“Precisamos ser desobedientes como opção pedagógica”, diz Gersem Baniwa na abertura do II Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena
Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi
Diante de um futuro inseguro, resta aos povos indígenas a desobediência. Para o educador e intelectual indígena Gersem Baniwa, na fala de abertura do II Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena, na Universidade de Brasília (UNB), “precisamos ser desobedientes como opção pedagógica. Temos de ser teimosos, insistentes. Ninguém no Brasil mais sabe lutar e resistir às adversidades do que os povos indígenas”.
Afinal, lá se vão quase 517 anos – massacres após massacres. A escola indígena, portanto, se tornou mais um espaço de resistência. “Para plantar e colher, o índio precisa de três coisas: saúde, terra e conhecimento. Não é possível falar em Educação Escolar Indígena sem demarcação de terras e direito à saúde”, diz o professor Gilmar Veron Terena. O contexto político do país neste II Fórum explica as análises.
Com o tema ‘Por uma Educação Escolar Indígena Descolonial e Libertadora’, os povos indígenas vivem o que Sônia Guajajara, liderança da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), chamou de “intensificação de ataques aos direitos nos Três Poderes da República”. Para a Guajajara, a escola indígena precisa debater e se aprofundar na luta dos povos por seus direitos.
Além da Portaria 1907 do Ministério da Saúde que retirou a autonomia da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), e revogou o princípio de descentralização do Subsistema de Saúde Indígena, Sônia Guajajara cita a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, a PEC da Morte, “que irá congelar investimentos em saúde e educação dos indígenas e dos brancos. Isso compromete nossas crianças e jovens”, afirma a liderança da Apib.
O presidente substituto da Fundação Nacional do Índio (Funai), Agostinho do Nascimento Netto, presente na abertura do evento, ouviu a liderança indígena, mas em sua fala não fez referências aos ataques sofridos pelos povos indígenas ou aos projetos do governo Michel Temer. Tampouco se pronunciou sobre demarcações, e se reservou a uma fala ressaltando que cumprirá no cargo com o que diz a Constituição Federal.
Nas falas iniciais do II Fórum, que ocorre até o próximo sábado, 29, o desejo por uma educação de fato diferenciada – protagonizada pelas epistemologias indígenas, por seus conhecimentos próprios – evidencia o que ainda precisa ser conquistado pelos povos. “O capitalismo está acabando com nosso modo de viver. Eu deitava no colo do tio para olhar as estrelas, e hoje elas estão se apagando”, enfatiza Paulo Paiakan, do povo Kayapó.
Do ponto de vista da resiliência a tais ‘invasões bárbaras’, o II Fórum já está mais abrangente em relação ao primeiro. Se no ano passado 150 indígenas se reuniram para discutir a educação escolar indígena, este ano, até a tarde desta segunda, 24, cerca de 300 já estavam presentes no Campus Darcy Ribeiro, da UNB. “Vamos avaliar a política pública de educação escolar indígena. Precisamos reafirmá-la e dizer que ela precisa ser do nosso jeito”, salienta Teodora de Souza Guarani e Kaowá.
Na abertura do II Fórum os povos apresentaram o que deverá ser uma ‘invasão’ nas escolas públicas de Brasília: danças e demais apresentações culturais. Na Capital Federal vivem 6.602 indígenas (IBGE, 2010). A intenção é sensibilizar e apresentar aos estudantes os povos indígenas, seus modos e costumes. Para os educadores indígenas,a Lei 11.645, que coloca o ensino da história dos povos indígenas no currículo das escolas, precisa ser efetivada para fazer o que as instituições públicas não fazem: combater o preconceito e a desinformação sobre as populações originárias e tradicionais do país.
“Recebemos regularmente denúncias de discriminação desses indígenas, que são de vários povos. Em um caso a professora proibiu uma criança de falar o que ela chamou de língua do demônio, que é a língua do povo desse estudante”, denuncia Júnior Xukuru, da Secretaria da Igualdade Racial e de Gênero do Governo do Distrito Federal. “O Estado brasileiro precisa entender e apoiar os processos próprios de Educação Escolar Indígena. Ela é diferenciada, não pode ser a do branco”, completa Sônia Guajajara.
O Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena é uma atividade permanente e tem como objetivo empoderar os povos indígenas nas discussões junto ao Estado. Sobretudo, avaliar e interferir na implementação da Política Nacional de Educação para os Povos Indígenas, incluindo a presença dos estados e municípios que possui também planos próprios para a área.