11/05/2016

Cimi denuncia ao MPF situação de calamidade vivida por comunidade Guarani Mbya do RS

A comunidade indígena Capivari do povo Guarani Mbya, no Rio Grande do Sul, relatou a integrantes do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) fatos de destruição de área do acampamento indígena, além da falta de assistência por parte dos entes públicos envolvendo a transferência de parte da comunidade para local afastado e de difícil acesso. Em preocupação com a situação dos Guarani Mbya, a equipe Regional Sul do Cimi encaminhou uma denúncia ao Ministério Público Federal (MPF) no início desta semana.

Os Guarani Mbya da comunidade Capivari sofreram um processo de desmembramento. Hoje, parte da comunidade encontra-se localizada às margens da RS 040, entre os Km 60 e 62, local em que estão há mais de 40 anos, na cidade de Capivari do Sul (RS). Outra parcela da comunidade foi removida por funcionários da Secretária de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo (SDR) do Rio Grande do Sul para Granja Vargas, distrito de Palmares do Sul.

A divisão da comunidade ocorreu após a denúncia dos Guarani Mbya, em fevereiro de 2016, de que as águas do córrego que utilizavam diariamente para os mais diversos fins de subsistência estavam sendo contaminadas com agrotóxicos. Na denúncia, foi relatado que os agrotóxicos foram lançados diversas vezes sobre plantações de soja situadas próximas ao acampamento indígena, no lado direito da estrada, no sentido litoral norte do Rio Grande do Sul. Da mesma forma em que o fazendeiro teria utilizado também as águas do córrego para abastecer de água os maquinários e também para lavar os equipamentos de pulverização semanalmente. A denúncia salientou que as crianças da comunidade apresentavam surtos frequentes de vômito e diarreia; índices elevados de mortandade dos peixes do córrego foram verificados.

Uma das soluções apresentadas para a comunidade, neste momento, foi a realocação das famílias para Granja Vargas, a qual de fato foi realizada pela Secretária de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo, mas sem a devida assistência dos entes públicos. A localidade é afastada, não possui estradas de acesso que permitam a circulação das sete famílias que foram transferidas, impossibilitando, por exemplo, que busquem assistência médica para crianças e idosos, ou que possam sair para vender o artesanato, que há muito tempo é o meio de subsistência destes Guarani Mbya. Ressaltando ainda que a região em que se encontram não possui viabilidade para plantações devido ao solo arenoso. Tampouco caça em um nível que possa garantir a alimentação de todas as famílias, obrigando aos indígenas o trânsito até a cidade em busca de alimentos comercializados, como arroz, óleo, feijão e outros.

Por outro lado, o acampamento de Capivari do Sul, nas margens da RS 040, que consta agora com cinco famílias Guarani Mbya, o Cimi constatou que parte do território foi escavado logo depois do desmembramento da comunidade. Para tanto, foram utilizadas máquinas da Prefeitura do município.

Segundo os indígenas houve a destruição da área do acampamento a pedido do fazendeiro que historicamente tem se posicionado contra a demarcação da terra, sem qualquer aviso prévio. Desprevenidos, foram pegos de surpresa. O pânico na comunidade se agravou com as precariedades a que estão submetidos. Pode-se observar que os indígenas estão encurralados entre as lavouras de soja e a estrada RS 040, não havendo possibilidade de obtenção de uma sobrevivência digna segundo seus costumes.

O plantio de milho, mandioca, abóbora e outros cereais é inviabilizado pela falta de espaço. Afora a contaminação das águas e apropriação das terras indígenas, os lavoureiros não respeitaram as leis ambientais e direitos indígenas; se requer a devida averiguação por parte das instituições públicas nessa questão ambiental.

Demarcação das terras indígenas

A Fundação Nacional do Índio (Funai) realizou estudos preliminares na região e constatou que naquelas terras há evidências antropológicas, históricas, arqueológicas, sociológicas e ambientais que comprovam ser uma área de ocupação tradicional do povo Guarani Mbya.

Em 2012, a Funai instituiu oficialmente o Grupo de Trabalho (GT) para proceder, em definitivo, os estudos de identificação e delimitação das terras reivindicadas pelos Guarani. Lamentavelmente, transcorridos quase quatro anos, os trabalhos do GT não avançaram por falta de vontade política do governo federal, uma vez que, naquela região, os fazendeiros se posicionam contra os direitos indígenas, especialmente os relativos à demarcação das terras.

Na região, cultiva-se um clima tenso e as comunidades indígenas são toleradas enquanto não rompem as cercas e não reivindicam seus direitos. Em períodos em que há qualquer tipo de movimentação para que as demarcações das terras avancem, os “proprietários rurais” se articulam e promovem investidas contra os indígenas, pressionando-os para que saiam da região, inclusive prometendo transportá-los para outras terras, nas quais supostamente teriam toda a infraestrutura necessária para viverem, desde que não retornem ao Capivari.

O direito à demarcação das terras indígenas está disposto no artigo 231 da Constituição Federal de 1988. Além disso, conforme o texto constitucional, é de responsabilidade e competência da União fiscalizar e proteger as terras e as comunidades que nelas vivem, independentemente se estarem elas vivendo em áreas demarcadas. No caso da comunidade indígena de Capivari, há claras evidências da omissão do Poder Público Federal, especialmente da Funai, no que tange ao cumprimento de suas obrigações fundamentalmente em demarcar as terras e de assegurar às famílias indígenas condições dignas de sobrevivência. É também competência da União garantir que as famílias indígenas tenham assistência de saúde, saneamento básico e adequadas condições nutricionais. No caso desta comunidade, graves violações destes direitos vêm ocorrendo.

Diante do exposto se requer dos órgãos competentes, especialmente do MPF, Funai, Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), Secretária de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo (SDR) do Rio Grande do Sul e outros entes públicos de fiscalização e vigilância sanitária e ambiental os seguintes encaminhamentos:

1) que sejam averiguadas as condições de acesso até a comunidade e de permanência digna; 2) que os responsáveis pela destruição de parte do aldeamento, com a presença de maquinário pesado, sejam identificados e punidos por colocar em risco de morte uma comunidade inteira, sendo a presença desta notória, perdurando por 40 anos; 3) que sejam assegurados aos Guarani Mbya adequadas condições de vida enquanto aguardam a realização dos trabalhos do GT; 4) que a Funai conclua de imediato o procedimento de demarcação daquela terra, iniciado há décadas (com GT oficialmente instituído há mais de três anos), pois os indígenas não podem mais ser penalizados pela ineficiência dos órgãos de assistência, proteção e fiscalização; 5) que a Sesai seja intimada e obrigada a cumprir com suas atribuições no tocante à assistência de saúde e de saneamento básico; 6) que os órgãos de fiscalização e vigilância sanitária e ambiental do Estado do Rio Grande do Sul e da União sejam acionados para promover ações de fiscalização e punição dos responsáveis por outros possíveis crimes ambientais.


As denúncias são graves, tanto pela sistemática atuação de opressão, violação de direitos humanos, do direito à vida, à integridade física e moral, de saúde que vêm sendo impostos aos Guarani Mbya quanto pela negligência e desassistência por parte do Poder Público em realizar a realocação das famílias indígenas para região completamente abandonada, de difícil acesso, sem qualquer tipo de infraestrutura. Neste sentido, é exigido dos órgãos públicos atuação urgente visando minimizar os prejuízos e garantir os direitos fundamentais da comunidade.

Esperamos que os órgãos públicos, responsáveis pela proteção e promulgação dos direitos das comunidades indígenas, atuem de forma a executar políticas de melhorias nas condições de acesso e de assistência para a parcela da comunidade indígena localizada em Granja Vargas, distrito de Palmares do Sul, bem como a devida atuação dos órgãos responsáveis pela fiscalização e punição dos envolvidos nos crimes praticados de destruição e, finalmente, que se demarquem as terras indígenas, resguardando-se, desse modo, a justiça.

Fonte: Cimi Regional Sul
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