falaciosa. As populações tradicionais têm em suas entranhas uma relação sagrada com seus territórios. Não são apenas terras, são memórias e espiritualidade que ali habitam.  Arrendar é atribuir unicamente utilidade, sendo que o sagrado não cabe na exploração dos recursos.

Memória aos que tombam

No último sábado, 25, os povos indígenas do Mato Grosso do Sul celebraram a memória de Marçal Tupã’i, assassinado em 1983 na terra indígena Nhanderu Marangatu. Três anos antes de sua morte, em 1980, Tupã’i denunciou as violências que seu povo estava submetido ao papa Paulo VI, um dos responsáveis em aprofundar as teses reformistas do Concílio Vaticano II.

“Nossas terras são invadidas, nossas terras são tomadas, os nossos territórios são diminuídos. Não temos mais condições de sobrevivência. Queremos dizer a Vossa Santidade a nossa miséria, a nossa tristeza pela morte de nossos líderes assassinados friamente por aqueles que tomam nosso chão, aquilo que para nós representa a própria vida e nossa sobrevivência neste grande Brasil, chamado um país cristão”, discursou Marçal em Manaus (AM). Em uma emboscada na porta de sua casa, no dia 25 de novembro de 1983, Marçal Tupã’i foi assassinado por pistoleiros com cinco tiros.

Os Kaiowá Guarani celebram a memória de dezenas de lideranças que derramaram seu sangue na luta por seus direitos, especialmente o direito a terra. Na memória daqueles que tombaram no mês de novembro está também Nizio Gomes, cacique assassinado há seis anos.

 

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