03/03/2016

“O Matopiba significa a morte e nós lutamos em defesa da vida”

Nos dias 25 e 26 de fevereiro, povos indígenas, comunidades quilombolas, dioceses, organizações e movimentos populares realizaram em São Luiz (MA) o primeiro Seminário do Maranhão sobre o Matopiba, com a finalidade de discutir sobre o programa e seus impactos socioambientais no bioma cerrado.

O Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba (PDA Matopiba) foi capitaneado pela ministra ruralista Kátia Abreu (PMDB) e, na prática, significa a expansão da fronteira agrícola sobre o que resta de cerrado no Brasil. Segundo dados da Embrapa, o programa deve compreender 73 milhões de hectares dentro do bioma cerrado, numa delimitação territorial dentro da qual existem 28 terras indígenas, 42 unidades de conservação, 865 assentamentos e 34 quilombos.

O Matopiba foi criado oficialmente por meio do Decreto Presidencial nº 8447, de maio de 2015, e compreende partes dos territórios dos estados do Maranhão (MA), Tocantins (TO), Piauí (PI) e Bahia (BA).

No Maranhão, conforme a carta, o Matopiba vai impactar diretamente 14 unidades de conservação, 15 terras indígenas, 400 assentamentos e 23 quilombos, atingindo os biomas Cerrado (91%), Amazônico (7%) e Caatinga (2%).

Na carta do Seminário, os povos, comunidades, dioceses e organizações analisam que o Matopiba apronfudará os conflitos agrários. “Ele significa a morte e nós lutamos em defesa da vida”, afirma a carta, que destaca que o Matopiba coloca em risco o acesso à água de toda a população e a sobrevivência de diversos povos e comunidades tradicionais.

Buscando alternativas para o estado, a carta do Seminário sobre o Matopiba exige a regularização dos territórios, com a Reforma Agrária, a titulação dos territórios quilombolas e a demarcação das terras indígenas.

Leia, abaixo, a carta na íntegra:


CARTA ABERTA À SOCIEDADE DO I SEMINÁRIO DO MARANHÃO SOBRE O MATOPIBA

Nós, participantes do I SEMINÁRIO DO MARANHÃO SOBRE O MATOPIBA, reunidos nos dias 25 e 26 de fevereiro de 2016, em São Luís-MA, com o objetivo de compreender melhor o Programa e seus impactos socioambientais no bioma cerrado, constatamos que:

1. É um Plano de Desenvolvimento Agrícola – PDA, que significa a modernização agrícola para os estados do MA, TO, PI, e BA, totalizando 143 milhões de hectares de terra, dos quais 23.982.346 hectares, 72,25%, no MA, impactando diretamente 14 unidades de conservação, 15 terras indígenas, 400 assentamentos e 23 quilombos. Essa área atinge no Maranhão os biomas:  Cerrado (91%), Amazônica (7%) e Caatinga (2%).

2. No bioma cerrado, nossa Casa Comum, “berço das águas” encontram-se os maiores aquíferos do planeta, as nascentes das três bacias hidrográficas da América do Sul (Amazônia/Araguaia – Tocantins, São Francisco e Prata), povos indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco, sertanejos e a mais rica biodiversidade brasileira.

3. Este Plano faz parte da consolidação do sistema capitalista dirigido pelas grandes empresas (Suzano, CargilI, Bunge), agências (FMI, OMC) e bancos internacionais, subjugando o Estado brasileiro aos interesses do capital. Nesse sentido, medidas governamentais fortalecem esse sistema, como a reforma do Código Estadual de Florestas sem a devida publicidade e envolvimento dos principais atingidos; a criação da Lei n. 10.276 de 2015, que representa os interesses diretos do MATOPIBA e do agronegócio no Estado do Maranhão; e ainda a conivência dos órgãos públicos com a destruição do meio ambiente.

4. O MATOPIBA aprofundará os conflitos agrários, pois só no ano de 2014 foram registrados 123 conflitos por terra e território, dos quais 66,67% desses na região do Cerrado. Nesse contexto, a concentração da terra, o êxodo rural e a violência contra populações do campo, das cidades, das águas e das florestas tende a aumentar, diminuindo a disponibilidade dos bens da natureza essenciais para nosso Bem Viver.

5. O povo, no tempo de Jesus, identificou o poder do Império Romano simbolizando-o como uma besta fera que destruía a diversidade de comunidades e os seus modos de vida (cf Ap 13, 1-18). Nos tempos de hoje, o MATOPIBA se assemelha a esse monstro que se apodera do nosso cerrado, transformando-o em mercadoria para aqueles que sempre se beneficiaram dos recursos naturais, em detrimento da maioria dos maranhenses. Conscientes da trágica realidade que essa besta fera causará, exigimos: a regularização dos territórios, com a Reforma Agrária Popular, a titulação dos territórios quilombolas e a demarcação das terras indígenas.

6. Diante do exposto, reafirmamos nossa postura contrária a implantação desse empreendimento e o nosso compromisso com a resistência e insurgência dos povos e comunidades que lutam em defesa dos direitos fundamentais, seus modos de vida e de produção que se realiza em harmonia com a natureza. Acreditamos nos princípios do Bem Viver fundamentados nas tradições dos povos indígenas, quilombolas e em outras comunidades tradicionais e na tradição bíblica cristã (cf Ap 21, 1-7 e Ap 22, 1-5) que valoriza a diversidade de culturas no campo e na cidade; defendemos que a soberania das populações tradicionais seja respeitada, criando as condições necessárias para a reprodução da vida no campo.

Lutaremos e convocaremos toda a sociedade, assim como fizeram as Primeiras Comunidades Cristãs (cf. Ap 7,1-17), a empenhar-se conosco criando uma grande unidade, incidindo e pressionando os governos locais, estadual e federal, a fim de que o MATOPIBA seja enterrado, pois ele significa a morte e nós lutamos em defesa da vida.

São Luís, 26 de fevereiro de 2016.

Representantes das dioceses de Brejo, Balsas, Grajaú, Bacabal, Caxias, Coroatá, São Luís, do Regional NE V – CNBB.
Povos Indígenas Krikati, Krenyê e Ramkokamkrá/Canela
Moquibom – Comunidades quilombolas de Triangulo, Cruzeiro, Santa Maria
Comissão Pastoral da Terra – Regional Maranhão
Conselho Indigenista Missionário – Regional Maranhão
Cáritas Maranhão
Pastoral da Criança
Pastoral da AIDS
CEBI
CEBS
Irmãs de Notre Damme
Sociedade Maranhense de Direitos Humanos
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MA
Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco – MIQCB

Fonte: Assessoria de Comunicação do Cimi
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