24/05/2017

Funai e SPU encaminham solução, mas Justiça Federal insiste com despejo de 67 famílias indígenas para esta quinta, 25


Indígenas mantêm plantações por toda área retomada, entre casas e escombros. Fotos: Renato Santana/Cimi


Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

 

Uma nova reintegração de posse está programada contra a retomada do povo Kariri Xocó de Paulo Afonso, no sertão da Bahia. Contrariando decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, que suspendeu por 45 dias o despejo no último dia 29 de março para a busca de uma solução alternativa, cujas medidas foram providenciadas e estão em curso pela Funai e o SPU, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) comunicou ao Ministério Público Federal (MPF) que está pronta para retirar à força nesta quinta-feira, 25, 67 famílias que passaram a viver nos escombros de uma vila abandonada há 30 anos pelo Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (DNIT). A decisão pela execução da reintegração partiu de liminar da Justiça Federal de Paulo Afonso alegando que o prazo concedido pelo TRF-1 expirou.


Conforme documentos obtidos pela Assessoria Jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Funai e SPU atenderam a decisão do desembargador. Um fluxograma das ações da destinação do imóvel da União, onde está a retomada Kariri Xocó de Paulo Afonso, à Funai está em pleno desenrolar como parte do processo administrativo na SPU/BA N.º: 04941.000304/2017-54. "A decisão do TRF-1 permitiu a resolução da demanda sem a necessidade de reintegração. Pelos documentos oficiais obtidos isso aconteceu, não tem como negar. Não tem sentido uma decisão para retirar os indígenas da aldeia se há um encaminhamento", argumenta o advogado Adelar Cupsinski, do Cimi.


O desembargador Kassio Marques do TRF-1, em Brasília, suspendeu a reintegração de posse em março. Na decisão, Marques concedeu prazo de 45 dias para que a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) encontrassem uma solução para a área retomada pelos indígenas, na medida em que se trata de um patrimônio público e o DNIT demonstrou não ter interesse no local. Os órgãos estatais chegaram a uma solução depois de tratativas e deram início aos trâmites burocráticos, que seguem correndo respeitando as determinações legais. "Entendemos que esse prazo precisa ser indeterminado. Pedimos isso para as autoridades, o MPF também", destaca o cacique Jailson dos Santos Kariri Xocó de Paulo Afonso.


A nova decisão de despejo não teve a divulgação necessária diante da repercussão do ato para a vida de 170 indígenas. Foram dias em busca da confirmação, atrapalhando a defesa dos indígenas. Uma integrante do corpo técnico do MPF chegou a fazer contato com a Subseção Judiciária de Paulo Afonso para confirmar a reintegração. Conforme relatório do MPF obtido pela assessoria de comunicação do Cimi, um diretor da Subseção não identificado confirmou o despejo, mas ressaltou que não poderia conceder cópia do agendamento por não estar autorizado a dar publicidade ao ato. Questionada pela mesma técnica do MPF, a Fundação Nacional do Índio (Funai) tampouco havia sido notificada da agenda do despejo. A Advocacia-Geral da União (AGU), responsável pela Procuradoria da Funai, sequer recebeu o despacho do TRF-1 com a decisão do desembargador – só depois disso os 45 dias podem ser contados; menos ainda tomou conhecimento da nova decisão pela reintegração.  

 

"Parece que estão fazendo por debaixo dos panos, não entendemos direito. Isso gerou um desencontro de informações, parece que para confundir mesmo. Como podem despejar mulheres, crianças, idosos, um povo que para viver precisa de estar na terra sagrada, dessa maneira? Pra gente é genocídio", protesta o cacique Jailson. Para o indígena, "é muita tristeza. As autoridades estão sendo arbitrárias com um povo já sofrido por tanta violência de ser expulso cada vez de um canto diferente". O cacique explica que eles estão sobre dois hectares de uma área reivindicada que possui 170.  

 

A retomada se localiza às margens do rio São Francisco – um lugar sagrado para os povos indígenas do Submédio e Baixo São Francisco: as cachoeiras sagradas de Paulo Afonso, interrompidas pela barragem do complexo hidrelétrico construído na década de 1950. "Não estou entendendo porque tão fazendo isso com a gente. A cidade não tem o que oferecer, só nossa aldeia. São muitos anos de sofrimento, e aqui sentimos que a vida pode ser melhor na tradição, na terra, na nossa religião, na nossa cultura. Peixe fora da água se acaba. A gente é assim", diz a liderança José Francisco dos Santos Kariri Xokó de Paulo Afonso. O indígena explica que os federais estão "passando" na frente da aldeia e intimidando a comunidade.

 

A 6a Câmara de Coordenação e Revisão da Procuradoria-Geral da República (PGR), por intermédio de seu coordenador, o procurador João Akira Omoto, interveio junto à Justiça Federal no sentido de demonstrar que por mais que o prazo de 45 dias tenha expirado, uma solução definitiva está em curso – no âmbito do governo federal. Para a PGR, uma reconsideração precisa ser feita quanto ao despejo. O Procurador da República em Paulo Afonso, Bruno Jorge Rijo Lamenha Lins, entende ainda que a reintegração solicitada possui duas justificativas nada sólidas.    

 

Para o MPF, com base em farta documentação anexada nos autos, a área pertence à União – a impetrante da ação é uma empresa privada, a UZI Construtora, que alega ter a posse – e a liminar de reintegração não correspondente à terra retomada pelos indígenas. Em 2014, o DNIT manifestou à SPU não ter interesse nesta área chamada Cachoeira dos Veados, ao lado da Ponte Metálica da BR-423 – local da retomada Kariri Xocó. No entanto, a construtora impetrou liminar pela reintegração da Fazenda Tapera de Paulo Afonso. "Estou convicto e tenho total clareza de que a terra é da União. Da mesma forma que nos autos há dúvidas sobre qual a área a ser reintegrada", afirmou o procurador ainda em março.

 

Uma semana antes da reintegração, os Kariri Xocó de Paulo Afonso estiveram com o juiz de primeira instância João Paulo Pirôpo de Abreu, que mesmo entendendo que a área pertence à União, e silenciando diante da dúvida pertinente quanto à área a ser reintegrada, afirmou se tratar de uma possessória, ou seja, a construtora apresentou documentos de posse, e que certo ou errado, a função do juiz é decidir; e a decisão dele estava dada. "A gente pede socorro. Por mim, pelos meus filhos, pelo meu povo. Aqui plantamos, temos um teto, a natureza que nos oferece o contato com os encantados e a medicina da gente. Temos o rio, o rio dos peixes para comer e do Reino Encantado que existe nele", diz Rafaela Kariri Xocó. "Meus filhos me perguntam: por que não querem que sejamos felizes aqui? O que vai acontecer com o feijão, a abóbora e a melancia que a gente plantou, mamãe?".

Fonte: Assessoria de Comunicação - Cimi
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