Com uma dezena de despejos em 2016, Pataxó ataca marco temporal: “Nega violência sofrida pelos indígenas”
Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi
No início deste mês, 30 famílias Pataxó da aldeia Aratikum, no extremo sul baiano, retornaram para a área tradicional de onde foram expulsas em outubro. Estavam às margens da BR-367 com crianças e anciãos até a nova retomada. A decisão da Justiça Federal de Eunápolis pelo despejo atendeu o pedido da proprietária, que vive entre Curitiba (PR) e os Estados Unidos. Os Pataxó estão presentes na região desde a invasão portuguesa, em 1500.
O episódio ilustra de forma precisa um ano com ao menos uma dezena de reintegrações de posse contra os Pataxó – ao menos cinco acabaram executadas. Em carta divulgada nesta quarta-feira, 14, ao conjunto da sociedade, os Pataxó denunciam a "situação de vulnerabilidade social em que se encontram os mais de 20.000 índios no entorno do Monte Pascoal. Estamos em mobilização nacional denunciando o programa neoliberal dos governos, com apoio e aval dos poderes Legislativo e Judiciário".
Se 2016 para os Pataxó e os demais povos indígenas do país se tratou de um ano de intensa violência e racismo institucional, nada indica que será diferente em 2017. "A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55 representa a intensificação do processo de sucateamento de políticas públicas para efetivação de direitos fundamentais", diz trecho da nota dos Pataxó. A Fundação Nacional do Índio (Funai) terá no próximo ano o pior orçamento em 14 anos, e só deverá piorar pelas duas décadas adiante.
Diante da conjuntura envolvendo ainda um decreto trabalhado pelo governo na surdina – que pode impedir a demarcação de 80% das terras indígenas em processo, com a adoção do marco temporal – os Pataxó atacam: "Presente nas 19 condicionantes do caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, o marco temporal vem sendo usado para inviabilizar a demarcação e revisão de limites de territórios indígenas, violando a Constituição e os tratados internacionais, ao mesmo tempo que nega a violência sofrida pelos povos e comunidades tradicionais no processo de esbulho de suas terras".
No que tange as demarcações, a preocupação entre os Pataxó é grande porque já convivem com a ausência delas na região. "O assédio imobiliário existe na região, atrativa pro turismo. Agora nós entendemos que a morosidade do governo em demarcar as terras permite essa instabilidade jurídica", explica o presidente da Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia, cacique Aruã Pataxó.
Reintegrações: parte da estratégia
Conforme os Pataxó, a possibilidade de um decreto nocivo às demarcações e as medidas legislativas contra o direito territorial, caso desses últimos anos em que a PEC 215 teve centralidade no ataque da bancada ruralista contra os indígenas, fazem parte de uma estratégia que envolve o Judiciário com a enxurrada de pedidos de reintegração de posse.
Denunciam, portanto, "a atuação do Poder Judiciário na concessão de medidas liminares de reintegração de posse nas áreas de retomada dentro dos territórios tradicionais". E associam aos despejos a "criminalização de lideranças de comunidades indígenas, pescadores e quilombolas por parte do ICMBIO nas áreas de sobreposição de unidades de conservação de proteção integral sobre territórios tradicionais".
Somente na Terra Indígena Comexatiba, antiga Cahy-Pequi, foram três reintegrações de posse determinadas pela Justiça Federal contra os Pataxó. Todas a pedido do Instituto Chico Mendes de Conservação Ambiental (ICMBio), administrador do Parque Nacional do Descobrimento (PND), incidente sobre a terra indígena. Em 2015, foram outros dois pedidos de despejo do ICMBio. Instâncias superiores derrubaram as liminares.
A mesma situação de conflito com o órgão governamental repete-se na Terra Indígena Barra Velha. Esta outra área Pataxó, em cujo território incide o Parque Nacional Monte Pascoal, passa por um processo de revisão de limites. Por isso, no final do mês de fevereiro, entre as diversas atividades em Brasília, os Pataxó participaram de uma reunião no Ministério do Meio Ambiente para dialogar com o governo uma solução ao conflito.
Se o governo não resolve questões internas a ele, com terceiros envolvidos a situação segue em aberto. “Era uma terra improdutiva quando retomamos, em 2013. Essa mulher e o marido, um norte-americano, que não vivem aqui, se dizem donos. Fizemos uma escola, casas e nossas roças. O artesanato complementa a renda das famílias”, disse o cacique José Ailton durante o despejo da Aratikum. No último mês de julho, uma delegação Pataxó esteve em Brasília para reivindicar a efetivação da aquisição pela Funai da Aldeia Aratikum.
O diálogo esperado, envolvendo a demarcação das terras, ficou longe de acontecer – tanto no governo da presidente Dilma Rousseff quanto no de seu algoz, Michel Temer. Novas reintegrações foram baixadas pela Justiça Federal de Eunápolis, inclusive com o uso de força policial para retirar 500 famílias das aldeias Morapé 1 e 2, Nova Coroa, Tapororoca, Txica Mayruá e Novos. As seis aldeias ocupam 3 mil hectares dos 5 mil reivindicados pelo povo Pataxó como parte da revisão de limites da Terra Indígena Coroa Vermelha.
Conforme o Banco de Terras do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), na Bahia existem 34 terras indígenas: dez encontram-se com o procedimento demarcatório inconcluso, parado em alguma etapa, e sete estão sem nenhuma providência administrativa de demarcação. Outras dez estão registradas, última etapa do processo, seis reservadas (adquiridas pelo governo) e uma dominial.