“O crime contra o menino Vitor Kaingang não é um caso isolado”
No dia 25 de janeiro, 26 dias depois do brutal assassinato do indígena Vítor Pinto Kaingang, de apenas dois anos, morto no colo de sua mãe na rodoviária de Imbituba (SC), o inquérito que investiga o crime foi concluído. O principal suspeito, que está preso temporariamente desde o início do ano e confessou o crime, foi indiciado por homicídio doloso duplamente qualificado, por ter sido praticado por motivo fútil e sem chance de defesa.
Em entrevista coletiva concedida na semana passada, o delegado Raphael Giordani, responsável pelo caso, afirmou aos meios de comunicação que o suspeito detido há quase um mês confessou ter cometido o crime, sob a justificativa de que “espíritos disseram que ele deveria matar uma criança”.
O inquérito não considerou o caso um crime de ódio motivado por preconceito contra indígenas. Segundo as declarações do delegado, o suspeito detido afirmou que teria escolhido sua vítima por ser uma criança, e não por ser um indígena.
Para um grupo de profissionais ligados à questão indígena e missionários do Cimi Sul de Santa Catarina, o caso de Vítor Kaingang “não é apenas um caso individual, isolado do contexto no qual vivem os povos indígenas no Brasil e em Santa Catarina”, conforme explicam em nota divulgada neste final de semana, quando o crime ocorrido em 30 de dezembro no litoral sul de Santa Catarina completou um mês.
O contexto do crime, em relação à situação dos indígenas no Brasil e na região Sul, deve ser levado em conta: trata-se de um momento em que os povos indígenas e quilombolas sofrem duros ataques de poderosos grupos econômicos que têm interesse em “liberar” suas terras e os recursos que existem dentro delas para a exploração, e cujo exemplo mais notável é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215.
“No oeste de SC, onde nasceu Vitor, no Rio Grande do Sul e no Paraná a situação não é diferente: os indígenas têm sido alvo de violências explícitas, que, somadas à violência estrutural que compartilham com outros trabalhadores, sem teto, sem terra, quilombolas, pescadores e tantos outros e outras, fazem deles uma das populações mais vulneráveis de nosso país”, afirma a nota.
Os autores da carta destacam que estes ataques ocorrem não só por meio da violência física, mas também da violência simbólica, por meio do preconceito que considera os indígenas como “vagabundos”, improdutivos, que querem “muita terra para pouco índio”, o que não condiz com a realidade.
“Em Santa Catarina, esses povos vivem em menos de 1% do território estadual. […] Despossuídos da terra e de seus recursos, os indígenas se vêem forçados a vender sua força de trabalho em empresas que não respeitam direitos trabalhistas, muito menos étnicos”.
Por este motivo, explicam, a produção e venda de artesanato assumiu para o povo Kaingang uma importância econômica, para além da importância cultural e educacional que esta prática – que envolve mulheres, homens e crianças num longo processo que vai da coleta de materiais à confecção dos produtos – tradicionalmente possui para os indígenas. A própria família de Vítor havia saído da Terra Indígena (TI) aldeia Kondá, em Chapecó, no oeste de Santa Catarina, e estava em Imbituba, no litoral catarinense, para vender artesanato e garantir a subsistência familiar.
Os autores e autoras da nota ainda citam o clima de preconceito e de desinformação que vigora no estado de Santa Catarina, fortalecido pela postura irresponsável de meios de comunicação locais, como no caso de matérias que questionam os direitos e a própria identidade dos Guarani Mbyá da Terra Indígena (TI) Morro dos Cavalos, localizada a 100 km da cidade de Imbituba e sob disputa judicial.
“Ao invés de valorizar a diversidade cultural e garantir aos povos originários direitos reconhecidos internacionalmente, Santa Catarina compõe o vergonhoso cenário do preconceito, da ignorância e do desrespeito aos direitos humanos. É neste contexto que o crime de Vitor acontece”, afirmam os autores e autoras da nota, que incluem, além dos missionários do Cimi Clóvis Brighenti e Osmarina de Oliveira, as antropólogas Carmen Tornquist e Viviane Vasconcelos, a artista plástica SELA e a pedagoga responsável pelo Museu do Brinquedo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Telma Anita Piacentini.
O manifesto também pede providências imediatas aos governos municipais, estadual e federal para garantir o respeito aos indígenas do povo Kaingang, a punição do culpado pelo crime e a regularização das terras indígenas e quilombolas no estado de Santa Catarina.
Clique aqui para ler a nota na íntegra.
Em homenagem a Vítor Kaingang, o Museu do Brinquedo da UFSC realiza uma exposição de brinquedos indígenas. Para saber mais, clique aqui.
Fotos: Daiane Servo/Diocese de Chapecó