11/07/2017

Encontro no baixo Tapajós retoma departamento de jovens indígenas


Fotos: Barbara Dias / Cimi

Por Barbara Dias, do Cimi Norte II

“Vocês estão preparados para perder o rio de vocês? A floresta? Os anciões? Porque nosso povo Krenak perdeu tudo isso por causa da mineradora Vale”. O sentimento de perda da indígena Shirley Krenak, liderança do povo Krenak, de Minas Gerais, sobre o crime da Vale contra o Rio Doce e da área costeira iniciou a troca de experiências no encontro que retoma as atividades do departamento de jovens indígenas do baixo Tapajós. “Depois que a gente perde, não tem mais como voltar atrás”, completou. As juventudes se reuniram no último final de semana, de 7 a 9, na aldeia Lago da Praia, Território Cobra Grande, cidade de Santarém (PA).

Com a presença de 130 jovens indígenas das 67 aldeias do baixo Tapajós, o encontro trouxe para o debate o papel da juventude na defesa de seus territórios, na saúde e educação diferenciada e no fortalecimento da cultura indígena. “A retomada do nosso departamento de jovens surgiu com o intuito de fortalecer o movimento indígena do baixo Tapajós. É uma articulação que nos prepara para lutar em defesa de nossas terras e territórios”, comentou Diego Arapyum.

O departamento de jovens indígenas do baixo Tapajós foi criado em 2005 e manteve sua atuação até 2007. Nasceu com o objetivo de fortalecer a identidade indígena dos jovens na reafirmação étnica de seus povos e para a revitalização cultural. O baixo Tapajós sofreu com um intenso e violento processo de colonização que quase dizimou fisicamente e culturalmente diversos povos da região. Com as juventudes, novas formas de resistência surgiram nos últimos anos. A partir das referências e sabedorias dos pajés e anciãos, propõem-se outras maneiras de educar, a partir do território do qual pertencem.


Além das discussões que contribuem para a formação política e empoderamento da juventude indígena, o encontro foi espaço de apresentações artísticas, cantos, rituais, danças típicas da região, como o carimbó, e alimentos tradicionais, como kaxiri e tapioca. No encerramento aconteceu a eleição da coordenação que responderá pelo departamento de jovens indígenas do baixo Tapajós. Na região encontram-se os povos indígenas Arapiun, Apiaká, Arara Vermelha, Borari, Kumaruara, Jaraqui, Maytapu, Munduruku, Munduruku Kara Preta, Tupinamba, Tapajó, Tupaiú e Tapuia.

Descolonizar e autodemarcar

O baixo Tapajós busca alternativas para forjar conceitos vistos como indiscutíveis na modernidade, impostos pela colonização. O modelo atribuído por séculos é negado pelas juventudes que se encontraram para debater alternativas para os povos indígenas. Repudiam as propostas que se utilizaram das estruturas de poder, pensar e agir para descontruir saberes que perpassaram gerações. O “novo” modelo de educar colonizador dos não indígenas nunca refletiu as realidades e as maneiras de relações dos povos.

Nos últimos anos vários movimentos autônomos surgem e se expandem por toda a região do baixo Tapajós. Exemplo disso são as autodemarcações no baixo e médio Tapajós, amplamente discutida no encontro pelos jovens.  A Terra Indígena Maró, do povo Borari, que sofria com a invasão constante de madeireiros e com a extração ilegal de madeira da Terra indígena (TI), foi a primeira a fazer autodemarcação. Os Borari criaram uma complexa rede de estratégias para monitoramento e defesa de seu Território. Contam, principalmente, com a formação dos jovens para monitorar e fazer vigilância dos limites da TI. Lugares antes usados como ponto de apoio para madeireiros, hoje são espaços de formação para crianças e jovens, conta Odair Borari, cacique da aldeia de Novo Lugar.

O povo Tupinambá também já começou a fazer autodemarcação em seu território. No médio Tapajós os Munduruku da TI Daje Kapap Eipi, conhecida como Sawre Muybu, estão com a autodemarcação praticamente concluída. Luciane Saw Munduruku, da aldeia Sawre Muybu do mesmo território, participou do encontro e compartilhou sua experiência na autodemarcação. Na época com 11 anos, ela e outras quatro adolescentes tiverem papel fundamental com a produção de vídeos e divulgação de todo o processo de retomada dos territórios tradicionais.

Resistentes na luta

Os jovens indígenas do baixo Tapajós sofrem com a discriminação dentro da universidade, pela sociedade civil e pelos poderes públicos. Sua identidade é posta em xeque ao serem questionados: “são índios de verdade? ”. A luta assumida pelos jovens nesses espaços desconstrói a imagem idílica e estereotipada de “ser índio”. “Não é o celular e tampouco a roupa que usamos que vai mudar o fato de que somos índios. Eu nasci no movimento, cresci no movimento e vou morrer no movimento indígena”, reafirma o cacique Welton Suruí, da aldeia Itahy, povo Suruí, Marabá (PA).

Diante a negação de identidade dos povos indígenas, a cacica Ligiane Tapajós, da aldeia Lago da Praia, reitera a resistência dos povos e a luta por reconhecimento. “Nós estamos aqui, vivos e resistentes, para lutar e para reivindicar nossos direitos”, ressalta. “Reafirmamos nossos direitos presente na Constituição Federal de 1988. Viveremos de forma como percebemos o mundo”.


Fonte: Bárbara Dias, Cimi Norte II
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