Povo Krenyê exige da Funai o desembolso do recurso destinado à criação de Reserva
Por Assessoria de Comunicação – Cimi
Sob uma vida confinada nas periferias das cidades maranhenses de Barra do Corda, Santa Inês e Buriticupu, ou espalhados em terras indígenas de outros povos, os Krenyê não habitam o território reservado a eles porque a Fundação Nacional do Índio (Funai) ainda não desembolsou o dinheiro para finalizar a compra da área destinada aos indígenas. A situação se arrasta desde 2014 e o território definido pelo Grupo de Trabalho está orçado em R$ 14 milhões – recurso já destacado para tal fim, porém não executado.
Em face da morosidade, os Krenyê seguem longe "de ter uma terra pra plantar, pra tirar nossa comida, fazer como é a cultura da gente", explica Raimundinho Krenyê. A Pedra do Salgado, região das aldeias ancestrais do povo Krenyê, localizada no município de Vitorino Freire, foi definida pelo Grupo de Trabalho da Funai como sem condições de assegurar a reprodução física e cultural por estar predominantemente ocupada por pastos e capoeirão, por ter seus mananciais assoreados".
Portanto, decidiu-se que a melhor alternativa seria optar por outra área "cuja classificação seria de Reserva Indígena, escolhendo um lugar que tenha principalmente mata, rio e aptidão do solo para a produção, e não um lugar que precise de pelo menos 12 a 15 para se ter uma mínima recomposição vegetal", diz o relatório da Funai.
Conforme o constatado pelo Grupo de Trabalho, reforçou o argumento "o alto grau de vulnerabilidade social ao qual passa este povo que vive em condição sub-humana na periferia de Barra do Corda, exposto a violência urbana e falta de infraestrutura de uma cidade que vem crescendo de maneira desordenada. Vale lembrar que esses índios vivem sem água potável, pouca terra para plantar e sem acesso aos recursos naturais".
"Precisamos sair destes lugares onde atualmente estamos para povoar uma área que possamos viver tradicionalmente como caçadores e coletores, partilhando coletivamente um lugar para o exercício das manifestações culturais e que garanta a segurança de tudo o que a gente precisa", destaca raimundindo Krenyê. A área destinada para a reserva refere-se ao bioma historicamente manejado pelos Krenyê, o cerrado, e também alvo de visitas dos técnicos da Funai em comum acordo com os indígenas.
O Grupo de Trabalho da Funai determinou que a área tivesse uma "dimensão mínima" de dez mil hectares para garantir um território razoável à circulação "deste povo que tem o hábito de andar para caçar e explorar os recursos naturais, bem como para garantir o uso para as gerações futuras dado a projeção de um alto crescimento da população Krenyê que é composta de muitas crianças e adolescentes".
A diáspora Krenyê
O povo Krenyê tem rama ligada ao grupo denominado por categorias coloniais e história indígena como Timbira, que compreende povos que habitam os estados do Maranhão e Tocantins. A este grande grupo também fazem parte os Apinajê, Krikati, Pykobjê, Krepymkatejê, Krahô e os Canela Apaniekra e Rankokamekra. A presença dos Krenyê na literatura, conforme estudo antropológico da Funai, está relacionada ao seu seu processo de resiliência, que envolve um silêncio de décadas.
A reivindicação dos Krenyê para obter uma terra é simultânea a quebra deste silêncio epistêmico, no final dos anos 1990, e que se consolida na década seguinte. "O cenário efervescente de mobilizações promovidas, durante este período, pelo movimento indígena institucionalizado (leia-se Coapima, Wyty’catë e pequenas associações comunitárias indígenas) em prol de direitos básicos como educação e saúde oportunizou aos Krenyê a saída do anonimato institucional", analisa o Grupo de Trabalho da Funai.
O movimento indígena e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) passaram então a promover. Entre 2003 e 2012, ocorreram os I e II Encontros do Povo Krenyê. Logo na primeira reunião, os Krenyê visitaram um local sagrado ao povo, centro de uma memória antiga e recuperada pelos anciãos: a Pedra do Salgado. A diáspora Krenyê encontra no local sagrado um marco importante encontrado pelos pesquisadores para traçar uma linha da tradicionalidade do povo.
Lourdes Krenyê relatou ao Grupo de Trabalho o que traz na lembrança quando um advogado encaminhou a remoção dos indígenas da Pedra do Salgado: "O meu tio ficou assim imaginando. Já tava pouco mesmo, não tinha mais índio, eles já tinham ido embora tudo, outros já tinha morrido. Já tinha bem pouquinho índio lá na Pedra do Salgado. Pois é, agora eu vou fazer tua mudança, vou ajeitar os burros pra fazer a tua muda. Aí esse doutor Xerez arrumou burro, quatro burros, aí fez a muda dele, meu tio. Aí nós ficamos lá pra trás ainda: eu, minha mãe, meus irmãos e outros meus tios. E tinha a filha dele lá na Santa Inês, que mora lá […] Aí nós ficamos pra trás. Ficamos. Aí esse meu padrasto ainda botou uma roça, plantou. Quando ficou bom o legume nós apanhamos, o arroz, acabamos de apanhar. Minha mãe criava muita galinha. Mas desde que já tava cheio de gente (brancos)".
No relatório da Funai, o Grupo de Trabalho se debruça ao esforço de entender o que se passou no período relatado pela Krenyê anciã: "A narrativa de Dona Lourdes remete aos tempos idos do Serviço de Proteção do Índio e Localização dos Trabalhadores Nacionais – SPILTN. A referência ao “doutor” Xerez, encarregado de realizar o translado dos últimos indivíduos que ainda resistiam ao avanço dos “cearense” (como os índios chamavam os forasteiros) nas matas do médio Mearim, torna-se uma pista importante do período que inicia-se a diáspora Krenyê. O advogado amazonense de inspiração positivista Dr. Sebastião Xerez foi o responsável pela 3ª Inspetoria do SPILTN no Maranhão entre os anos de 1948 a 1962".
Na terra Guajajara
A situação de parte dos Krenyê, conforme o relatório da Funai, parecia "relativamente acomodada" no final da década de 1990, "uma vez que uma pequena parcela do povo encontrava-se habitando a Terra Indígena Rodeador, de ocupação Tenetehar/Guajajara, chegando a consolidar uma aldeia por nome Pedra Branca. A demanda por terra era latente, porém parcialmente acalentada pela situação de relativa estabilidade deste grupo na aldeia mencionada".
"Aí nós chegamos lá, meu tio já tinha feito uma casa pra nós. Aí nós ficamos lá na casa, junto lá com os Guajajara. Lá é… nós ficamos muito tempo morando junto com os Guajajara. Logo nós num mexia neles e nem eles mexia em nós. Olha, quando nós chegamos ali no Agenuário, caboca, eles andava era só com uma saiotinha. Era! Tudim só andava de saia. Hoje que todo mundo vive vestido. Aí nós ficamos lá. Só nós mesmo no meio deles. Eles num era, assim, bom pra nós. Nós nunca fizemos maldade com eles e eles nunca com nós. Aí nós ficamos morando lá. Morando lá e depois, aí quando nós crescemos, já tava tudo… nós crescemos lá (…)", explica Lourdes Krenyê.
O nome Pedra Branca faz referência à Pedra do Salgado, localidade pertencia ao município de Bacabal, e que hoje faz parte de Vitorino Freire. "Ali jaz um grande morro que possui a coloração esbranquiçada por conta do barro branco argiloso e pedras que são utilizadas para calçamento e construção civil que forma um lajeado ou “lajeiro” no dizer dos locais", pontua o relatório da Funai.