Povo Xakriabá enfrenta preconceito para garantir atendimento básico à saúde em Itacarambi (MG)
Nos últimos meses, os problemas enfrentados pelo povo Xakriabá das aldeias Caraíbas e Vargem Grande, na Terra Indígena (TI) Xakriabá, vêm se agravando, com a falta de condições para atendimento adequado de saúde e o constante preconceito enfrentado no município de Itacarambi, no norte de Minas Gerais (MG).
Há uma equipe multidisciplinar da Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena (Sesai) voltada a atender as 160 famílias indígenas das duas aldeias, mas impossibilitada de atuar por falta de espaço em condições sanitárias mínimas.
Os indígenas pleitearam, sem sucesso, que a equipe da Sesai atendesse na Unidade Básica de Saúde municipal que existe na área das aldeias Caraíbas e Vargem Grande. A unidade, que atende indígenas e não indígenas, sofre com a falta de medicamentos e conta com apenas dois auxiliares técnicos contratados pelo município e um médico que faz atendimentos apenas uma vez por semana.
Nos últimos meses, o atendimento prestado pela equipe da Sesai vinha ocorrendo em um local pequeno e insalubre, no qual não havia espaço para a realização de tratamento odontológico e psicológico.
Devido à situação dos pacientes e à urgência da necessidade do povo, os indígenas decidiram garantir que os atendimentos da Sesai fossem realizados na Unidade Básica de Saúde que existe na comunidade, mesmo contra a vontade e a imposição do atual prefeito.
Assim, desde a última segunda-feira (25), a equipe multidisciplinar da Sesai passou a fazer os atendimentos aos indígenas nas instalações do posto de saúde local.
Esta decisão foi tomada pela comunidade indígena depois de várias tentativas de diálogo com a Secretaria Municipal de Saúde e Câmara de Vereadores do município, nas quais os indígenas não obtiveram uma resposta positiva do município sobre a gestão compartilhada da Unidade Básica de Saúde que fica na comunidade.
“Falta de compreensão e perseguição”
Desde 2013, o povo Xakriabá das aldeias Caraíbas e Vargem Grande vem lutando para garantir os seus direitos. A área das aldeias está localizada a 37 quilômetros do município de Itacarambi (MG) e foi retomada em setembro daquele ano. Uma antiga fazenda de 6250 hectares, sobreposta à terra tradicional, hoje abriga 160 famílias indígenas Xakriabá, que continuam lutando para superar o preconceito, a discriminação e a negação dos seus direitos.
Os indígenas relatam sofrerem com a perseguição política no município, cujos gestores têm trabalhado para tentar isolar a comunidade e dificultar o acesso às políticas públicas diferenciadas, um direito dos povos indígenas e um dever do Estado. A terra retomada pelos indígenas Xakriabá teve o seu relatório publicado no Diário Oficial da União em outubro de 2015, identificando e delimitando a área como tradicional, e desde então o conflito tem se acirrado.
“Durante este período temos procurado dialogar com as autoridades competentes, no intuito de amenizar os conflitos”, afirmam lideranças Xakriabá. “Atualmente, temos lutado para garantir que a equipe médica coordenada pela Sesai possa prestar os serviços de saúde ao nosso povo, mas temos nos esbarrado com a falta de compreensão e perseguição da atual gestão do município de Itacarambi, que tenta barrar a prestação destes serviços na Unidade Básica de Saúde construída na nossa comunidade, negando nossa identidade étnica e afirmando que, enquanto for prefeito, lutará contra a nossa comunidade, tudo isso pelo fato de termos assumido a nossa identidade indígena”.
Distância da cidade e falta de transporte
Os indígenas também sofrem com a falta de um carro para buscar atendimentos de emergência no hospital do município. Como as aldeias ficam a 37 quilômetros da sede do município, onde fica o hospital, os indígenas têm que pagar pelo transporte particular toda vez que precisam de atendimento hospitalar.
Na verdade, um veículo foi conseguido pelos indígenas por meio da emenda parlamentar de um deputado, mas, como eles não tinham nenhuma assossiação oficial, o carro foi doado em nome da Associaçao de Esporte da comunidade de Várzea Grande. O presidente, que não é indígena, reteve o veículo longe das aldeias. Segundo os indígenas, o carro está parado e já existe uma ação do Ministério Público Federal (MPF) visando garantir a prestação do serviço de transporte aos Xakriabá.
“A perseguição vai aumentar”
Os indígenas acreditam que a falta de estrutura, de pessoal e de medicamentos no posto de saúde que fica na comunidade é uma forma da prefeitura pressionar os indígenas, cuja identidade indígena ainda não é totalmente reconhecida pelos gestores do município.
Ainda assim, a prefeitura de Itacarambi (MG) recebeu, em 2012, R$ 720 mil para garantir atendimento hospitalar adequado aos povos indígenas no município. É o que estabeleceu a Portaria nº 954, publicada pelo Ministério da Saúde em 15 de maio de 2012, a qual inclui o Hospital Municipal Gerson Dias no programa de Incentivo para a Atenção Especializada aos Povos Indígenas (IAE -PI).
As lideranças Xakriabá afirmam que a decisão de garantir o atendimento da Sesai no posto de saúde, mesmo contra a vontade da prefeitura, foi uma questão de necessidade. “Temos muitos hipertensos, pessoas precisando de atendimento odontológico, grávidas precisando de fazer pré-natal, pacientes com hanseníase, problemas psicológico dentre outros. Não podemos colocar o nosso povo em risco em função de interesses políticos que nada tem contribuído para a melhoria da nossa qualidade de vida”.
Os indígenas têm buscado apoio de entidades e órgãos como a Sesai e o MPF para que seu direito ao atendimento diferenciado na saúde seja garantido. “Temos clareza de que a partir desta nossa decisão a perseguição ao nosso povo vai aumentar, por isso pedimos apoio”, afirmam os indígenas.
O povo Xakriabá assegura também que a utilização do posto de saúde local pela equipe da Sesai “não impede que a secretaria de saúde do município de Itacarambi continue prestando seus serviços com tranquilidade e segurança, sendo respeitados por todo o nosso povo”.
Diante deste contexto, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), juntamente com os caciques e lideranças Xakriabá, denuncia esta situação e solicita a intervenção dos órgãos competentes, no intuito de intervir em favor dos indígenas Xakriabá para que os seus direitos sejam garantidos e efetivados, de acordo com o estabelecido na Constituição Federal.