Posseiros contrariam Justiça Federal, mantêm posses ilegais e elevam tensão na TI Pankararu
Indígenas Pankararu, representantes da Funai e AGU na Justiça Federal, em Serra Talhada (PE). Fotos: Ney Pankararu
Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi
A crise que se arrasta há 30 anos na Terra Indígena Pankararu, sertão de Pernambuco, ultrapassou todos os limites. Posseiros que ocupam 20% do território tradicional, desrespeitando decisão judicial de desintrusão há décadas, têm impedido o povo de acessar um posto do Programa Saúde da Família, no município de Jatobá. "A Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) aparelhou o local para atender a população indígena. Como teve recursos da Prefeitura, os posseiros dizem que é só para atender quem não é índio", explica Sarapó Pankararu.
No último dia 14 de fevereiro, essa história teve mais um capítulo – e mais uma vez favorável aos Pankararu: a 38ª Vara da Justiça Federal de Serra Talhada determinou em reiterada decisão – a primeira é de 2003 – pela retirada dos posseiros da terra indígena. Em 14 de julho de 1987, a terra indígena foi homologada pela Presidência da República com 8.100 hectares – a primeira demarcação ocorreu na década de 1940, executada pelo então Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Em agosto do ano passado, durante a última audiência na Justiça Federal que motivou a recente decisão, sobretudo porque os posseiros se negaram a receber a indenização da Funai, 20% do território Pankararu estava tomado pelos não-índios.
São 870 ocupações para 346 famílias de posseiros (Funai, 2016). "Apenas 190 famílias residem na terra indígena, as demais possuem casas, posses aqui na terra, mas moram fora da área", explica Sarapó, que trabalha na Sesai e é integrante da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste (Apoinme). Na conta não entram os posseiros que ocupam porções da Terra Indígena de Entre Serras Pankararu, cuja demarcação é distinta.
Os posseiros que residem na terra vivem da agricultura, pois ocupam "as áreas mais planas e férteis. Nós estamos com pouca terra para agricultura, o que é péssimo para a quantidade de índios. A todo ano a população só cresce e a Terra Indígena Pankararu continua com o mesmo tamanho", pondera Sarapó. O indígena explica que como a questão é antiga, muitas famílias Pankararu se espalharam pelos municípios do entorno – Jatobá, Petrolândia e Tacaratu.
"Hoje não vivemos tanta violência por conta desse conflito. Temos receio que com a negativa dos posseiros em sair isso possa voltar, como no passado. Naquele tempo as famílias rumavam muito pra São Paulo. Lá formaram a aldeia Pankararu mais conhecida fora de Pernambuco, na Favela Real Parque, com 2.500 indígenas", afirma Sarapó. Comunidades periféricas em Minas gerais, Alagoas e Bahia também contam com populações Pankararu. Em todos os casos as práticas tradicionais ocorrem.
Para Sarapó, os posseiros usam a desculpa de que os valores determinados para as indenizações são baixos. O indígena argumenta que se eles "pretendem discutir os valores das benfeitorias, devem fazê-lo fora da terra indígena, porque a terra indígena deve ser destinada ao usufruto exclusivo dos povos indígenas".
Audiência de conciliação entre os Pankararu e posseiros
Justiça determinou, mas não cumpriu
Entre 1995 e 1998, cerca de 153 ocupantes não-índios saíram do território. Dois anos antes, em 1993, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou a primeira ação na 38ª Vara da Justiça Federal de Serra Talhada pela retirada dos posseiros. Por mais que tenha incentivado a saída legal destes ocupantes, a ação do MPF só em 2003 um sentença reconhecendo os direitos territoriais dos Pankararu, e determinando a retirada dos posseiros, foi concedida. A União e o Incra recorreram.
O Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª Região rejeitou os recursos. A mesma postura adotou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) – em 2010 a decisão transitou em julgado, e a Funai constituiu em 2012 um Grupo de Trabalho para atualizar os valores das benfeitorias decorrentes da ocupação de posseiros. Em 2013, o valor definido pela equipe técnica da Funai para o pagamento das indenizações totalizou R$ 5 milhões. Havia orçamento, o dinheiro foi separado, mas não até agora ninguém quis acessá-lo.
"Se recusaram a receber tais indenizações. O recurso foi depositado em uma conta judicial e os posseiros pretendem seguir ocupando a terra Pankararu, configurando total desrespeito à decisão da Justiça", protesta o cacique Pedro Monteiro da Luz Pankararu. Desde então os Pankararu vivem em peregrinação buscando que as decisões judiciais sejam cumpridas. "Todo o procedimento legal foi feito, a Justiça atestou e o dinheiro está disponível".
Durante o ano passado, os Pankararu se empenharam para chegar a um desfecho. Em abril, as lideranças do povo, Advocacia-Geral da União, Funai e a Apoinme estiveram na 38ª Vara Federal para solicitar esclarecimentos e solicitar o cumprimento da sentença. Uma audiência foi agendada para o dia 17 de maio com a presença das partes envolvidas. Os posseiros se mantiveram irredutíveis. Mais duas audiências de conciliação ocorreram nos dias 5 de julho e 16 de agosto.
"Todas marcadas pela resistência dos posseiros que insistem em desafiar a Justiça se negando a sair de livre e espontânea vontade, recebendo os valores ajuizados", destaca Sarapó. Na análise dos Pankararu, os posseiros usam de articulações políticas e assim os anos passam e eles ficam sobre a terra indígena. "A recuperação das terras é fundamental para garantir a sustentabilidade de nossas famílias e fortalecer nosso modo próprio de vida", diz o cacique Pedro Pankararu.