30/06/2017

Para ministro da Justiça, demarcações de terras indígenas precisam cumprir requisitos de “custo benefício” ao Estado brasileiro


Torquato Jardim cumprimenta indígenas do MS em reunião na tarde de quinta-feira (29). Fotos: Guilherme Cavalli / Cimi

Por Guilherme Cavalli, da assessoria de comunicação – Cimi

Em reunião com lideranças indígenas do Mato Grosso do Sul (MS), na quinta-feira (29), o ministro da Justiça Torquato Jardim deixou claro o motivo porque foi escolhido para substituir o ruralista Osmar Serraglio. Na tarde de ontem, após ouvir as demandas das lideranças dos povos Terena, Kinikinau e Kadiweu, o jurista que assumiu o ministério responsável pela Fundação Nacional do Índio (Funai), quando questionado sobre as demandas de demarcação das terras indígenas, disse ser necessário encontrar “soluções não ortodoxas e tradicionais” para esses espaços. “Precisamos encontrar uma viabilidade técnica para as terras. Necessitamos tornar a terra útil”, defendeu Torquato.

Nomeado em meio ao avanço das denúncias de corrupção contra o presidente Michel Temer (PMDB), Torquato Jardim garantiu conhecer os “dois lados da cultura brasileira”, referindo-se a indígena e não indígena. “Já fui várias vezes a várias aldeias indígenas”. Contudo, ao atribuir valor comercial a terra, o herdeiro de uma das oligarquias mais antigas do estado de Goiás irritou caciques e lideranças que vieram até Brasília para agendas com representantes do governo.  Incansavelmente afirmou que as terras demarcadas precisam corresponder a perspectiva de “custo benefício”. “É preciso estabelecer uma relação econômica de custo benefício com a terra que justifique vocês indígenas permanecerem nelas”, ressaltou ao defender a lógica mercantil de propriedade privada.
 
O professor de direito constitucional, que antes respondia pelo Ministério da Transparência  Fiscalização e Controladoria-Geral da União, ocupa o atual cargo há três semanas e assume fielmente a pauta do governo Temer. Sua postura durante as duas horas de reunião correspondeu a lógica também assumida pelo agronegócio. Indígenas e Torquato eram antagónico inclusive na linguagem. Enquanto o grupo era direto sobre a necessidade de rever processos envolvendo demarcação das terras, o ministro da Justiça, um dos cargos mais prestigiados do governo, falava em repensar as demandas. Porém, mesmo com vocabulário recheado, ele não foi aprovado na arte do convencimento. “Será que é só mais terras que vocês precisam?”, questionou sem obter reação dos 50 índio que o observavam silenciosamente. Ao avançar na defesa dos princípios da principal bancada da câmara – a ruralista – Torquato respondeu: “A solução pode ser não mais terra no sentido físico. Pode ser bolsa de estudos em escolas técnicas, inseri-los no mercado de trabalho para serem parte do século 21”.
 


“A solução pode ser não mais terra no sentido físico. Pode ser bolsa de estudos em escolas técnicas […] para serem parte do século 21”.

A visão integracionista adotada pelo ministro da Justiça repetiu-se durante toda a reunião. Jardim insistiu na ideia que os povos indígenas devem ser "assimilados pela sociedade civil" através da mudança do modo de produção, das práticas educacionais e da revisão das demandas por terra. Além de desqualificar o modo de relação com a terra adotada pelos indígenas, ele desrespeitou aqueles que tombaram pelo chão de seus ancestrais. “Ele não entende o que é a terra pra gente”, comentou Gilson Terena. Diante do questionamento da liderança da aldeia Burity sobre a ameaça de reintegração de posse de uma fazenda incidente em sua Terra Indígena do mesmo nome, no município de Sindrolândia (MS), o substituto de Serraglio repetiu a visão utilitarista que atribui a terra. “Precisamos parar de pensar a terra pela terra. A negociação de vocês com o Congresso Nacional e com o orçamento sempre muito apertado do Ministério da Justiça pode não estar mais baseado em terra física, mas em um grãos para uma produção agriculto de grande escala, em em implementos agrícolas, em agroindústrias”.
 
O ministro da Justiça desconsiderou o questionamento das lideranças sobre a morte de Oziel Gabriel Terena, ocorrido na aldeia Burity. A Polícia Federal (PF) matou Oziel Terena, concluiu o Ministério Público Federal (MPF); a investigação, entretanto, foi arquivada na Corregedoria da PF por delegada que é esposa de comandante da operação.  As lideranças cobraram justiça. “Ninguém foi preso. Isso  ainda sangra no nosso coração e ainda não tivemos justiça”, cobra Eder Terena, representante do Conselho Terena. “Quantas vidas serão tombadas para as terras indígenas serem demarcadas? Oziel foi morto. Quantos outros precisarão ser?”, questionou Arildo Alcantara.
 
Indígenas reafirmam o porquê de suas lutas
 
Diante aos projetos de tecnificação da produção familiar indígena, da modernização das escolas para que correspondam a educação “molde século 21” e da utilização da terra como fonte produção de riquezas, as lideranças reafirmaram ao ministro as demandas que levaram a marcar o encontro. “Por mais que digam para repensar nossas demandas, nós avançaremos. Tudo o que o senhor colocou para nós não será possível se os povos indígenas não tiverem seus territórios demarcados”, sustentou Eder Terena. “Não queremos mercantilizar nossas terras, como o senhor nos propõem”.

 
Eder Terena: “Não queremos mercantilizar nossas terras, como o senhor nos propõem”.

As lideranças indígenas, no final da reunião, sustentaram suas reivindicações também apresentadas para o presidente da Funai em reunindo na última segunda-feira (26).  “Desde 2000 a estamos lutando por nosso território. Oziel tombou lá. Ali plantamos, tiramos nossos sustento e dali só sairemos se formos mortos naquele território”, sustentou Arildo Alcantara. “Estamos aqui para defender nosso território e ele não é lote para produção do agronegócio como o senhor quis nos convencer. Se hoje a justiça brasileira falha no direito indígena, iremos demarcar com as próprias mãos”.
 
Gilsom Pinheiro Terena, da Terra Indígena LaLima, município de Miranda (MS), que encontra-se em estudo para demarcação, afirmou ao ministro no findar da reunião que seus projetos desejam a morte dos povos indígenas. “As propostas que o senhor traz aponta a faca para o que é mais sagrado para o povo indígena. Nós índios não queremos riquezas. Não precisamos produzir em grande escala, como propõe. Isso é coisa para ruralistas”, argumentou irritado. “Esse ministro representa o governo e a bancada ruralista. As propostas dele pra gente são cheias de preconceito”, declarou em entrevista após a reunião.

 
Gilsom Pinheiro recusa propostas do Ministro da Justiça. "Esse ministro representa o governo e a bancada ruralista".


 

Fonte: Assessoria de Comunicação Cimi
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