31/10/2017

Em audiência com eurodeputados, organizações brasileiras denunciam violações de direitos indígenas e quilombolas


Foto: Guilherme Cavalli / Cimi

Por Guilherme Cavalli, da assessoria de comunicação

Em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos do Senado, ocorrida na manhã desta terça-feira (31), organizações indígenas, indigenistas e quilombolas denunciaram à delegação de deputados europeus as recorrentes violações sociais ocorridas na atual conjuntura. O corte de verba da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o congelamento dos gastos públicos com direitos sociais, a paralisação nas demarcações de territórios tradicionais, a perseguição a defensores de direitos humanos e os retrocessos ambientais foram assuntos abordados pela delegação de 13 eurodeputados.

Mário Nicácio, indígena Wapichana e coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), chamou atenção para relação de violência do Poder Executivo e suas “políticas de morte”. “Desde a invasão ao continente americano sofremos incontáveis massacres e a atual relação do governo com os povos indígenas repete a história. As políticas do Estado são marcadas por violências”, atestou a liderança.

“Nossos direitos assegurados pela Constituição Federal encontram-se em risco. Infelizmente, por mais que tenhamos leis que os assegurem, as violações têm crescido. Aumenta o assassinato de lideranças indígenas. Não temos como falarmos de direitos humanos sem levar em conta a morte das nossas lideranças”, denunciou Nicácio ao grupo de deputados vindos de seis países da Europa. “Em conformidade com as violências, o atual governo apresenta-se submisso diante os massacres por estar refém da bancada ruralista. A Frente Parlamentar do Agronegócio (FPA) é impulsionadora desta economia que derrama sangue”. No Congresso Brasileiro, tramitam 33 medidas anti-indígenas, grande parte propostas por parlamentares da FPA.


Foto: Guilherme Cavalli / Cimi

“As violações nos direitos indígenas pelo Estado brasileiro são constantes. Nos sentimos sempre ameaçados. Nunca sabemos quando uma lei que retira nossos direitos pode ser criada”, afirmou Keyla Thyxaya. A liderança indígena Pataxó e pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB) pontuou as violações constitucionais e de mecanismos internacionais de proteção aos direitos originários. “Temos garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Treabalho (OIT) o direito de  autodeclaração e da consulta prévia aos povos, mas são várias as situações que ocorrem no Brasil que negam a nossa identidade, a participação efetiva das comunidades em um Estado pluricultural”. 

Brasil: Estado da impunidade

Cleber Buzatto, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), apresentou na audiência as realidades de violações de direitos humanos dos povos indígenas, que em muitos casos vivem em acampamentos sob alta vulnerabilidade por não terem suas terras demarcadas. Em 2016 foram 118 assassinatos de indígenas, 23 tentativas de assassinato e 735 casos de mortes de de crianças de 0 a 5 anos. Os dados do Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas 2016 expuseram a ineficiência de um Estado que não propõe políticas indigenistas e “blinda aqueles que os perseguem”. “No Brasil há um clima de impunidade, e mais do que impunidade, o atual governo trabalha para garantir proteção às práticas de violência contra os povos indígenas”, sustentou Buzatto.

O representante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, Denilton Moraes, memorou as lutas e resistências para os direitos sociais, que hoje encontram-se como alvo dos poderes Executivo e Legislativo. “Vivemos um momento de retrocessos. Nossas conquistas sociais que foram fundidas na luta estão se perdendo. Em um ano do atual governo, perdemos o que levamos décadas para conseguir”, comentou Moraes. “Hoje passamos para um novo processo de colonização que leva os povos tradicionais para a senzala novamente”.

A liderança quilombola denunciou ainda as perversidades do Congresso Federal e das medidas que tramitam no Legislativo. “A PEC 215 e a CPI da Funai e Incra são pressões da bancada ruralista, financiada pelo agronegócio, para que não demarcar terras indígenas e quilombolas. Eles nos veem como inimigos porque em nossos territórios prospera viva, é onde a biodiversidade está. Eles desejam para o território nacional um projeto de mineração e de monocultura”.

Barreiras humanitários para exportações brasileiras

O pedido para que o parlamento europeu crie barreiras humanitárias na exportação de commodities agrícolas brasileiros repetiu-se na explanação de políticos e ativistas brasileiros. Antes da audiência pública na Comissão de Direitos Humanos do Senado, a delegação europeia, em sessão junto a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, cobrou dos parlamentares brasileiros políticas econômicas que se pautem no respeito aos direitos humanos. Os políticos assinalaram a necessidade de que os acordos de comércio internacional que se estabeleçam, mediante a relação bilateral Brasil – Europa, sejam pautados no “pilar da democracia e validação dos direitos fundamentais”.

“A lei não atribui direitos fundamentais ou direitos humanos. Eles existem muito antes de ser lei por ser uma condição para ser humano”, recordou o deputado português Antonio Marinho. “Com que direito os portugueses, ao chegarem ao Brasil, tiraram as terras daqueles que as tinham há milhares de anos? Esse é o cerne do debate e precisamos repensar nossas políticas de comércio para que não se repita a prática histórica”. O vice-presidente da delegação para as relações com o Mercosul apontou a indispensabilidade de retomar a condição dos direitos fundamentais como prioridade das condicionantes para estabelecer os acordos bilaterais.

A deputada Janete Capiberibe (PSB/AP) também solicitou a delegação que “ouçam o apelo das comunidades tradicionais”. “É urgente que se criem bloqueios humanitários para impedir que sejam importados quaisquer produtos que sejam regados por sangue indígena e quilombola. A Europa não pode continuar a importar mercadorias que trazem como selo a violação de direitos humanos”, comentou a deputada amapaense. “Essa é a única forma de coibir os crimes que colocam milhares de vidas em risco”.

No debate junto a Comissão de Relação Exterior do Senado, João Capiberibe (PSB/AP) pontuou medidas democráticas para que pautem os acordos de livre mercado entre Mercosul e Europa. Segundo o senador, é importante ouvir as comunidades indígenas e quilombolas afetadas pelos grandes empreendimentos para que as negociações ocorram “de forma consciente”. “O mundo não é feito de relações econômicas, unicamente. Nas relações comerciais é importante estabelecer o respeito com as questões indígenas, quilombolas e ambientais. Nossa democracia não conseguiu respeitar a pluralidade e por ocasião disso, na hora de sentar para discutir os acordos, o que prevalece é a questão econômica”, salientou.

Cleber Buzatto reforçou o pedido para que os eurodeputados observem barreiras para compra de mercadorias que vão além das não questões sanitárias. “É urgente e indispensável a criação de barreiras humanitárias, além das sanitárias, para estabelecer critérios de exportações de produtos nacionais.

Fonte: Assessoria de Comunicação Cimi
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