05/05/2017

Ex-presidente da Funai afirma que foi exonerado “por ser defensor da causa indígena diante de um ministro ruralista”


Foto: Funai/divulgação

por Tiago Miotto, da assessoria de comunicação

Em entrevista coletiva dada nesta sexta (5), após sua exoneração, o agora ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Antônio Fernandes Toninho Costa, criticou a atuação parcial do ruralista Osmar Serraglio (PMDB-PR) à frente do Ministério da Justiça (MJ) e afirmou que a bancada ruralista “não só assumiu o controle das questões indígenas, mas também no Congresso Nacional”.

Costa afirmou que a Funai vive uma ditadura e que a atuação do ministro ruralista, contrária aos direitos indígenas, vem inviabilizando o cumprimento das atribuições do órgão. Ele também ressaltou que o fato de não ter aceitado nomear indicados políticos do PSC foi determinante para sua exoneração.

“Ele [Serraglio] não está sendo ministro da Justiça, porque ele está sendo ministro de uma causa que ele defende no parlamento. Isso é muito ruim para as políticas brasileiras, principalmente para as minorias. Os povos indígenas precisam de um ministro que faça Justiça”, disse Costa.

Serraglio foi autor do relatório da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 aprovada em comissão especial na Câmara dos Deputados em 2015. A proposta, considerada inconstitucional, prevê a transferência das demarcações do Executivo para o Legislativo e insere uma série de dispositivos que dilapidam os direitos territoriais dos povos indígenas e quilombolas, como o marco temporal. Na prática, a PEC 215 pretende inviabilizar demarcação de terras, abrir a possibilidade de revisão de terras já demarcadas e legalizar a exploração das terras demarcadas por não índios.

Questionado sobre o ataque contra os Gamela no Maranhão, o ex-presidente da Funai também disse que a situação pode se agravar em função da perspectiva do ministro. “A partir de agora, com essa posição do atual ministro, esses conflitos poderão ser acirrados, porque há uma proteção por parte de alguns segmentos políticos que estão dando cobertura a isso”.

Costa também se manifestou sobre a paralisação das demarcações de terras, apontando que os técnicos da Funai nunca deixaram de trabalhar, “mas todo o processo está enterrado em decisões do MJ. Eu não creio que daqui para a frente haverá evolução nesse sentido”.

No relatório Violência contra os Povos Indígenas – 2015, publicado pelo Cimi em setembro do ano passado, foram contabilizadas 47 terras indígenas aguardando a publicação de Portaria Declaratória, atribuição direta do MJ, e outras 523 dependendo de providências da Funai, subordinada ao ministério. Apesar das suas atribuições legais, Serraglio, já ministro, afirmou que “terras não enchem barriga de ninguém”.

Pela manhã, o presidente exonerado havia afirmado à imprensa que foi demitido por não se submeter ao ministro ruralista e não aceitar as indicações do  Partido Social Cristão (PSC) à Funai. O próprio Serraglio afirmou, em abril, que “a Funai é do PSC, do deputado André Moura”, líder do governo Temer no Congresso.

“[Fui exonerado] Por não ter atendido o pedido do líder do governo André Moura, que queria colocar 20 pessoas na Funai que nunca viram índios em suas vidas. Estou sendo exonerado por ser honesto e não compactuar com o malfeito e por ser defensor da causa indígena diante de um ministro ruralista”, declarou Costa.

O próprio Costa chegou à Funai por indicação do PSC, em janeiro, e antes disso trabalhava como assessor técnico do PSC em comissões do Congresso. Questionado na coletiva sobre a diferença entre a sua nomeação e a dos demais indicados pelo PSC, ele respondeu: “eu não sou filiado a esse partido, e esperava que ele pudesse honrar o seu slogan, ‘o ser humano em primeiro lugar’. Eu vim muito mais para defender as populações indígenas do que um partido político. Talvez isso tenha contrariado o modelo que estamos vivendo hoje”, afirmou.

Em nota, MJ defende violação de direitos indígenas

Em nota publicada pelo Ministério da Justiça, Serraglio acabou por reforçar as denúncias apresentadas pelo presidente exonerado. A nota critica o ex-presidente por não haver implementado um linhão de energia em terras indígenas no estado de Roraima – o que seria uma grave violação dos direitos constitucionais dos indígenas e da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estabelece o direito dos indígenas à Consulta Livre, Prévia e Informada sobre qualquer projeto que afete suas vidas e territórios.

“O que se viu foi, não só a ausência de qualquer ação, como evidente ofensa ao princípio hierárquico, uma vez que o ex-presidente da Funai publicamente reclamou da incumbência”, afirma a nota do MJ, que caracteriza a gestão de Costa como pouco “ágil e eficiente”.

Na coletiva de imprensa, Costa questionou as declarações do ministro sobre sua demissão, que teria se dado por “falta de competência”.

“Incompetência é desse governo que quebrou o país, que faz cortes de 44% no orçamento [da Funai] porque não teve competência de arrecadar recursos. Incompetência é desse governo que é incapaz de convocar os 220 concursados, incompetência é desse governo que faz cortes de funcionários e servidores na instituição”, criticou, fazendo referência ao concurso para a Funai realizado em 2016.

O ex-presidente ainda disse que a Funai vive uma ditadura que não permite a Funai executar as políticas institucionais”. “Nós estamos prestes a ver se instalar nesse país uma ditadura, que a Funai já está vivendo, criticou.

Até a tarde desta sexta (5), não havia informações sobre quem seria o novo presidente da Funai – que deve ser indicado, como atestou Serraglio, pelo PSC e chancelado pela bancada ruralista. Até lá, responderá interinamente pelo órgão o general do general do Exército Franklimberg Rodrigues de Freitas, ligado ao PSC, conforme divulgou o jornal El País.

Ano passado, o movimento indígena levantou-se contra a possibilidade de nomeação do militar para a presidência da Funai. Ainda assim, em janeiro deste ano, o militar foi nomeado para o cargo de Diretor de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da instituição, responsável, entre outras coisas, pela atuação em processos de licenciamento ambiental em projetos que afetem povos indígenas.

Fonte: Assessoria de Comunicação do Cimi
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