Frente a novas violações de direitos indígenas, entidades da sociedade civil brasileira acionam ONU
Foto: Guilherme Cavalli / Cimi
Na semana de celebração do Dia Internacional dos Povos Indígenas, 48 instituições, entre organizações indígenas, indigenistas e entidades da sociedade civil brasileira, enviaram informe à relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre direitos dos povos indígenas, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e ao Alto Comissariado das Nações Unidas para reportar os últimos atos do governo Temer em relação à violação dos direitos dos povos indígenas do Brasil.
A ideia é fornecer às instâncias internacionais elementos para que estas cobrem do governo brasileiro o devido cumprimento de seus compromissos, considerando especialmente que, neste ano, o Brasil passou a compor o Conselho de Direitos Humanos na ONU. Em setembro, o país deve se manifestar no organismo internacional sobre as mais de 240 recomendações feitas pelos demais países no âmbito da Revisão Periódica Universal (RPU) acerca da situação dos direitos humanos no Brasil, inclusive sobre a situação dos direitos indígenas.
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“Após mais de um ano da visita da relatora especial da ONU para direitos dos povos indígenas ao Brasil, não houve nenhum progresso por parte do governo. Ataques violentos contra comunidades indígenas continuam a acontecer”, afirmam as entidades no comunicado. Elas apontam, ainda, que os poucos compromissos assumidos pelo atual governo frente à ONU, como o fortalecimento da Funai, foram ignorados e abandonados, e denunciam o impacto das recentes medidas provisórias sobre as terras indígenas e seus recursos naturais.
Essas medidas são vistas como moeda de troca para a permanência de Temer na Presidência da República e reduziram programas de Reforma Agrária, diminuíram unidades de conservação, abriram caminho para a grilagem de terras e alteraram regras de mineração, além de um sistema agroalimentar ainda mais focado no modelo do agronegócio. “O agronegócio não se sacia e avança sobre as terras indígenas, de quilombolas, das demais comunidades tradicionais e dos camponeses em geral. O resultado disso é o flagrante e quotidiano desrespeito à legislação brasileira e aos tratados internacionais de direitos humanos no Brasil”, reforça Cléber Buzato, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
Paralisações à vista
As organizações também denunciam o parecer da Advocacia Geral da União (AGU) chancelado pelo presidente Michel Temer no último dia 19 de julho que tenta, sem legitimidade nem lastro jurídico, acabar com a demarcação de terras indígenas no país e com o direito de consulta livre, prévia e informada. A medida obriga os órgãos do governo federal a adotarem genericamente, a partir de agora, 19 condicionantes estabelecidas pelo STF no caso da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, para quaisquer casos no país. De acordo com a AGU, a decisão poderá paralisar mais de 700 processos que estão em andamento.
Na leitura das entidades, o parecer viola vários direitos protegidos pela Constituição Federal e pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos. “Esse parecer tenta legitimar violações com relação ao direito à terra, porque impede a realização de demarcações; viola o direito de consulta, porque ele estabelece restrições que não estão previstas em nenhuma legislação internacional ao direito de consulta e consentimento dos povos com relação a medidas que afetem suas vidas. Também infringe o direito à organização social, direitos culturais e até mesmo direito à identidade, porque tenta tratar os povos indígenas como se vivessem uma única realidade que pudesse ser normatizada a partir de um caso concreto, que é o caso Raposa, negando-lhes o acesso à Justiça. Trata-se de um ato discriminatório que consolida uma posição de negação do acesso a medidas reparatórias para os povos indígenas”, afirma Erika Yamada, relatora de direitos humanos dos povos indígenas da Plataforma Dhesca. “O Brasil está indo na contramão da orientação geral e do compromisso assumido frente a outros países em relação à reparação e ao reconhecimento a violações cometidas contra os povos indígenas”, finaliza.
Segundo Luiz Henrique Eloy, advogado indígena da Apib, o parecer incorre flagrantemente na hipótese de desvio de finalidade, porque foi assinado e publicado pelo presidente Michel Temer em 20 de julho de 2017, no contexto da votação de crime de responsabilidade em razão de denúncia criminal pela Procuradoria Geral da República. “Nesta esteira, objetivando manter e ampliar sua base de apoio entre os partidos, o presidente Michel Temer, segundo notícias amplamente divulgadas na mídia nacional e internacional, teria se reunido com deputados e até mesmo liberou verbas parlamentares, as quais estão na esfera de articulação”, denuncia.
O comunicado também apresenta sugestões de medidas a serem tomadas pelo governo brasileiro, como o fortalecimento de programas de defensores de direitos humanos, o restabelecimento de canais democráticos de diálogo entre governo e povos indígenas no lugar de ações militares, a revogação de atos administrativos que violam os direitos dos indígenas e a garantia do acesso à justiça para esses povos.
Agosto de resistência
Em 16 de agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará três ações que podem ser decisivas para os povos indígenas no Brasil. As decisões dos ministros sobre o Parque Indígena do Xingu (MT), a Terra Indígena Ventarra (RS) e terras indígenas dos povos Nambikwara e Pareci poderão gerar consequências para as demarcações em todo o país.
Em resistência a todos esses ataques, além do envio do informe à ONU, representantes indígenas de todas as regiões do país se preparam para uma série de atividades ao logo do mês, que poderão ser acompanhadas nos sites e redes sociais das entidades.
Confira os informes enviados para a ONU e OEA sobre os ataques aos direitos dos povos indígenas