09/08/2017

Indígenas, juristas e antropólogos unem vozes contra o marco temporal


Foto: Midia Ninja

Audiência pública no Senado Federal e ato-debate na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) reuniram falas importantes na defesa do direito originário dos povos indígenas aos seus territórios. As atividades foram realizadas ao longo desta terça (08) e fazem parte da agenda nacional de mobilizações contra a tese do marco temporal e os retrocessos impostos aos direitos indígenas pelo governo Temer. Até o dia 16 de agosto, são esperadas novas mobilizações e atividades em todo o Brasil.

“Se for aprovado o marco temporal, vai ser aprovada o massacre, o derramamento de sangue, o genocídio, a expulsão e os ataques paramilitares que estamos sofrendo em nossas bases”, alertou Eliseu Lopes Guarani Kaiowá, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), no Senado. “Nossa história não começa em 1988! Estamos lutando pelo nosso território”, completou.

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O marco temporal estabelece que só teriam direito à demarcação os povos que estivessem em suas terras em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. Assim, ignora o histórico de remoções forçadas e outras violências sofridas ao longo de séculos pelos povos indígenas. A tese pode ser adotada em julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) marcados para o dia 16 de agosto. Saiba, no fim da notícia, quais são as ações em jogo no Supremo.

“O marco temporal é inconstitucional. Na Constituição são reconhecidos os nossos direitos originários. A gente vem gritando, lutando para que as pessoas entendam essa questão”, afirmou Tiago Honório dos Santos, professor, membro da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) e morador da Terra Indígena Tenondé Porã, em Parelheiros (SP). Ele esteve presente no ato-debate realizado na USP.

“O argumento [do marco temporal] é absolutamente insustentável e falho em sua própria base”, disse na audiência do Senado Luciano Mariz Maia, coordenador da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (6CCR/MPF). Ele acrescentou que o STF tem a responsabilidade de garantir as terras aos povos indígenas independente de data e lembrou do Parecer da Advocacia Geral da União (AGU) assinado por Temer, em julho, obrigando todos os órgãos do Executivo a aplicar o marco temporal, além de vedar a ampliação de terras já demarcadas: “O que temos é uma organização do Estado incapaz de garantir o direito dos índios à sua terra sem turbação, sem violência, e o Estado brasileiro sendo deficiente no seu dever de demarcar as terras indígenas”.

A presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Lia Zanotta, destacou que o marco temporal “apaga e invisibiliza a ocupação das terras originárias dos povos indígenas porque as populações originárias foram levadas a expulsões, a realocamentos”. Zanotta lembra que o próprio Estado brasileiro promoveu várias destas expulsões. Ela também participou da audiência pública no Senado Federal.

A antropóloga Manuela Carneiro da Cunha afirmou, na USP, que o momento atual é marcado por “um presidente que não liga a mínima para a sua popularidade e que é capaz de fazer qualquer negócio para evitar tudo que lhe cai em cima e, com isso, o agronegócio está levando todas”. Nas palavras da antropóloga, o marco temporal é uma “doutrina completamente inventada e falaciosa”.

A pauta quilombola também fez parte do debate na USP. No dia 16, também haverá o julgamento pelo STF de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) visando derrubar o Decreto 4.887/2003, que regula a titulação de quilombos no país. A ação foi proposta pelo Partido Democratas (DEM). No julgamento, também existe o risco de adoção do marco temporal. “Titular terra indígena, titular terras de quilombos, essas terras ficam para as futuras gerações das comunidades. Votar pelo marco temporal é um voto racista. A pretensão da ADI é uma pretensão racista”, criticou Oriel Rodrigues de Moraes, assessor jurídico da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ).


Foto: Midia Ninja

Entenda as ações no STF
A ACO 362, primeira na pauta, foi ajuizada nos anos 1980 pelo estado de Mato Grosso (MT) contra a União e a Funai, pedindo indenização pela desapropriação de terras incluídas no Parque Indígena do Xingu (PIX), criado em 1961. O estado de Mato Grosso defende que não eram de ocupação tradicional dos povos indígenas, mas um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) defende a tradicionalidade da ocupação indígena no PIX, contrariando o pedido do estado de MT.

Já a ACO 366 questiona terras indígenas dos povos Nambikwara e Pareci e também foi movida pelo estado do Mato Grosso contra a Funai e a União. Semelhante à 362, ela foi ajuizada na década de 1990, pede indenização pela inclusão de áreas que não seriam de ocupação tradicional indígena. Neste caso, a PGR também defende a improcedência do pedido do estado do MT.

A última que será julgada no dia 16 é a ACO 469, sobre a Terra Indígena Ventarra, do povo Kaingang. Movida pela Funai, ela pede a anulação dos títulos de propriedade de imóveis rurais concedidos pelo governo do Rio Grande do Sul nesta terra, conforme exige a Constituição. A ação é simbólica dos riscos trazidos pela tese do “marco temporal”: durante a política de confinamento dos indígenas em reservas diminutas, os Kaingang foram expulsos de sua terra tradicional, à qual só conseguiram retornar após a Constituinte, com a demarcação realizada somente na década de 1990. Sem relator, a ação tem parecer da PGR favorável aos indígenas e está com pedido de vistas da ministra Carmen Lúcia, que deve ser a primeira a votar.

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Fonte: Mobilização Nacional Indígena
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