07/10/2017

Lideranças da Terra Indígena Raposa Serra do Sol entregam ao STF dossiê sobre avanços e conquistas após homologação



Na última semana uma comitiva de lideranças indígenas da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol e do Conselho Indígena de Roraima (CIR) estiveram em Brasília para cumprir uma agenda de apresentação dos avanços e conquistas após a homologação de sua terra. O território foi demarcado pela Presidência da República em 2005 e reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2009.

Para as audiências junto ao STF, as lideranças indígenas elaboraram um dossiê titulado “Raposa Serra do Sol um projeto de vida para os povos indígenas da Amazônia e do Brasil” que apresenta os avanços e conquistas após a homologação de um dos casos de demarcação e homologação mais simbólico e histórico já visto no Brasil.

O documento foi entregue a nove dos onze ministros da Suprema Corte: Dias Toffoli, Celso de Melo, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Rosa Webber, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes.

Durante a visita, a Comissão composta pelas lideranças indígenas da Raposa Serra do Sol, Jacir José de Souza, Eldina Gabriel, Pedro de Souza Silva e Irani Barbosa dos Santos, acompanhados pelo vice-coordenador do CIR, Edinho Batista de Souza, pelo Assessor Jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Luis Henrique Eloy e Assessora de Comunicação do CIR, Mayra Wapichana, prestaram agradecimento pelo reconhecimento dos direitos territoriais dos povos indígenas do Brasil, conforme reafirmado no ato histórico de homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol.

Gilmar Mendes e a real situação de Raposa Serra do Sol

Edinho Batista de Souza, um dos porta-vozes da Comitiva, na recepção do Ministro Gilmar Mendes, manifestou a importância de apresentar aos ministros os resultados após a homologação. “É importante a nossa comitiva de lideranças indígenas da Raposa Serra do Sol estar em diálogo com o senhor e entregar um documento que mostra a nossa real situação. Depois de dez anos que a terra indígena Raposa Serra do Sol foi confirmada em área contínua pelos senhores neste Supremo”, destacou Edinho.

Os dados apontados no dossiê trazem à tona informações sobre a produção sustentável das comunidades indígenas da terra indígena Raposa Serra do Sol, bastante criticada nos últimos tempos em manifestações políticas e até de Ministros, como o caso do Ministro Gilmar Mendes durante o julgamento no dia 16 de agosto no Supremo Tribunal Federal (STF). Na ocasião, afirmou-se que Raposa Serra do Sol tinha sido um erro de demarcação e que os índios estariam passando fome, no lixão de Boa Vista, prática antiga de ataque contra os direitos dos povos indígenas da Raposa Serra do Sol.

“Por isso senhor Ministro, em nome dos povos indígenas da terra indígena Raposa Serra do Sol queremos agradecer o seu voto que deu a favor dos povos indígenas e dizer que a decisão da terra indígena foi uma decisão importante para os povos indígenas que diante de tantos sofrimentos e massacres, nos garantiu o direito de vivermos bem dentro do nosso próprio território” acrescentou o vice coordenador do CIR ao ministro Gilmar Mendes.

Conquistas após demarcação

Edinho também apresentou ao ministro as principais conquistas alcanças nos últimos anos na área da educação, saúde e principalmente, no contexto de gestão territorial e ambiental, conforme também apontado no dossiê. “Atualmente, senhor Ministro, com a garantia da TI Raposa Serra do Sol, estamos vivendo bem, graças as nossas comunidades indígenas que estão conseguindo se organizar cada vez mais. Temos bastantes escolas indígenas, indígenas com mestrado e doutorado, alunos, agentes indígenas de saúde, técnicos indígenas, postos de saúde”.

A liderança apresentou os avanços na sustentabilidade das comunidades. “Temos sete projetos de Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) e produção, que além de nos alimentar bem, também é comercializada em toneladas de produtos para a à Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), órgão do Governo Federal”. Desde 2010 a companhia vem comprando alimentação para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

O dossiê mostra que, segundo dados da CONAB, em 2010 a agricultura familiar do município do Uiramutã e Normandia, formadas por famílias indígenas, vendeu um total de 98 toneladas de alimentos para o PAA. Em 2015, somente a associação de pais e mestres da escola do Maturuca comercializou para CONAB quatro toneladas de alimentos, entre abóbora, mandioca, feijão, milho. Em 2010, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os municípios de Normandia e Uiramutã somavam 26.400 cabeças de bovinos.

Com o cenário atual de avanços e conquistas, Edinho reafirmou ao Ministro que a decisão do Supremo de reconhecer a demarcação e homologação da TI Raposa Serra do Sol não foi um erro, e sim, uma decisão certa. “Com isso, senhor Ministro, queremos mostrar que a decisão que o Supremo tomou em reconhecer a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol em área contínua foi uma decisão certa. Portanto, é preciso que o Poder judiciário reforce essas argumentações de que foi uma decisão correta e que está beneficiando os povos indígenas do Brasil” pontou a liderança.

Raposa Serra do Sol contra o Marco Temporal

Atualmente, uma das maiores preocupações do movimento indígena no Brasil tem sido em relação ao Marco Temporal, uma tese jurídica que começou com o voto do Ministro Carlos Ayres Brito dentro do processo da Raposa Serra do Sol. À época, discutia-se a constitucionalidade da demarcação em área contínua. Um dos levantamentos, estudos apresentados pelo Ministro, foi de que Marco dos direitos começaria a partir da Constituição Federal, promulgada no dia 5 de outubro de 1988. Entre as suas definições, está o marco de reconhecimento de demarcação das terras indígenas a partir de 1988.

A delegação firmou posição contra a tese. Argumentando a inconstitucionalidade caso aplicada em outras decisões do STF, as lideranças, no final do encontro com o ministro Gilmar Mendes, reforçaram a não aplicação do Marco Temporal e as 19 Condicionantes do caso Raposa Serra do Sol aos demais processos de demarcação. “Por fim, senhor ministro, em nome dos povos indígenas do Brasil, de modo especial da TI Raposa Serra do Sol,  queremos agradecer o senhor e pedir o seu apoio para sensibilizar os demais ministros para que não apliquem a tese do Marco Temporal que ainda estão em processo de demarcação”.

Na quarta-feira (4), a Comitiva foi recebida pelo Ministro Alexandre de Moraes, onde também foi entregue o dossiê que apresenta a realidade da TI Raposa Serra do Sol. Como gesto de gratidão pela reafirmação dos direitos indígenas reafirmados pelos Ministros no último julgamento, dia 16 de agosto, da Ação Civil Ordinária 362 e 366, que resultou na soma de 8×0 a favor dos direitos originários, as lideranças cantaram no gabinete.

Conjuntura Nacional

Diante do cenário de ameaças aos direitos dos povos indígenas do Brasil por medidas executivas, legislativas e até judiciarias, a peregrinação nos corredores do Supremo Tribunal Federal (STF) serve para reforçar a luta, a união e resistência dos povos indígenas diante a conjuntura de retirada de direitos. A delegação vinda de Roraima soma forças na defesa dos direitos originários garantidos na Constituição Federal Brasileira de 1988, promulgada em 5 de outubro.

Para o líder tradicional Jacir José de Souza, 65 anos, a ocasião foi de apresentar a realidade e a forma de vida dos povos indígenas. “Sempre falam para nós que somos preguiçosos, mas nós entregamos as fotos da nossa produção, e isso é verdade. Então, acredito que isso também vai fortalecer a luta dos nossos companheiros de outras terras indígenas que não tem terra demarcada. A luta é exatamente para fortalecer todos os povos do Brasil” reforçou Jacir ao lembrar das outras terras indígenas em processo de demarcação. A liderança, ao retornar nos ambientes governamentais recordou as incansáveis vindas a Brasília, em uma luta que durou mais de 30 anos até que a TI Raposa Serra do Sol fosse demarcada.

Jacir ainda fez um chamado aos povos indígenas do Brasil. “Quero união de todos os indígenas do Brasil, para nós conversamos com as autoridades, porque se não unirmos, nós vamos perder a nossa terra”.

O Advogado indígena Luís Henrique Eloy, do povo indígena Terena, acompanhou a Comissão de lideranças indígenas da Raposa Serra do Sol nas audiências no STF. “Avalio ser muito válido a presença da delegação indígena, especialmente, por ser da Raposa Serra do Sol, que é um caso paradigmático que chegou ao Supremo Tribunal Federal e que até hoje repercute em todas as terras indígenas do Brasil. Ao trazer um dossiê de como está a situação das terras indígenas hoje, após o processo de demarcação é sem dúvida mais um marco no processo de luta pela terra. Ouvimos muito nos últimos anos pessoas falarem pela Raposa Serra do Sol, inclusive, pessoas que nunca foram à Raposa Serra do Sol. Hoje as lideranças vem trazer esse dossiê e entregaram para cada ministro, mostrando a realidade dessas comunidades indígenas” destacou Eloy.

Como parte da agenda, a delegação participou do seminário “Raposa Serra do Sol e os direitos dos povos indígenas, realizado na Universidade de Brasília (UnB); Na quinta-feira (05), as lideranças participaram participaram da abertura do Seminário Nacional dos 5 anos da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas(PNGATI) e do lançamento do Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, promovido pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

Fonte: Ascom CIR
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