Univaja pede à Funai e à OAB intervenção em caso de criança Marubo com guarda negada ao pai
A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) denuncia as autoridades públicas da Comarca de Santo Antônio do Içá, interior do Amazonas, que impede, de acordo com nota pública, uma criança Marubo de conviver com o pai, do clã Ninawavo do povo Marubo. Depois da morte da mãe, uma mulher branca que não mantinha mais relacionamento com o pai da criança e vivia fora da aldeia, o Ministério Público Estadual avaliou ser mais benéfico para o menor ficar com o padrasto.
O desejo e a exigência do pai são para que ele obtenha a guarda da criança e ela possa ir morar junto ao povo. A Univaja pede imediata intervenção da Fundação Nacional do Índio (Funai) e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para que a criança Marubo tenha a guarda conferida ao pai.
“Desconsiderou o Ministério Público Estadual justamente o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) que determina proteção dos costumes, religião e direitos indígenas envolvendo menor. Foi além: o Ministério Público Estadual determinou que a criança ficasse na guarda do padrasto sem ao menos ouvir o que a criança tinha a dizer sobre o assunto. Da mesma forma que não proveu ao pai o acompanhamento de servidor do órgão indigenista oficial”, diz trecho da nota da Univaja.
A organização indígena cita ainda o entendimento das Nações Unidas: “A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, promulgada pelo Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990, reconhece a importância das tradições e os valores culturais de cada povo para a proteção e o desenvolvimento harmonioso da criança”.
Leia a nota na íntegra:
NOTA PÚBLICA – UNIVAJA
A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari – UNIVAJA organização filantrópica sem fins lucrativos de defesa dos direitos coletivos dos povos indígenas das etnias: Marúbo, Mayuruna, Matís, Kanamary e Kulína da Terra Indígena do Vale do Javari, e suas organizações de Bases: Associação Marúbo de São Sebastião – AMAS, Associação de Desenvolvimentos Comunitárias do Alto Rio Curuçá – ASDEC, Organização das Aldeias Marúbo do Rio Ituí – OAMI de representação do povo indígena Marúbo da Terra Indígena do Vale do Javari abaixo assinados, torna público o presente manifesto contra as ilegalidades praticadas na Comarca de Santo Antônio do Içá, envolvendo interesse coletivo do povo Marúbo.
Como a sociedade tem conhecimento, nosso povo mantém a tradicionalidade de usos e costumes de leis e regras de trato social na organização da vida coletiva. Cada qual possui seu papel no meio social, de forma que a ausência de um membro-irmão traz prejuízos à nossa organização social e cultural, nossa cosmovisão e a cadeia de interesses sociais do povo Marúbo.
Vale ressaltar que nós Marúbo quando gera uma criança já se torna membro do nosso clã que passa a fazer parte dos nossos sistemas de vida e grau de parentesco dentro da nossa sociedade Marúbo, daí vem o interesse coletivo pelos quais queremos a criança por considerar o nosso membro.
Nesse sentindo, manifestamos publicamente nossa indignação às decisões ainda em curso na Comarca de Santo Antônio do Içá envolvendo interesse da menor, pertencente ao Clã Nínawavo, Tsainama V. P.R, filha do indígena E. O.R, e a não indígena, falecida no último 04/07/2016 V.P.S, após atentar contra a própria vida.
O interesse da menor e do povo Marúbo, teve início após o falecimento da senhora V.P.S, mãe da criança e ex-companheira do indígena Marúbo E.O.R. A falecida morava na cidade de Santo Antônio do Içá-AM com seu atual companheiro e detinha a guarda, apenas informal, fruto de um acordo entre a mesma e o pai da criança, já que da relação conjugal entre ambos restou boa relação de amizade.
O acordo entre o pai e a mãe da menor consistia em criar a filha conjuntamente de forma a conciliar os interesses indígenas – da parte do pai, e os interesses da família da mãe. Sendo assim, fazia parte do acordo a criança passar temporadas com um dos genitores e depois com o outro.
Com o falecimento da mãe, a criança se viu desamparada, pois se encontrava com a mãe. Assim que o pai foi soube do ocorrido ao seu encontro com intuito de trazê-la para o seio familiar, lhe sendo impedido de assim proceder, pois o padastro amparado por desígnios de ilegalidade praticados pelo Ministério Público Estadual naquela cidade o impediu alegando ser mais benéfico para a criança permanecer com o padrasto, destituindo o pai biológico do poder familiar sem observar os mínimos requisitos que a lei confere.
Desconsiderou o Ministério Público Estadual justamente a ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente que determina proteção dos costumes, religião e direitos indígenas envolvendo menor pertencente ao grupo indígena Marúbo. Foi além, o Ministério Público Estadual, determinou que a criança ficasse na guarda do padrasto sem ao menos ouvir o que a criança tinha a dizer sobre o assunto. Da mesma forma que não proveu ao pai e à criança, o acompanhamento de servidor do órgão indigenista oficial.
Não considerando que se a menor ficasse na casa onde vivia com sua mãe, teria mais problema psicológico pela ausência da mesma, e não se sentir próximo ao seu pai biológico.
A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas reafirma o direito coletivo de viver em liberdade, paz e segurança, como povos distintos, não podendo ser submetidos à transferência forçada de crianças de um grupo para outro grupo, devendo ser dada particular atenção aos direitos das crianças.
A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, promulgada pelo Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990, reconhece a importância das tradições e os valores culturais de cada povo para a proteção e o desenvolvimento harmonioso da criança.
O art. 231 da Constituição Federal determina que o Estado Brasileiro valorize e respeite as culturas, as tradições e as formas de organização dos povos indígenas, inclusive suas diferentes concepções sobre construção da pessoa, as quais não correspondem necessariamente às classificações etárias não indígenas de infância, adolescência, juventude e vida adulta.
No mesmo sentido, o pai da criança tem sofrido coação por parte do Conselho Tutelar que tem ameaçado de arrancar a criança do colo do pai com força policial configurando abuso de poder. O pior disso tudo está o MP que além estar omisso, atua contra os fins sociais do senso de justiça e a finalidade social das leis, na proteção da família e do interesse público.
Vale ressaltar que não se trata de interesse individual, mas sim de nossa coletividade enquanto povo, tendo por base a nossa cultura, nossa cosmovisão, os laços familiares e o lugar que ocupa a pequena Tsainama em nosso meio social, com destaque, a importância de sua posição em nosso meio social e cultural.
Portanto, viemos a público pedir a imediata intervenção da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, seção Amazonas, do Ministério Público Federal e mobilizar nossas lideranças políticas para com esforço conjunto agir imediatamente com intuito de ressalvar direito de nosso povo, o povo indígena Marúbo.
Atalaia do Norte – AM, 07 de Julho de 2016.