Nota Pública: Relatos de uma tragédia anunciada no Pará
Na manhã desta quinta-feira, 04 de agosto de 2016, Ronair José de Lima (41 anos), presidente da Associação Terra Nossa, foi morto em uma emboscada ocorrida no interior do Complexo Divino Pai Eterno, zona rural de São Félix do Xingu, no Pará. Mesmo ferido ele conseguiu evadir-se do local, recebendo, posteriormente, o apoio de outro trabalhador rural, também residente no Acampamento. Após atendimento breve prestado pelo posto de saúde da Vila Sudoeste, a vítima foi encaminhada por aeronave para melhor atendimento na sede do município. Em razão dos ferimentos que atingiram a região do tórax, Ronair faleceu por volta das 15hs, deixando viúva a esposa e dois filhos.
Conforme denunciado frequentemente pela Comissão Pastoral da Terra, esse não é o primeiro atentado praticado contra Ronair. Desde que assumiu o cargo de presidente da Associação, a liderança foi constantemente ameaçada pelos fazendeiros que se dizem proprietários do Complexo e seus pistoleiros. Além das inúmeras ameaças, Ronair já havia sido vítima de tentativa de homicídio praticada contra sua pessoa no dia 27 de fevereiro do corrente ano.
Durante os mais de 10 [dez] anos de ocupação, sem que haja uma solução definitiva para o conflito ali instalado, o Complexo Divino Pai Eterno tem sido palco dos mais diversos crimes praticados contra trabalhadores/as rurais e suas lideranças, dentre os quais relacionamos: ameaças de morte, lesão corporal, tentativas de homicídio e homicídios consumados. No contexto deste conflito fundiário, os grileiros que se intitulam proprietários de terras – que na verdade são públicas federais – são considerados mandantes dos crimes de pistolagem ocorridos na área e continuam impunes reincidindo em ações cada vez mais violentas e escandalosas.
Esses são relatos de uma tragédia anunciada, onde mais uma vez os órgãos públicos com poderes para tanto, não agiram no intuito de evitá-la. O nome de Ronair José de Lima soma-se então aos mais de 530 trabalhadores/as rurais assassinados em decorrência dos conflitos agrários ocorridos no sul e sudeste paraense.
Manifestamos, por fim, nossa absoluta revolta e indignação diante do grave estado de violência instalado no campo paraense, sobretudo em relação à precariedade das investigações policiais e o alto índice de impunidade verificado, exigindo que haja a devida punição aos mandantes e executores dos crimes ocorridos no Complexo Divino Pai Eterno.
Assinam a nota:
Comissão Pastoral da Terra Regional Pará – CPT
Federação dos Trabalhadores/as Rurais na Agricultura – FETAGRI
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
Acampamento Novo Oeste e Associação Terra Nossa, SFX/PA
Conselho Indigenista Missionário Regional Norte 2 – CIMI
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH
Terra de Direitos
Laboratório de Justiça Global e Educação em Direitos Humanos na Amazônia – LAJUSA
Comissão de Direitos Humanos da OAB Pará
Comissão de Direitos Humanos da OAB Xinguara/PA
Instituto Paulo Fonteles
MPF se pronuncia sobre o assassinato
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, lançou nota pública de pesar pela morte do trabalhador rural e presidente da Associação Terra Nossa Nossa, Ronair José de Lima – assassinado ontem (4/8), por arma de fogo, em emboscada no Complexo Divino Pai Eterno, município de São Félix do Xingu, no Pará.
A PFDC destaca que esse é mais um episódio da violência contra trabalhadores e trabalhadoras no campo – fenômeno que tem se intensificado em razão de uma rede social e simbólica que se sustenta na articulação entre três pilares: impunidade, paralisia da reforma agrária e criminalização dos movimentos sociais. "Combinados entre si, esse elementos potencializam a violência no campo, na medida em que sugerem um certo endosso a ações como a recém-ocorrida", destaca a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat.
No texto, a PFDC defende que crimes cometidos contra trabalhadores rurais necessitam de resposta penal pronta e adequada e que a morte de Ronair José de Lima deve ser objeto de rápida investigação e punição dos culpados.
Para a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, o direito à moradia digna é de natureza fundamental, sendo imperativa a agilidade na implementação de políticas efetivas de reforma agrária. A PFDC destaca ainda que a criminalização dos movimentos sociais atenta contra os direitos fundamentais de liberdade de associação e alerta para a aplicação desvirtuada da Lei 12.850/ 2013, que trata de organizações criminosas.
Leia a nota na íntegra:
A Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão vem manifestar o seu pesar e a sua indignação diante do falecimento de Ronair José de Lima, trabalhador rural e presidente da Associação Terra Nossa, atingido por arma de fogo em emboscada no último dia 4, no Complexo Divino Pai Eterno, Município de São Félix do Xingu/PA.
Desde que assumiu o cargo de presidente da associação referida, Ronair vinha sofrendo ameaças constantes por parte daqueles que se diziam proprietários do Complexo, além de ter sido vítima de tentativa de homicídio em 27 de fevereiro do ano em curso. O episódio, longe de estar isolado na luta pela terra, vem se reproduzindo ao longo do tempo contra trabalhadores e trabalhadoras rurais, e ganha intensidade em data mais recente, por conta do que se poderia chamar de uma rede sociossimbólica, que se sustenta na articulação entre três pilares: impunidade/paralisia da reforma agrária/criminalização dos movimentos sociais.
Esses elementos, combinados entre si, potencializam a violência no campo, na medida em que sugerem um certo endosso a ações como essa recém ocorrida. Para fazer face ao quadro de violência crescente no campo, essa Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão entende que: (i) a morte de Ronair José de Lima deve ser objeto de rápida investigação e punição dos culpados, e os crimes cometidos contra os trabalhadores e as trabalhadoras rurais têm que ter a resposta penal pronta e adequada; (ii) o direito à moradia digna é de natureza fundamental, razão por que é imperativo que a reforma agrária prossiga com agilidade, até que haja uma distribuição de terras que garanta a cada qual o seu quinhão. Eventuais distorções da política devem ser apuradas, mas sem que tal implique a sua descontinuidade; (iii) a criminalização dos movimentos sociais atenta contra os direitos fundamentais de liberdade de associação e de reunião.
A imputação a seus integrantes de integrarem "organização criminosa", pelo simples fato de pertencerem ou dirigirem algum movimento, é um desvirtuamento e uma falsificação da Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013, além de afronta ao princípio democrático, cuja vitalidade reside exatamente na possibilidade de contestação e resistência aos atos e práticas governamentais.
Brasília, 5 de agosto de 2016 Deborah Duprat Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão