05/04/2017

Contra decreto de desmanche da Funai, povos indígenas ocupam sedes do órgão no RN e CE


Ocupação da CTL/Funai, em Natal (RN). Crédito da foto: Daniela Rodrigues/CRP-RN

 

 


Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

As sedes da Fundação Nacional do Índio (Funai) no Rio Grande do Norte e Ceará estão ocupadas por mais de uma dezena de povos indígenas. Os protestos, iniciados na última semana, são contra o Decreto 9.010/17, publicado em 23 de março, que fechou coordenações técnicas locais (CTL’s), exonerou servidores e forçou nomeações políticas, inclusive com ligações ruralistas, às estruturas remanescentes do órgão.

O decreto extinguiu 347 cargos da Funai e 50 CTL’s em todo o Brasil, entre elas as coordenações que atendem povos no Piauí e Rio Grande do Norte. Ambas estão ligadas à Coordenação Regional Nordeste II, com sede em Fortaleza (CE), ocupada desde o dia 20 em contrariedade à nomeação política da coordenadora Tanúsia Maria Vieira – depois de pressão política do deputado federal Aníbal Gomes (PMDB/CE).  

 

Conforme lideranças indígenas, Tanúsia é esposa de um conhecido opositor à demarcação da Terra Indígena Tapeba. "Se trata de um total desrespeito do governo federal ao Artigo 6º da Convenção 169 (da Organização Internacional do Trabalho – OIT), que trata do direito à consulta livre, prévia e informada. O governo não nos ouviu ao tomar medidas que afetam diretamente as nossas vidas", declarou Weibe Tapeba.

Na segunda-feira, 3, os povos Potiguara, Tapuia e Tapuia Paiacú ocuparam em Natal (RN) a sede da CTL. Antes de 2011, ano em que a Funai passou atender com um escritório os povos do estado, nenhum procedimento demarcatório estava em curso. Os indígenas não eram atendidos pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e tampouco tinham Educação Escolar Indígena Diferenciada.

Com a chegada da CTL, um Grupo de Trabalho está em curso para a identificação da Terra Indígena Sagi-Trabanda/Baía Formosa, do povo Potiguara, e outros quatro territórios já estão com relatórios de qualificação de demanda prontos. "Depois que a Funai chegou, veio a Sesai e um articulação de parcerias para o etnodesenvolvimento das aldeias e educação diferenciada", explica Tayse Potiguara.

A liderança indígena destaca que havia "preconceito institucional em todos os lugares contra a gente. Uma consulta no hospital pediam pra gente a comprovação de que somos indígenas. A Funai aqui trabalhou bastante esse aspecto esclarecendo as instituições da Constituição, Convenção 169", diz a Potiguara. A chegada da Funai ao RN é considerada pelos povos indígenas uma importante conquista.

Os Potiguara, Tapuia e Tapuia Paiacú estão espalhados nos territórios de Sagi-Trabanda/Baía Formosa, Catu/Canguaretama-Goianinha, Tapará/Macaíba-São Gonçalo do Amarante, Mendonças do Amarelão, Serrote de São Bento e Assentamento Santa Terezinha/João Câmara, Caboclos/Assú e Apodi. A aldeia mais afastada fica na divisa com o Ceará, a 600 km de Natal.

São pouco mais de 5 mil indígenas no RN, divididos em 1.132 famílias, que agora podem ficar sem o órgão indigenista. "Falam em cortar recursos, mas aqui só trabalhavam dois servidores. Indigenistas de verdade, que estão com a gente sempre. Muitas vezes tiram do próprio bolso para garantir o que precisamos. E para eles também: até a água da sede são os dois que bancam", revela a Potiguara.

Sem recursos, a liderança indígena explica que os servidores necessitam fazer parceiras com o governo estadual, universidades e demais parceiros para garantir atividades tradicionais dos povos e o atendimento básico às aldeias. "Combustível, alimentação. Coisas básicas a CTL precisa de apoio porque não tem verba. Então o governo quer cortar o que já estava precário", afirma.

Além da ocupação da CTL, os povos do RN estão realizando outras mobilizações pelo estado incluindo a possibilidade de fechamento de rodovias. "A gente sente que estão usando um momento do país para desmantelar a Funai. É um outro golpe. Mesmo funcionando aos trancos e barrancos, a Funai é importante pra gente. Aqui no RN temos esse exemplo. O que nossos inimigos desejam é o fim da Funai".



Ocupação à sede da Funai Nordeste II, em Fortaleza. Crédito da Foto: Caroline Leal/Grupo de Pesquisa-Unilab

 


Funai sob ataque do ministro ruralista         

O Decreto 9.010/17 foi assinado pelo ministro ruralista da Justiça, Osmar Serraglio. Conhecido por sua militância, na Câmara Federal, contra o direito à terra dos povos indígenas, sendo um dos articuladores da PEC 215 e da CPI da Funai/Incra, Serraglio declarou em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo que os indígenas deveriam esquecer as demarcações de territórios tradicionais.

A Articulação dos Povos e Organizações do Nordeste (Apoinme) divulgou um vídeo denunciando o governo federal. Outras organizações indígenas lançaram notas contra o decreto. A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) denunciou o fechamento de três CTL’s na região. A Organização dos Povos Indígenas de Rondônia, Noroeste do Mato Grosso e Sul do Amazonas (Opiroma) tomou a mesma postura.

"Não vamos aceitar que a FUNAI sirva apenas como órgão indigenista de manobra e oficializar a violação dos direitos humanos dos povos indígenas, a usurpação dos recursos naturais e minerais das terras indígenas para as empresas mineradoras e madeireiras. Não vamos permitir que os direitos dos povos indígenas sejam violados", diz trecho da nota divulgada pela Opiroma.

Demais entidades da sociedade têm demonstrado apoio aos povos indígenas em protesto contra o desmonte da Funai. Para o secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto, o objetivo do governo Michel Temer é transformar a Funai num órgão de assistência social precarizado rebaixando a política indigenista a um contexto semelhante ao da ditadura militar quando o órgão indigenista servia apenas para balizar a política genocida e assimilacionista do regime.  

"O próprio ministro ruralista disse que terra não enche barriga de ninguém. A intenção é não demarcar, não ter estrutura estatal para isso", afirma o missionário indigenista.


Para o Conselho Regional de Psicologia (CRP) do Rio Grande do Norte se trata de "um evidente processo de desmonte da política indigenista no país, permeada por interesses comerciais nas terras e recursos naturais das comunidades indígenas", conforme trecho de nota pública divulgada. O CRP possui trabalhos juntos aos povos do RN e pela vulnerabilidade dos indígenas sem a Funai no estado.  

Fonte: Assessoria de Comunicação - Cimi
Share this: