08/07/2016

Juiz manda despejar indígenas de fazenda onde ocorreu massacre – e exige que a Funai faça o serviço

Além de possíveis prisões contra lideranças, as famílias Guarani e Kaiowa sobreviventes do massacre de Caarapó agora enfrentam uma ordem de despejo contra o tekoha Kunumi Vera. O juiz Janio Roberto dos Santos, da 2ª Vara da Justiça Federal de Dourados, concedeu liminar de reintegração de posse em favor de Silvana Raquel Cerqueira Amado Buainain, proprietária da fazenda Yvu, incidente sobre a Terra Indígena Dourados-Amambaipeguá I, onde está localizado o tekoha.


No dia 14 de junho, Kunumi Vera – também conhecido como Toro Paso – foi alvo de um ataque brutal de fazendeiros e jagunços contra os indígenas. O jovem Kaiowa e agente de saúde Clodiodi de Souza, de 26 anos, foi assassinado. Ao menos outras dez pessoas foram feridas a tiros, das quais cinco foram hospitalizadas em estado grave – entre elas, uma criança de 12 anos. O irmão de Clodiodi, Jesus de Souza, permanece internado no Hospital Universitário.

Esta é a terceira reintegração de posse contra os Guarani e Kaiowa desde o início de julho. Na última quarta, 6, o tekoha Apyka’i foi despejado pela polícia. Na quinta, as famílais do tekoha Ita Poty, com medo da violência da polícia e dos fazendeiros, deixaram a área ocupada e tentam agora um acordo para que sejam reiniciados os trabalhos de demarcação da terra indígena. As duas reintegrações ocorreram em Dourados, e em ambos os casos, os barracos das famílias que estavam nos acampamentos foram destruídos por tratores, e os Guarani e Kaiowa foram parar na beira da estrada.


Missão

Conforme a decisão do juiz Janio, há duas possibilidades. A primeira é os indígenas saírem espontaneamente da área. A segunda, remontando a herança das remoções forçadas de indígenas realizadas pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI) – órgão indigenista oficial até os anos 60 -, é de que caberá à Fundação Nacional do Índio (Funai) "exercer a sua missão Institucional e legal e proceder ao deslocamento/remoção dos indígenas para área adequada", segundo o magistrado, cabendo ao órgão indigenista oficial "avaliar a necessidade de eventual apoio policial para bem cumprir o seu poder de império e fazer valer a sua missão". Como referência narrativa para atribuir a tarefa ao órgão indigenista, o juiz cita a Lei nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967, que cria a Funai, e o texto de apresentação do órgão disponível na internet: "sua missão institucional é proteger e promover os direitos dos povos indígenas no Brasil".

Caso em até vinte dias não sejam cumpridas as ordens do juiz, a Funai pagará multa diária de 50 mil reais; seu presidente, mais mil reais por dia; e o coordenador regional do órgão em Dourados, mais 500 reais para cada dia em que o despejo não for realizado.

"NÃO JUSTIFICA"

Para o juiz, trata-se de não imaginar que "o patrimônio do particular socorra uma questão indígena de 500 anos de Brasil", argumenta, "mesmo que por força de uma interpretação vesga e caolha da Constituição Federal". Afirma que não é possível "permitir que os indígenas tomem as terras à força, da mão de legítimos possuidores", devendo os indígenas aguardar os processos demarcatórios – ainda que essa espera possa levar, até quatro décadas, como é o caso da Terra Indígena Ñanderu Marangatu, reivindicada desde os anos 70.

Diz, ainda, que "se há demora nesse processo é por omissão do Poder Público Federal (…)", e que "essa demora não pode ser imputada a legítimos possuidores (…), O QUE NÃO JUSTIFICA AS NOTÍCIAS DE EXCESSOS PRATICADOS PELOS PROPRIETÁRIOS CONTRA OS INDÍGENAS, COM USO DE ARMA DE FOGO, TENDO COMO RESULTADO DE FERIDOS E MORTE, O QUE DEVE SER APURADO EM INVESTIGAÇÃO CRIMINAL". O trecho em caixa alta foi repetido quatro vezes ao longo da decisão judicial.

Referência processual:  0002396-05.2016.4.03.6002/JFMS


Fonte: Assessoria de Comunicação do Cimi/MS
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