21/11/2016

Comunidades educacionais do sul da Bahia realizam etapa local da II Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena



Apesar de chuvas torrenciais que se abateram sobre o sul da Bahia, as comunidades educacionais dos povos Pataxó Hã-hã-hãe e Tupinambá de Olivença realizaram a etapa local em preparação à II Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena (CONEEI) – a ser realizada até o mês de agosto de 2017.  

Mais de 150 representantes participaram, entre educadores e educadoras, estudantes, funcionários(as), lideranças dos dois povos. Participaram também representantes de instituições e autarquias governamentais e não governamentais: Núcleo Regional de Educação (NRE-5), Conselho Municipal de Educação de Ilhéus, Secretaria de Educação do Município de Ilhéus, Secretaria de Educação do Estado, União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme), Instituto Federal da Bahia (IFBA), Coordenação de Educação Escolar Indígena da Bahia, Fundação Nacional do  Índio (Funai)/Sul da Bahia, e da entidade de apoio Conselho Indigenista Missionário (Cimi)/Equipe sul da Bahia. O encontro realizou-se nos dias 15 e 16 de novembro de 2016, no Centro de Recreação Cristã, no quilômetro 30 da Rodovia Ilhéus – Una.

O tema motivador do evento “O Sistema Nacional da Educação e a Educação Escolar Indígena: Regime de Colaboração, participação e autonomia dos Povos Indígenas” foi abordado pela professora Gilvânia Nascimento, presidenta da Uncme. O professor José Carlos Tupinambá falou um pouco sobre os 05 eixos: I- “Organização e Gestão da Educação Escolar Indígena”; II – “Práticas Pedagógicas Diferenciadas na Educação Escolar Indígena”; III – “Formação e Valorização dos Professores Indígenas”; IV – “Políticas de Atendimento à Educação Escolar Indígena na Educação Básica”; V – “Ensino Superior e Povos Indígenas”. Estes foram os eixos que motivaram os trabalhos em grupos e que duraram toda o dia 16. Ao final das reflexões, foram apresentadas uma série de propostas que serão levadas para a Etapa Regional da II CONEEI. Essas propostas – organizadas pelos respectivos eixos – encontram-se no documento final da Conferência.

Foram escolhidos 24 delegados das 30 vagas reservadas às comunidades educacionais, faltando a apresentação os delegados das comunidades Serra do Padeiro/Tupinambá (5) e Nova Vida/Pataxó Hã-hã-hãe (1). O critério de escolhas foi por municípios, ficando assim definido: Ilhéus e Buerarema = 19, (Sapucaeira – 9; Acuípe de Baixo – 5; Serra do Padeiro -5). Camacan, Pau Brasil e Itajú do Colônia = 10; Camamu = 01 (Nova Vida).

Vale ressaltar o esforço e esmero da comunidade do Acuípe de Baixo, anfitriã do evento, e da Comissão Organizadora que não mediu esforços para garantir, uma excelente infraestrutura, acolhida, alimentação de qualidade, envolvimento da comunidade local, e uma maravilhosa decoração dos locais de trabalho.

O evento foi muito propositivo e extremamente positivo. Apesar das chuvas, a representatividade foi importante para garantir reflexões fundamentais para o fortalecimento das comunidades educacionais dos povos presentes.

As reflexões não se fecharam só no tema da Educação, mas foram bem mais amplas, fazendo links com a luta pela terra, a espiritualidade dos povos, a criminalização das lutas e das lideranças. Foram também discutidas as ameaças que pairam sobre as comunidades indígenas de todo o Brasil e quais as relações que as mesmas têm com a Educação Escolar Indígenas. A PEC 55, antiga PEC 241, foi a mais abordada em todos os grupos de trabalhos, e motivo de muita indignação e votos de repúdio. Ao mesmo tempo havia muita disposição e vontade de construir ações e atividades que não só venham a fortalecer e consolidar uma educação diferenciada e de qualidade para as comunidades, mas que também contribuam na construção de projeto de vida dos povos Pataxó Hã-Hã-Hãe e Tupinambá.

Todas estas reflexões podem ser constatadas na “Carta do Acuípe”, instrumento político onde está sintetizada a riqueza do evento.

Na educação, nenhum direito a menos!

Leia a carta do Acuípe na íntegra:

CARTA DO ACUÍPE

Nós, cerca de 150 representantes das comunidades educacionais (Professores (as), Estudantes, Funcionários (as), Lideranças) dos Povos Pataxó HãHãHãe e Tupinambá de Olivença e mais representantes de Instituições governamentais e Entidades parceiras durante os dias 15 e 16 de novembro de 2016, no Centro de Recreação Cristã -CECRE, localizado no quilômetro 30 da Rodovia Ilhéus x Una, realizamos a etapa local da II Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena (II CONEEI), com  o tema: “O Sistema Nacional da Educação e a Educação Escolar Indígena: Regime de Colaboração, participação e autonomia dos Povos Indígenas”.

Após as reflexões das mesas nos organizamos em grupos e a partir da reflexão dos 05 eixos: I- “Organização e Gestão da Educação Escolar Indígena”; II – “Práticas Pedagógicas Diferenciadas na Educação Escolar Indígena”; III – “Formação e Valorização dos Professores Indígenas”; IV – “Políticas de Atendimento à Educação Escolar Indígena na Educação Básica”; V – “Ensino Superior e Povos Indígenas”. Percebemos que vivenciamos no Brasil um momento extremamente delicado e ainda mais perigoso para as nossas comunidades, se antes em um dito governo democrático e eleito por nós a realidade da educação pública, já estava de modo geral, sendo motivo de ampla insatisfação, por parte de alunos, pais e educadores, e quando o assunto era a educação escolar indígena, a situação é expressivamente mais grave, o quadro agora pode piorar.

Apesar de uma ampla legislação, nacional e internacional, que nos garantem o direito a uma educação específica, diferenciada, intercultural e bilíngue, as nossas comunidades não veem estes direitos implementados na prática.

Alguns dos principais problemas que constatamos são: a péssima estrutura física dos prédios (mal construídos, sem manutenção, com problemas estruturais, em total desacordo com os padrões culturais dos povos); a situação de interinidade dos professores, que trabalham, muitas vezes, sem receber remuneração; o desrespeito às diferenças e especificidades culturais e sociais dos povos; e a falta de material pedagógico didático e paradidáticos específicos; além de problemas em relação à alimentação e ao transporte escolar. Estes são apenas alguns dentre os muitos que conseguimos abordar.  Nós sugerimos e exigimos um sistema próprio para a educação escolar indígena, no qual haja autonomia financeira, curricular, administrativa e política. Porque hoje o que o governo apresenta para a gente é um modelo de sistema que não serve para nós. Pois ele está totalmente construído para as escolas não indígenas e vem sendo imposta para que as nossas comunidades trabalhem dentro do mesmo sistema

Neste sentido queremos referendar e cobrar a implementação imediata das resoluções e encaminhamentos definidos durante a realização da I CONEEI, ainda em 2009, até hoje não concretizadas.  Continuaremos lutando por uma educação, pelo direito aos nossos territórios tradicionais, pela garantia de uma sobrevivência justa, sem conflitos. Apresentamos uma série de propostas visando superar todos estes desafios, as mesmas se encontram detalhadas no documento final da nossa Conferência.

Repudiamos todas as formas de exclusão dos direitos já conquistados e garantidos nas legislações deste País com intuito de violar e retirar os direitos fundamentais do ser humano (PEC 55), em especial os direitos dos povos indígenas tão duramente conquistados (PEC 215, Portaria 303, Interpretação do Marco Temporal, entre outros). Repudiamos a criminalização das nossas lideranças, legítimos defensores dos direitos indígenas, assim como repudiamos a judicialização das nossas lutas, pois lutar pela sobrevivência é a única opção que nos restou frente à violência colonial que abate e confina os nossos povos ameríndios nestes 516 anos. A voz dos conquistadores se faz ouvir diariamente em todas as práticas e legislações injustas em todas as esferas do poder: Legislativo, Executivo e Judiciário.

Por fim, ressaltamos que qualquer reforma administrativa e política que venha retirar direitos conquistados pelos nossos antepassados e lideranças contribui para o massacre que nosso povo sofre diariamente, não será aceita por nós, educadoras e educadores e lideranças indígenas. Aproveitamos para repudiar mais uma vez a PEC 241, agora transformada em PEC 55. Convidamos e solicitamos o apoio da sociedade brasileira e internacional a se somar nesta nossa justa e longa luta por garantia de nossos direitos, que já duram 516 anos.

Com a força dos nossos encantados e com o barulho de nossos maracás, ousamos dizer: Iandê Eparabyky Guarînî (Vamos trabalhar Guerreiros -as)

Território Tupinambá

Acuípe do Baixo/Ilhéus, 16 de novembro de 2016.


Fonte: Por Haroldo Heleno, Cimi Regional Leste - Equipe Sul da Bahia
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