Ministro da Educação criminaliza professora Pretinha Truká e contraria a Constituição Federal, diz Copipe e Cimi
Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi
No final da semana passada, uma foto (acima) de estudantes indígenas gerou uma onda de criminalizações contra a liderança, professora e intelectual da Comissão de Professores e Professoras Indígenas de Pernambuco (Copipe), Pretinha Truká. Ataques racistas partiram de colunistas de periódicos privados, além do próprio ministro da Educação, Mendonça Filho.
Mais imagens passaram a ser usadas pelos detratores. Apoiadores do Projeto de Lei da Escola com Mordaça trataram de alçar a indígena à imagem icônica de uma falsa índia que se apresenta com um nome falso – Pretinha é registrada como Edilene Bezerra Pajeú – e que usa crianças como escudos humanos para fins esquerdistas.
Nas imagens, crianças seguram cartazes de protestos contra as Propostas de Emenda à Constituição (PEC) 241, agora no Senado Federal como 55, a chamada PEC da Morte, e a 215, aquela que pretende entregar para o Congresso Nacional as demarcações de terras indígenas, quilombolas e criação de áreas de conservação ambiental.
Pretinha Truká circulou as imagens em um grupo de WhatsApp do Fórum Nacional de Educação, no qual é integrante representando a Copipe. Os registros foram feitos durante atividades pedagógicas em escolas dos 12 povos indígenas de Pernambuco.
O administrador de empresas Mendonça Filho, levado ao cargo de ministro da Educação por Michel Temer, logo entrou no linchamento contra Pretinha. Ao Jornal do Commércio, tratou como “deplorável” as fotos, pediu providências ao Ministério Público Federal (MPF) e afirmou que Pretinha Truká é “uma pessoa despreparada”.
Mendonça Filho completou que Unesco e ONU “há de concordar que isso é uma coisa inadmissível e deplorável”. No último mês de outubro, a relatora especial sobre os direitos dos povos indígenas da ONU Victoria Tauli-Corpuz se posicionou sobre o que é de fato inadmissível e deplorável no Brasil.
Durante Assembleia da ONU, Victoria ressaltou que mudanças na conjuntura política do país "consolidaram ainda mais os interesses e o poder da elite econômica e política, em detrimento dos direitos dos povos indígenas", referindo-se à queda de Dilma Rousseff pela manobra parlamentar que levou ao impeachment da presidente.
A Constituição Federal, no artigo 210, assegura às comunidades indígenas processos próprios de aprendizagem e garantia da prática do ensino diferenciado em suas escolas. Já a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, assegura que a educação escolar para os povos indígenas deve ser intercultural e de reafirmação de suas identidades étnicas.
Para o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em nota técnica (leia abaixo), a legislação nacional garante "todo um arcabouço jurídico-administrativo que regulamenta a autonomia dos projetos político-pedagógicos (PPP), o que implica necessariamente no direito que cada povo tem de deliberar sobre os conteúdos e as formas próprias de ensinar”.
Em respeito ao que diz a Constituição Federal, e infelizmente expondo o ridículo que o país passa com um ministro da Educação que pouco conhece a legislação vigente, deixamos na íntegra a nota da Copipe em defesa de Pretinha Truká e da Educação Escolar Indígena Diferenciada.
Nota da Copipe em solidariedade à professora Pretinha Truká
“Educação é um direito, mas tem que ser do nosso jeito.”
O movimento pela educação escolar indígena, específica, diferenciada, intercultural e de qualidade, formado pelos 12 povos indígenas de Pernambuco, vem a público manifestar seu repúdio contra as agressões sofridas por nossa companheira Edilene Bezerra Pajeú e manifestar apoio incondicional a esta guerreira incansável e incorruptível. As acusações caluniosas de que nossa querida amiga “usou nossas crianças como escudo humano contra a PEC 241”, só poderia partir de pessoas ignorantes, totalmente desconhecedoras das formas de vida dos povos originários do país.
Nas nossas culturas as crianças ocupam lugar de destaque, por esse motivo participam de todos os espaços de socialização da vida, seja na esfera religiosa, política, econômica ou social. Nossos sistemas tradicionais não admitem a exclusão social e nem geracional. Por isso, em nossas aldeias não existe a categoria do “menor abandonado”, entre nós não há crianças de rua. Todas elas têm um lar. Nas nossas sociedades as crianças são respeitadas, protegidas, amadas, ouvidas, e suas demandas são acolhidas, especialmente naquilo que lhes diz respeito. Também são muito bem informadas sobre a nossa realidade e principalmente sobre os acontecimentos políticos que afetam nossas vidas. Portanto, as crianças que estão nas nossas escolas não são manipuladas, mas sim educadas a partir do chão da aldeia, no lugar aonde vivem. Nossas escolas formam pessoas para pensar criticamente, para valorizar e fortalecer nossa identidade. Essas crianças são nossas (os) filhas(os), primos(as), sobrinhas, irmãos, irmãs. Ou seja, são nossos parentes, membros de uma mesma família.
No momento atual o Brasil está vivendo uma situação muito difícil, nossos direitos estão ameaçados, a democracia está em risco. Nós, os povos originários desse país, vivemos sob um clima de permanente tensão, pois a cada momento poderemos ser surpreendidos por alguma determinação governamental que impacta profundamente as nossas vidas, a exemplo da portaria 1907, do Ministério da Saúde, publicada no dia 17 de outubro. Com uma canetada só o governo federal pretendia extinguir o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, uma vez que usurpava a autonomia dos Distritos Especiais de Saúde Indígena. Mas graças à nossa capacidade de mobilização, inclusive com ampla participação de nossas crianças, adolescentes e jovens, o governo se viu obrigado a revogar a famigerada portaria.
Além dos ataques contra nossos direitos protagonizados pelo poder Executivo, também sofremos ataques do Judiciário e do Legislativo, basta considerar as tantas decisões judiciais que favorecem os invasores de nossos territórios tradicionais país a fora e as dezenas de proposições legislativas que pretendem subtrair nossas garantias constitucionais, a exemplo da PEC 215, a grande arma utilizada pela bancada ruralista na pretensão de acabar com nossos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupamos. Como se não bastasse, o órgão indigenista oficial (FUNAI) corre o risco de ser administrado por um militar ou por um fundamentalista religioso. E ainda paira no ar, como mais uma ameaça, a proposta da Escola sem Partido, com a pretensão clara de amordaçar as professoras e professores do país. Tudo sendo feito sem qualquer consulta prévia aos povos indígenas, como determina a Convenção 169 da OIT.
Nesse contexto, a PEC 241/55 se apresenta como mais um ataque contra nossos direitos, uma vez que corta investimentos públicos na saúde e educação. É mais um decreto de morte contra os pobres desse país, dentre eles nós, as primeiras vítimas do império de extermínio que foi implantado com a colonização europeia e perdura até os tempos atuais. É dever moral nosso manter nossos filhos e filhas informados sobre todas as ameaças que atentam contra nossas vidas. Somente assim poderão permanecer vigilantes, somente assim poderão resistir contra nossos inimigos, aqueles que nos perseguem, castigam e assassinam por mais de cinco séculos. Portanto, para nós é uma questão de sobrevivência. Lutamos para continuar a viver.
Foi por esse motivo que as lideranças de nossos povos recomendaram que todas escolas indígenas de Pernambuco dedicassem um dia de estudo com todos os alunos (crianças, adolescentes e jovens) para entender as consequências da PEC 241/55 para nossas comunidades. Portanto, nesse dia estivemos participando 1.498 professoras e professores, mobilizamos 142 escolas, num total de 13.262 estudantes. Por essa razão, nos causa grande estranheza que o Sr. Ministro da Educação, Mendonça Filho, em entrevista concedida aos veículos de comunicação tenha se referido apenas à nossa companheira Edilene Pajeú, por nós carinhosamente chamada de Pretinha Truká. Mais estranho ainda é que sua fala tenha sido pautada por um jornalista de reputação duvidosa, representante de uma revista reconhecidamente porta-voz oficial da direita brasileira e dos inimigos históricos dos povos indígenas. Diante disso, nada de bom poderemos esperar desse governo. Nossa companheira não está sozinha Sr. Ministro, Todos Nós somos Pretinha Truká, Todos Nós somos Edilene Pajeú.
Não nos calaremos, nenhum direito a menos, queremos um governo democrático eleito pelo povo.
Território Pankará, município de Floresta, Pernambuco, 06 de Novembro de 2016
COPIPE – Comissão de Professores Indígenas de Pernambuco
CIMI: Nota de apoio à professora e liderança indígena Edilene Bezerra Pajeú, a Pretinha Truká, e ao direito à Educação Escolar Indígena
O Conselho Indigenista Missionário vem a público manifestar apoio à professora e liderança indígena Edilene Pajeú, conhecida por Pretinha Truká, que tem sido criminalizada através de matérias veiculadas pela revista Veja, Agência Brasil, Jornal do Commercio (PE) e demais veículos de comunicação que a acusam de “indução de crianças a um determinado pensamento político” (sic). O que denunciam estes meios de comunicação? O trabalho pedagógico de formação das crianças e jovens da educação básica acerca do Projetos de Emenda Constitucional (PEC 241/55) e de Projetos de Lei (PL) em tramitação no Congresso Nacional, os quais subtraem direitos sociais assegurados na Constituição Federal de 1988.
Em nota pública, o movimento pela educação escolar indígena em Pernambuco responde aos ataques à professora Edilene Pajeú, respeitada liderança do povo Truká (PE), afirmando que as atividades pedagógicas foram realizadas nas escolas de 12 povos indígenas no estado, pois “ nas nossas culturas as crianças ocupam lugar de destaque, por esse motivo participam de todos os espaços de socialização da vida, seja na esfera religiosa, política, econômica ou social” (sic) e reiteram: “ Educação é um direito, mas tem que ser do nosso jeito”.
Os argumentos desqualificados e vilipendiosos veiculados, intencionalmente ignoraram a informação de que no Brasil, a defesa do direito à educação escolar com autonomia pedagógica alicerçada na cultura, na história e nos projetos societários é uma luta coletiva do movimento de professores e professoras indígenas no Brasil, respaldada pela Constituição Federal de 1988. O artigo 210, assegura às comunidades indígenas, no Ensino Fundamental regular, o uso de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem e garantia da prática do ensino bilíngüe em suas escolas. Além da Carta Magna, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, nos artigos 26, 32, 78 e 79 assegura que a educação escolar para os povos indígenas deve ser intercultural e bilíngue para a reafirmação de suas identidades étnicas, recuperação de suas memórias históricas, valorização de suas línguas e ciências, além de possibilitar o acesso às informações e aos conhecimentos valorizados pela sociedade nacional. A partir desta legislação está vigente (ainda) todo um arcabouço jurídico-administrativo que regulamenta a autonomia dos seus projetos político-pedagógicos, o que implica necessariamente no direito que cada povo tem de deliberar coletivamente sobre os conteúdos curriculares e as formas próprias de ensinar.
Com base na legislação nacional, podemos afirmar então que, toda vez que um/uma professor/professora indígena tem sua autonomia pedagógica interditada, classificada como “deplorável e inaceitável” nas palavras do Sr.Ministro da Educação Mendonça Filho, é o Estado brasileiro que deve ir para a mira do Ministério Público Federal por impor um ambiente político-ideológico que é inconstitucional. A denunciada “ lição ideológica” praticada neste caso é ministrada secularmente pelo Estado por meio de projetos educacionais de dominação com efeitos de poder epistemicidas.
O que o Sr. Ministro da Educação Mendonça Filho parece desconhecer a legislação educacional brasileira que assegura aos povos indígenas a educação escolar específica, diferenciada e intercultural. Considerando a conjuntura nacional de supressão da liberdade e dos direitos sociais (referimo-nos diretamente à decisão do STF de 27/10/2016 que proíbe o direito de greve dos servidores públicos e à PEC 241/55), da “escola com mordaça” (PL nº 867/2015) e da criminalização dos/as professores/as deste país, a exemplo do que ocorreu a Edilene Truká, é necessário e urgente voltar o olhar para a história indígena neste continente para uma compreensão adequada do que está por trás desta criminalização.
Apoiamos incondicionalmente os desejos e práticas do movimento de educação indígena no país que nutre desejos de ir além das estruturas de desigualdade combatendo poderosos discursos e projetos hegemônicos, antidemocráticos e que procuram desvalorizá-los ou até destruí-los.
Conselho Indigenista Missionário – Cimi
Brasília, 08 de novembro de 2016