23/03/2016

Estudante indígena é agredido em Porto Alegre

Na madrugada do dia 19, Nerlei Kaingang, estudante indígena da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi agredido por um grupo de rapazes em frente à moradia estudantil da UFRGS, no centro de Porto Alegre (RS). Segundo o relato do indígena Kaingang, que é cotista da universidade federal e estuda Medicina Veterinária, os jovens insultaram de forma racista a ele e ao outro indígena que o acompanhava, que é seu sobrinho.

A agressão foi filmada pelas câmeras de segurança da universidade e mostra os indígenas passando por um grupo de homens. No vídeo, é possível ver que, após passar duas vezes pelo grupo, o indígena dá meia volta e se dirige a eles. Após alguns minutos de discussão, os homens começam a agredir os indígenas. Segundo os Kaingang agredidos, em pelo menos dois momentos os agressores disseram “o que esses indígenas estão fazendo aí?”, questionando a presença indígena na casa do estudante (veja vídeo abaixo ou veja versão resumida aqui).

Depois das covardes agressões feitas por um grupo de pelo menos seis homens, Nerlei perdeu os sentidos e foi socorrido pelo sobrinho, que o acompanhava e conseguiu se esquivar dos agressores, como pode-se ver no vídeo. Na segunda-feira (22), um boletim de ocorrência foi feito e um inquérito para investigar as agressões e o crime de racismo já foi aberto pela Superintendência Regional da Polícia Federal no Rio Grande do Sul. O indígena também já fez exame de corpo de delito, cujo laudo deve ficar pronto em breve.

Segundo testemunhas ouvidas pelo advogado de Nerlei, Onir Araújo, os agressores seriam todos estudantes, a maioria deles do curso de engenharia da UFRGS, e pelo menos dois estudantes da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

O Kaingang agredido está bastante abalado com a situação e não está frequentando as aulas de seu curso. Além disso, Onir conta que ele sendo vítima de uma campanha de difamação feita pelos agressores. Ele também destaca que houve negligência na defesa e na prestação de socorro a Nerlei. “A segurança da casa do estudante, que funciona 24 horas, não fez nada e só entrou em contato com a direção da casa para relatar o ocorrido na segunda-feira”, afirma Onir.

Preconceito contra cotistas

Para o advogado, que é integrante da Frente de Defesa dos Territórios Quilombolas, a situação de racismo e preconceito contra estudantes cotistas na UFRGS não é uma novidade, apenas chegou a uma situação mais extrema.

“A gente já vinha há praticamente dez anos alertando sobre essa situação de racismo contra cotistas negros, indígenas e estudantes de convênios africanos. Mesmo com as câmeras, eles não tiveram nenhuma dificuldade em fazer essa agressão”, afirma Onir.

“Não é uma novidade. As cotas foram conquistadas por uma ampla mobilização de movimentos sociais, movimento indígena, movimento quilombola, movimento negro. Na época em que se estava para votar a implementação das cotas, surgiram uma série de pichações dizendo coisas como ‘lugar de negro é na cozinha do RU’ [Restaurante Universitário]. Nunca essa elite aceitou a democratização da universidade pública. Existe um clima de racismo ativo, partindo para as vias de fato. Esse é um quadro extremamente grave”, conclui o advogado.

Clima de intolerância

No momento em que ocorreram as agressões, Nerlei e seu sobrinho Catãi estavam voltando do Parque da Harmonia, um dos locais da capital gaúcha em que os indígenas vendem artesanato – uma prática tradicional do povo Kaingang que se intensifica em épocas como esta, próxima da Páscoa. Eles foram até a casa do estudante para ver se encontravam outro sobrinho de Nerlei, também estudante, que havia se desprendido do grupo poucos momentos antes.

Em 30 de dezembro, o indígena Vítor Pinto, também Kaingang e de apenas dois anos, foi brutalmente assassinado em Imbituba (SC) numa situação correlata. Na ocasião, Vítor estava no colo de sua mãe, que frequentava a cidade litorânea no auge do verão com a finalidade de vender artesanato (saiba mais).

Para Onir, existe no sul do país um forte sentimento de racismo e de intolerância contra os povos indígenas, que acaba sendo fomentado e difundido por diferentes agentes públicos. “Num estado em que dois parlamentares falam em audiência pública que ‘gay, lésbica, indígena e quilombola’ é tudo que não presta e não acontece nada, todas as denúncias foram arquivadas, ambos foram muito bem votados, se está na mesma lógica de 516 anos. Permanece o preconceito de que o indígena é um estorvo, atrapalha”.

Além da investigação policial que está sendo feita na Superintendência Regional da Polícia Federal no RS, também foi aberto um procedimento administrativo interno na UFRGS para averiguar o caso e tomar as providências cabíveis dentro da universidade.