Rede Eclesial PanAmazônica aprofunda Encíclica Laudato Si às margens do Rio Tocantins
Foto: Sara Sanchez/Cimi
Foi realizado de 07 a 09 de outubro deste ano no Centro de Treinamento de Lideranças, em Miracema do Tocantins, o Seminário da Rede Eclesial PanAmazônica – REPAM. O encontro teve como objetivo aprofundar o estudo da Encíclica Laudato Si do Papa Francisco sobre o cuidado da Casa Comum, o fortalecimento da REPAM nas dioceses da Amazônia Legal e reforçar o comprometimento da Igreja diante dos graves desafios socioambientais que ferem a Amazônia, o Cerrado e seus povos.
Fomos interpelados constantemente pelas águas do rio Tocantins, que pareciam um lamento e grito de socorro, rio que corria impetuoso, e agora, afloram ao longo do seu leito as feridas abertas, por um modelo de desenvolvimento predador e mercantilista.
Foram chegando desde todos os cantos do Tocantins, camponeses, quilombolas, pescadores, indígenas, quebradeiras de coco babaçu, padres, religiosas, religiosos, gente da cidade, bispos, pastorais e movimentos sociais, organizações, organismos e convidados, povo que luta e sonha com uma Casa Comum protegida, livre das ameaças do agronegócio e das ambições do capital.
A celebração de acolhida, fazendo memória das belezas do Tocantins, aqueceu e foi à introdução para a mensagem dos bispos do Regional da CNBB Norte 3 e dos representantes do MPF, do Naturatins e do INCRA, na noite de abertura.
Dom Philip, presidente da CNBB Norte 3, agradeceu a presença de todos os participantes e incentiva a todos para que como Igreja assumamos o compromisso da defesa da Amazônia, e sigamos o testemunho e os passos do Pe. Josimo Tavares, mártir que tombou em defesa do povo da terra. Já Dom Pedro, arcebispo de Palmas, convidou os participantes a contemplarmos e defendermos a Casa Comum.
Os representantes do MPF, Naturatins e do INCRA se colocaram à disposição na defesa do meio ambiente, e se colocaram à disposição nesta importante e urgente ação. Assim, também parabenizaram a Igreja por importante iniciativa, e manifestaram seu compromisso como representantes de órgãos públicos para contribuir na preservação do Cerrado e da Amazônia, cuja tarefa é responsabilidade de toda a sociedade.
Dom Cláudio Hummes, presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia e presidente da Rede Eclesial Pan- amazônica – REPAM no Brasil, e que foi o palestrante principal da noite, deixou uma mensagem para todos os participantes. Que é urgente que a Igreja assuma o compromisso e a defesa da Amazônia e de seus povos.
Enfatizou que a Igreja não pode se isentar dos graves conflitos e violências que vem destruindo essa beleza e obra de Deus, que é a Amazônia. Ele diz: “A Mãe Terra está gritando: deixem-me viver, ser bonita, sadia. Se não conseguirmos segurar as mudanças climáticas, vamos destruir a Mãe Terra”. E lembra-se do apelo do Papa Francisco, que diz: “querem deixar uma lixeira para seus filhos ou uma terra boa e maravilhosa?”. E finalizou com o texto bíblico de São Paulo aos Romanos, que nos lembra de que a criação geme com em dores de parto, e espera que nós a libertemos.
O Seminário priorizou o método ver, julgar, agir e celebrar. No momento de ver a realidade, foram destacados grandes desafios. No ambiente urbano, o destaque principal foi o aumento do êxodo rural do campo para as cidades, falta de empregos, moradia, falta de perspectivas para a juventude, caos e precarização do serviço de atenção da política de saúde, greve do funcionalismo público e crescimento da violência nas cidades. Aumento da pobreza, e se constataram graves contradições em alguns municípios, como é o caso de Campos Lindos, que por um lado se destaca pelo ranking na exportação de soja em nível estadual, mas por outro, tem pessoas que vivem em extrema pobreza. E é um dos cinco municípios com menor IDH do estado do Tocantins.
Outras situações da conjuntura que tiveram destaque foram o agronegócio, com suas graves consequências como, o desmatamento, a grilagem de terras, conflitos no campo pelas disputas de territórios indígenas, camponeses, das populações tradicionais e quilombolas.
Também foi colocado o aumento das violências no campo, criminalização das lideranças e o assassinato de camponeses nos conflitos de terras. Mesmo que nessa mesma semana foi publicada a notícia da extinção do PDA-MATOPIBA, pelo Ministério de Agricultura, Pecuária e abastecimento – MAPA, este programa também foi colocado pela plenária como uma ameaça grave ao Cerrado e aos territórios dos povos originários e povos tradicionais. Pois este projeto quer a liberação dos territórios indígenas e tradicionais para os projetos de monocultura.
Foi assinalado que a demarcação, titulação e regularização fundiária são um desafio enorme no estado do Tocantins. Principalmente, pelos dois modelos, que são antagônicos na relação com a Mãe Terra. Um que visa depredar e mercantilizar tudo, e o outro que prima pelo respeito e a defesa da natureza. Além de interesses econômicos, também há interesses políticos que são contrários aos direitos indígenas. E são defendidos no Congresso Nacional, um exemplo é o Projeto de Decreto Legislativo – PDC 419/2016 do deputado Federal Carlos Henrique Gaguim – PTN, que pede a anulação da Portaria Declaratória do MJ n° 566 de 12 maio de 2016, que reconhece como terra tradicional a Terra Indígena Taego Ãwa, do povo Avá-Canoeiro, e o argumento que usa é a interpretação do STF, chamado de “marco temporal”.
Outro desafio levantado no momento do ver foi a Lei estadual 2.713/2013, que isenta de licenciamento ambiental os projetos agrossilvipastoris, e amparado nela, o agronegócio está desmatando em diversas regiões do estado. Foi o caso da área reivindicada pelo povo Apinajé, que estava sendo desmatada e o promotor de justiça derrubou a ação do MPF, amparado nessa lei estadual. Esta área está em processo de revisão de limites, pois segundo os Apinajé, faz parte do território tradicional, que ficou de fora na demarcação de 1985.
Outra situação da conjuntura extremadamente preocupante é a questão da seca dos rios. Os rios do estado estão em situação crítica, como é caso do rio Tocantins, Araguaia, Formoso, Javaé, Urubu, e outros. Todos eles sofrendo forte estiagem, devido à falta de chuvas, consequência já das mudanças climáticas, do desmatamento desenfreado e pelo abuso excessivo para irrigação de grandes lavouras. No povo Xerente tem secado córregos e mais de 09 aldeias ficaram sem água para beber neste ano. Outro fator que acentua a crise da água foi o aumento de perfuração de poços artesianos em propriedades privadas para fins de monoculturas. O seja a preocupação do Cerrado, chamado também como berço das águas é alarmante, pois quase 50% do Cerrado já foi desmatado, é neste bioma que nascem importantes bacias hidrográficas que abastecem o pais.
Foto: Sara Sanchez/Cimi
Para iluminar toda esta realidade que nos desafia como Igreja e nos interpela ao compromisso, os assessores, trouxeram as palavras e mensagem da Laudato Si.
Moema Miranda, assessora da REPAM, nós falou da espiritualidade que envolve toda a encíclica. É uma espiritualidade da ESCUTA e da INTEGRALIDADE.
E na estrutura da LS nos seus seis capítulos, o Papa Francisco priorizou o método ver, julgar, agir e celebrar. E esse celebrar se encontra no inicio da encíclica e no seu final. Ou seja, sem celebração a luta é desalentadora, se torna insuportável e sem esperança.
A carta encíclica é de um Papa que escuta, que nos interpela, que questiona e critica o consumismo e o desenvolvimento irresponsável, e faz um apelo à mudança e a busca de ações globais para acabar com a degradação ambiental de nossa Casa Comum.
Ela traz para a nossa reflexão, o conceito chamado de ANTROPOCENO e CAPITALCENO. Conceitos pouco conhecidos, porém, os estragos bastante conhecidos e extremamente nocivos e para a Gaia, o para a nossa Casa Comum como a chama o Papa Francisco, ou para a Mãe Terra como a conhecem os povos indígenas.
Moema desperta nos participantes do Seminário a esperança, mas também a indignação e o compromisso de mudança. Este conceito novo do antropoceno é a destruição do planeta terra pela ação devastadora do ser humano. E ela avança ainda mais, fala do “capitalceno”, esse modelo econômico hegemônico que está levando ao planeta ao colapso total, que busca exclusivamente o consumo desmedido através de ações predatórias e irracionais sem limite. E para isto, as empresas se servem da “obsolescência programada”, o seja delimitam quando um objeto vai deixar de ser útil e parar de funcionar, somente, com a única finalidade de consumir. E isto provocou a aceleração do tempo normal da natureza. Produzir aceleradamente e consumir aceleradamente. E a terra não aguenta mais! Ela está cansada, está quase esgotada, ela geme com dores de parto, como diz a LS, iluminada pela carta aos Rm. 8,22.
De forma singela, porém enfática relembra que a LS nos traz novamente à memória, que a natureza é viva e se comunica conosco. Ela fala! É tudo isso é o que a Suzana Xerente nos diz: “a natureza fala, a terra fala, a água fala. Nós é que não sabemos escutar a natureza. Mas, ela se comunica se não se comunicasse, não teríamos vida nós. E temos que escutar ela, que está sofrendo, que está chorando, temos que nos unir todos nós juntos, para assim, salvar a nossa Mãe”. E Romário Xerente também conclui: “não são somos parte da natureza, nós SOMOS NATUREZA”!
E reconhecendo que nós somos natureza, que tudo está unido no mundo, o papa Francisco chama para construir uma nova perspectiva: tudo está interligado no mundo (LS 16). É uma ideia muito antiga, e muito nova. O papa nos relembra que toda a Natureza é sagrada. Nos chama a construir coletivamente uma ecologia integral, que está unida ao bem comum. O Bem Viver dos povos indígenas é um conceito aberto e em construção. O papa pede uma conversão, e ela parte de pôr um limite a nossa saciedade, pois o planeta é limitado. E afirma que há uma ligação entre as questões ambientais e as questões sociais e humanas, que não pode ser rompida (LS 141), o seja, não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social, mas uma única e complexa crise socioambiental (LS 139).
Não é possível que exista essa grave contradição, por um lado opulência absurda e por outro, uma pobreza extrema, escandalosa e cruel, fruto da concentração da riqueza e que é muitas das vezes é legitimada pelos meios de comunicação, cujo poder está concentrado em poucas mãos. É necessário sair do EGO e caminhar para o ECO.
Devemos lutar e superar este sistema econômico, machista, patriarcal, que é o capitalismo, que quer a morte da natureza, e a vê como simples máquina e não como um ser vivo e integral. É necessário romper esse círculo vicioso da dominação e destruição da natureza e do consumismo insaciável e passar para uma relação de harmonia, coexistência e limite aos desejos que impõe e cria o sistema econômico vigente.
Perante a esta conjuntura e contexto, hoje, mas do que nunca se fazem necessárias e urgentes a resistência cultural e a resistência espiritual, que são fundamentais para a defesa e proteção da Casa Comum. O Jesus de Nazaré se encarnou por amor, e praticou a defesa dos pobres e dos excluídos, pregou o Reino de Deus no meio dos pobres e chamou de bem aventurados os que constroem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. É nesse caminho que deve ir à sociedade, na busca de mudanças de estilos de vida para fazer uma conversão ecológica que ponha limite à ambição do ser humano e busque a sobriedade e o equilíbrio harmonioso com a Casa Comum e com os povos que vivem nela.
Reafirmando toda esta reflexão anterior o Roberto Malvezzi (Gogo), também assessor da REPAM e da CPT, trouxe a situação caótica e gritante do Cerrado. Este bioma que levou milhões de anos para se formar e que um dos mais antigos biomas do planeta. Que não tem regeneração, uma vez destruído, jamais vai ser restituído. Que este bioma tão importante que ocupa o segundo lugar de extensão no solo brasileiro, está sendo velozmente destruído e as mudanças são tão rápidas e as consequências são muito graves.
O que está acontecendo de destruição da casa Comum, não está separado do golpe que aconteceu, para assumir um governo ilegítimo. Instou que há necessidade de ver, mas longe e ser críticos. Como o foi Dom Luiz Cappio frente ao projeto de transposição do Rio São Francisco. Ele questionava não simplesmente a obra, mas a política que estava escondida nesse gigantesco projeto.
Lembrou que a LS nos revela o Evangelho da criação, que cada criatura tem uma mensagem para nós. A natureza nos fala, como nos ensinam os povos indígenas. Há atualmente o imperativo de escutá-la e defende-la. Ela nos revela que estamos mudando o curso natural das coisas, o ciclo natural das águas, o tempo natural dos frutos e o crescimento natural dos animais.
Estamos acabando com o ciclo das águas. Esse processo natural nasce na Amazônia, mas atualmente pelo acelerado desmatamento e outras ações do ser humano, esta se dando fim a tudo. Interrompemos o ciclo das águas e a Amazônia não produz mais água, e o cerrado não consegue guardar mais as águas da chuva. Se não cuidar as águas da Amazônia, não haverá água. E o cerrado vai virar deserto.
Infelizmente estamos já em uma III guerra mundial: migrações, fome, miséria, violência. E ante tudo isto exposto na realidade, o Papa Francisco na encíclica Laudato Si, pede uma mudança, uma mudança ecológica, é integral, que abranja todas as dimensões da vida. Convoca-nos a uma evangelização integral, que integre fé e vida. E para isso se faz necessário uma educação e formação ecológica. Uma ecologia integradora onde é inseparável a preocupação pela natureza, a justiça para com os pobres e o compromisso da sociedade pela Casa Comum.
E aprofundou sobre a temática da REPAM a Irmã Irene, assessora da Comissão Episcopal para a Amazônia, da importância desta rede que nasceu a dois anos, como uma ação concreta da Igreja com o compromisso socioambiental da PanAmazônia.
Falou da composição e objetivos da REPAM e que esta iniciativa eclesial deve ser conhecida e divulgada. E um dos objetivos da rede é ajudar na identificação e apoio das iniciativas socioambientais da Igreja e da sociedade civil na Amazônia e potencializar o trabalho em redes.
A REPAM deve chegar até todos os povos e comunidades na Amazônia. Como Igreja deve levantar sua voz em favor dos, mas ameaçados e assumir o compromisso de ser uma Igreja missioneira, profética, solidária e misericordiosa com os irmãos que estão à margem da sociedade. Ser a advogada dos pobres, como diz Aparecida e ser a Igreja Samaritana, que se compromete e defende a vida ameaçada da Casa Comum e dos povos que nela vivem.
O seminário foi muito participativo e dinâmico. E estiveram sempre nele à memória dos mártires da caminhada, que fiéis a Jesus deram sua vida pela causa dos pobres e pela defesa da Mãe Terra, vidas que não se apagam e continuam vivas e são testemunhos que iluminam a caminhada nos momentos de dor e perseguição.
Diante desta conjuntura e das reflexões partilhadas, os participantes assumiram a luz do Evangelho os compromissos, que ficaram na carta final do Seminário.