Indígenas ocupam Coordenação Regional do Baixo São Francisco contra nomeação de indicado do PP à Funai
Indígenas realizam assembleia em ocupação à sede da Funai. Crédito: Ishô Truká
Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi
A ingerência partidária na Fundação Nacional do Índio (Funai) levou perto de 200 indígenas a ocupar nesta segunda-feira, 3, por tempo indeterminado, a sede da Coordenação Regional do Baixo São Francisco do órgão indigenista, em Paulo Afonso (BA). "Somos contra indicação do PP para o cargo de coordenador. Se trata de uma interferência prejudicial aos povos que esta coordenação atende", declara um dos porta-vozes da mobilização, Ishô Truká.
De acordo com o manifesto divulgado pelos povos que ocupam a Coordenação Regional, "a consulta é um direito, e nós povos indígenas desta jurisdição não abrimos mão deste direito, haja vista, que em datas anteriores já havíamos entrado em acordo com a maioria dos povos indígenas dos dois (02) estados e com a direção central da Fundação Nacional do Índio – FUNAI e Ministério da Justiça/MJ, para que pudéssemos propor a indicação do coordenador da nossa jurisdição".
O responsável pela indicação é o deputado federal Mário Negromonte Júnior, do PP baiano. O parlamentar indicou Edson Oliveira Maciel: quatro vezes vereador de Paulo Afonso, filiado ao PP e da base política de Negromonte Júnior. Ambos, deputado e ex-vereador, a não ser de maneira fortuita, por força de seus mandatos, nunca trataram da questão indígena. "Para completar, eles vêm com o Deus salvador deles para cima da gente. Sequer fomos consultados, não vamos aceitar", frisa Ishô Truká.
"Ocupamos a coordenação do baixo São Francisco como forma de indignação e repúdio contra estas manobras nocivas, não temos a intenção de provocar nem um tipo de paralisia administrativa, orçamentária e financeira frente ao órgão que defendemos a todo custo, o que queremos é, sem sombra de dúvida, tentarmos junto com o estado moralizar o que de fato defende os nossos direitos", diz trecho do manifesto. Para os indígenas, a intervenção politica partidária vem provocando incalculáveis prejuízos, sobretudo em processos inerentes às regularizações fundiárias; tanto no Nordeste, quanto em demais regiões do país.
Tudo se inicia, para estes povos que realizam a ocupação, com a reestruturação da Funai, ocorrida entre 2009 e 2010, que para eles "desestruturou o órgão, na verdade". No caso da Coordenação Regional de Paulo Afonso, poucos servidores atendem na Bahia as regiões do Médio e Submédio Rio São Francisco, Norte e Oeste. Já em Pernambuco, o Sertão de Itaparica e o Sertão do São Francisco. Antes não havia tamanha concentração de regiões em apenas uma coordenação, sendo que os povos de Pernambuco eram atendidos pela Coordenação Regional com sede na capital Recife. Para os povos da Bahia a situação ficou praticamente a mesma, pois antes já existia a Coordenação Regional de Paulo Afonso.
Em números, a Coordenação do Baixo São Francisco tem em sua área de abrangência uma população indígena de quase 45 mil, distribuídos em 45 terras indígenas, com uma dispersão geográfica de até 1.500 quilômetros de distância. São atendidos os Kiriri, Tuxa, Tuxi, Tumbalalá, Kaimbé, Payayá, Pataxó, Xakriabá, Kantaruré, Kariri-Xocó de Paulo Afonso, Pankararé, Xukuru-Kariri, Truká, Truká-Tupã, Atikum, Pankararu, Entre Serras Pankararu e Kambiwá. São terras indígenas que demandam diferentes serviços da Funai, desde a demarcação até mesmo projetos de etnodesenvolvimento e entrega de cestas básicas.
Para atender a todos estes povos, a Funai conta com menos de 90 servidores. "Aconteceu esse acúmulo e ao mesmo tempo não há recursos chegando na Coordenação. Como as distâncias são grandes, temos um problema de logística. Então os servidores não conseguem estar nas aldeias. Em Pernambuco, por exemplo, a Funai não atua mais. A sede em Cabrobó está fechada há anos. Não há condições técnicas, orçamentárias e administrativas. Nossos projetos estão descontinuados e isso tem nos causado problemas variados, dentro de uma cadeia de assistência social, inclusive", declara Ishô Truká.
Quem é Mário Negromonte Júnior
O deputado federal, natural de Paulo Afonso e integrante da bancada evangélica, responde a dois processos no Supremo Tribunal Federal (STF). Em um deles, aberto em abril deste ano, Negromonte Júnior é acusado de usar recursos não declarados, oriundos de empresas privadas, na campanha eleitoral de 2014. No outro, iniciado em dezembro de 2015, será julgado o envolvimento do parlamentar com o recebimento de recursos desviados da Petrobrás.
Negromonte Júnior é filho de Mário Negromonte, atualmente conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia. Antes, foi líder do PP na Câmara dos Deputados, entre 2006 e 2010. De dezembro de 2010 a fevereiro de 2012 esteve à frente do Ministério das Cidades, de onde pediu demissão sob acusações de corrupção. No último mês de junho, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) abriu inquérito para apurar tais denúncias reforçadas em delações premiadas de doleiros e demais envolvidos em falcatruas.
Fachada da sede da Coordenação Regional, em Paulo Afonso (BA). Crédito: Ishô Truká
Leia o manifesto dos indígenas na íntegra:
MANIFESTO – Ocupação da Coordenação do Baixo São Francisco
Manifesto dos povos indígenas dos estados: Bahia e Pernambuco, participantes nas ações que resultou nas paralizações administrativas da coordenação a cima citada, cansados de sermos ignorados pelas decisões equivocadas do estado brasileiro, dos partidos políticos que estão a serviços servindo aos anseios dos políticos mal intencionados junto à politicas e órgãos públicos voltados para atender a sociedade nacional, os grupos étnicos e as classes menos abastadas em condições econômicas, nos manifestamos de forma repudiante frente a indicação politica partidária do Partido Progressista de pessoa estranha ao conhecimento do que é e como deve se dar a gestão frente as politicas publicas voltadas para atender os povos indígena da área de abrangência da coordenação acima citada, repudiamos ainda, as praticas nocivas deste partido, que em nem um momento nos procurou para exercer o que determina a Constituição Federal 1988, nos Art: 231 e 232, em concordância com a convenção 169 da OIT de 1987, que nos assegura o direito a consulta previa e informa frente a quaisquer decisão que possa nos impactar direto ou indiretamente de forma positiva ou negativa.
Considerando que a consulta é um direito do cidadão, e nós povos indígenas desta jurisdição não abrimos mão deste direito, haja vista, que em datas anteriores já aviamos entrado em acordo com a maioria dos povos indígenas dos dois (02) estados e com a direção central da Fundação Nacional do Índio – FUNAI e Ministério da Justiça/MJ, para que pudéssemos propor a indicação do coordenador da nossa jurisdição.
Como sempre, e em desacordo ao nosso pleito, o governo federal feriu de forma danosa o que é direito constitucional adquirido, frente ao problema posto, nós povos indígenas não retrocedemos e nem abrimos mão dos nossos direitos, portanto, queremos ser atendido de acordo o que entendemos ser mais correto.
Ocupamos a coordenação do baixo São Francisco, como forma de indignação e repudio contra estas manobras nocivas, não temos a intenção de provocar nem um tipo de paralisia administrativa, orçamentaria e financeira frente ao órgão que defendemos a todo custo, o que queremos é sem sombra de duvida, tentarmos junto com o estado moralizar o que de fato defende os nossos direitos.
Portanto, é indispensável dar conhecimento que estes tipos constantes de intervenção politica partidária vem nos provocando grandes e incalculáveis prejuízos, os processos inerentes das regularizações fundiárias, as politicas de assistência, os processos produtivos, as questões judiciais, os processos de seguranças territoriais e as incertezas dos rumos das politicas publicas estruturantes dos nossos territórios.
Por esta razão, julgamos indispensável a presença do Presidente da Fundação Nacional do Índio para juntos darmos os encaminhamentos correto sobre o assunto em questão.
Solicitamos ainda, a compreensão e colaboração de políticos comprometidos e bem intencionados que podem se juntarem a nós no intuito de encontrarmos uma saída democrática que atenda e respeite ao que propomos.
Informamos ainda, que em quanto o nosso pleito não for atendido não desculpamos a coordenação acima citada.
Certo de podermos contar com a compreensão de todos que possa nos ajudar, adiantamos os nossos votos de estima e confiança.
Atenciosamente:
Povos Indígenas da Bahia: Truká Tupã, Atikum Rodelas, Tuxa das Margens do Rio São Francisco – Rodelas, Nova Pankararé – Rodelas, Kambiwá Filha – Rodelas, Pankararé de Gloria, Kantaruré de Gloria e de Pernambuco: Truká de Cabrobó e Orocó, Atikum Salgueiro e Umã.
Paulo Afonso/BA, 02 de outubro de 2017.