30/11/2015

Povos e comunidades tradicionais denunciam destruição do Cerrado pelo Matopiba

Povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais do Cerrado, unidos a movimentos sociais e sindicais e organizações de apoio divulgaram, no último dia 25, uma carta aberta sobre a destruição do Cerrado pelo Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba (PDA Matopiba).

A carta é fruto é do I Encontro Regional dos Povos e Comunidades do Cerrado, ocorrido entre os dias 23, 24 e 25 de novembro. No documento, os povos e comunidades tradicionais do Cerrado afirmam que o PDA Matopiba “nada mais é que a velha e contínua política desenvolvimentista do período militar e atual, maior promotora de violências, de degradação ambiental, trabalho escravo e desigualdades sociais e econômicas do campo brasileiro”.

Segundo dados da Embrapa, o Matopiba deve compreender 73 milhões de hectares dentro do bioma cerrado, numa delimitação territorial dentro da qual existem 28 terras indígenas, 42 unidades de conservação, 865 assentamentos e 34 quilombos.

O projeto, que foi criado por meio do Decreto Presidencial nº 8447, de maio de 2015, prevê a expansão da fronteira agrícola em parte dos territórios dos estados do Maranhão (MA), Tocantins (TO), Piauí (PI) e Bahia (BA).

Um estudo da Embrapa prevê que 73% dos cerrados da região abrangida pelo Matopiba seriam passíveis de ocupação pela agricultura, mas que 24% desses territórios seriam “potencialmente” preservados dentro das propriedades rurais, devido à determinação, no Código Florestal, de preservação de 20% das matas nativas nas áreas de cerrado e de 35% nas áreas abrangidas pela Amazônia Legal, que correspondem a 60% de todo o Matopiba.

Os povos indígenas, quilombolas e as comunidades tradicionais que assinam a carta aberta afirmam que o PDA Matopiba impactará agressivamente o bioma Cerrado, além de desconsiderar e invisibilizar dezenas de povos que, há anos, buscam a regularização de suas terras, aumentando a grilagem das terras e a violência física e psicológica já existentes contra as populações do Cerrado.

A carta afirma que o Matopiba “não é um projeto de desenvolvimento sustentável, pois ‘mata’ a água, a terra, o bem viver dos povos indígenas, quilombolas e camponeses” e denuncia a estratégia politica e pessoal da atual ministra da Agricultura e Pecuária, Kátia Abreu, “através da busca de maiores investimentos de recursos do governo federal, via Matopiba, para o estado do Tocantins, visando a viabilização de seu projeto político eleitoral”.

Leia, abaixo, a carta na íntegra:

 

Carta aberta à Sociedade Brasileira e à Presidência da República e ao Congresso Nacional sobre a destruição do Cerrado pelo MATOPIBA

Araguaína – Tocantins, 25 de Novembro de 2015

 

Nós, Camponeses(as), Agricultores(as) Familiares, Povos Indígenas, Quilombolas, Geraizeiros(as), Fundos e Fechos de Pasto, Pescadores(as), Quebradeiras de Coco, reunidos(as) no I ENCONTRO REGIONAL DOS POVOS E COMUNIDADES DO CERRADO, em Araguaína – Tocantins, nos dias 23, 24 e 25 de Novembro de 2015 , para debater sobre o PDA MATOPIBA e as consequências para os Povos do Cerrado, viemos INFORMAR e MANIFESTAR  à Sociedade Brasileira:

– Que a política nacional de desenvolvimento agropecuário, através do Plano de Desenvolvimento Agropecuário do MATOPIBA (PDA MATOPIBA), instituída através do Decreto n. 8447, nada mais é que a velha e contínua política desenvolvimentista do período militar e atual, maior promotora de violências, de degradação ambiental, trabalho escravo e desigualdades sociais e econômicas do campo brasileiro.

– Que a delimitação territorial do MATOPIBA, abrangendo os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, impactará, agressivamente, o Bioma Cerrado, “berço das águas”, onde encontram-se os maiores aquíferos do planeta, as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul (Amazônica/Araguaia-Tocantins, São Francisco e Prata), a mais rica biodiversidade brasileira.

– Que a desconsideração desta diversidade biológica, cultural e de povos, por parte dos sucessivos governos, das elites econômicas, políticas e até mesmo acadêmicas, autorizou que nos últimos anos, estas áreas fossem griladas e ocupadas pela expansão de um modelo agrário/agrícola com base na monocultura devastadora implantada pelos latifúndios empresariais – o agronegócio.

– Com caráter de manipulação política, estão sendo desconsiderados e invisibilisados dezenas de povos que, há diversos anos, buscam a regularização de suas terras. Com isso, numa região de graves conflitos, aumentarão ainda mais os problemas socioambientais.

Por isso, nós, povos e comunidades do Cerrado, movimentos sociais e sindicais, organizações de apoio e assessoria, signatários desta carta, a partir de nossas reflexões e debates, viemos manifestar o nosso posicionamento CONTRA o PDA MATOPIBA pois,  

Promoverá ainda maior destruição da vida e exclusão de povos do Cerrado, vindo reforçar o crescimento do êxodo rural, o aumento da pobreza e a invisibilidade das populações existentes no território. O PDA MATOPIBA não representa desenvolvimento, pois atinge os modos de vida das comunidades do Cerrado;

– Não é um projeto de desenvolvimento sustentável, pois “mata” a água, a terra, o bem viver dos povos indígenas, quilombolas e camponeses;

Aumentará a grilagem das terras e a violência física e psicológica contra as populações do Cerrado;

Aumentará a degradação ambiental, agravando ainda mais os problemas hídricos: rios estão secando, águas estão sendo envenenadas, matas ciliares estão desaparecendo e áreas de recarga, ocupadas pelas monoculturas, perdendo sua capacidade de recarga;

Irá beneficiar apenas as grandes empresas nacionais e multinacionais, os latifundiários do agronegócio visando somente  o seu crescimento econômico;

Trará mais impactos negativos ao meio ambiente e às populações tradicionais do entorno, com destruição das matas e solos pelo uso intensivo de tratores e correntões e pelo abusivo uso de agrotóxicos com pulverização aérea intensiva;

Aumentará apenas o poder econômico do agronegócio e o politico dos atuais parlamentares comprometidos com o mesmo;

Fortalecerá uma estratégia politica e pessoal da senadora, ex-presidente da CNA e atual ministra da Agricultura e Pecuária – Katia Abreu, através da busca de maiores investimentos de recursos do governo federal, via MATOPIBA, para o estado do Tocantins, visando a viabilização de seu projeto político eleitoral.

Diante desta situação repudiamos e denunciamos:

– A Violência contra as comunidades camponesas, perpetrada pelo agronegócio aliado ao Estado e ao poder judiciário, que tem imposto uma situação de barbárie, com aumento dos conflitos, ameaças de morte e assassinatos no campo. Como lamentável exemplo citamos a situação de Campos Lindos e a expulsão da Agricultora Dona Raimunda e sua comunidade, moradores há 62 anos na sua terra, no município de Barra do Ouro. O Juiz Luatom Bezerra, da Comarca de Goiatins (TO), emitiu ordem judicial de despejo a pedido do grileiro e sojicultor Emilio Binotto.

– A crescente compra de terra por grupos estrangeiros nas áreas do MATOPIBA e demais regiões dos biomas Amazônia e Cerrado.

– A Transposição do Rio São Francisco que tem provocado a morte dos diversos rios e igarapés existentes no cerrado e semiárido; e a iminente ameaça da implementação do projeto de transposição do Rio Tocantins para o Rio São Francisco;

O aumento das autorizações para desmatamento e outorga de água para monoculturas irrigadas no oeste da Bahia, tendo como modelo a ser implantado os piscinões da Fazenda SUDOTEX em Correntina- BA;

A Construção da Hidrovia Araguaia-Tocantins e das barragens de Marabá, Serra-quebrada, Santa Isabel, Perdida Dois e Rio do Sono; além dos projetos de asfaltamento de estradas em terras indígenas, como as TO-126, TO-010, TO-500 e de abertura da Transbananal, que como a construção da Ferrovia de Integração Leste-Oeste FIOL (MT-TO-BA), da ferrovia Norte Sul e do Porto de Itaquí, MA, causarão danos irreparáveis ao meio ambiente e às populações locais;

A paralisação das ações discriminatórias por pressão do agronegócio no oeste da Bahia;

A desconstrução dos direitos dos povos indígenas e comunidades quilombolas através da PEC 215, que transfere para o poder legislativo a demarcação das terras; da Portaria 303 (que quer estender as 19 condicionantes da área Indígena Raposa Serra do Sol para todas as terras indígenas); da PEC 237 (que facilita o  arrendamento de terras indígenas) e o PL 1610 ( mineração).

O Cerrado merece cuidado e respeito. Por isso, apelamos à consciência nacional, à presidência da República e ao Congresso Nacional para que se ponha um fim à veloz destruição deste bioma, o mais antigo do planeta, se não quisermos passar para a posteridade o estigma de termos destruído, em poucas décadas, o que a Natureza levou milhões de anos a construir.

Araguaína, 25 de novembro de 2015.

Subscrevem a presente carta:

 

1.     CPT – Comissão Pastoral da Terra

2.     CIMI – Conselho Indigenista Missionário

3.     Articulação Camponesa – Tocantins

4.     APA-TO – Alternativa para a Pequena Agricultura no Tocantins

5.     Escola Família de Campos Lindos

6.     MIQCB – Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu

7.     AMIQCB – Associação do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu

8.     ASMUBIP – Associação das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Bico do Papagaio

9.     Escola Família Agrícola Pe. Josimo

10. Agência 10ENVOLVIMENTO

11. Rede Cerrado

12. Associação Pro-Cultura de Formoso do Rio Preto

13. Colônia Z-64  Riachão das Neves-BA

14. STR de São Desiderio – BA

15. STR Santa Rita de Cassia – BA

16. MAB – Movimento dos Atingidos Por Barragens

17. Coletivo de Fundo e Fecho de Pasto do Oeste da Bahia

18. ACEFARCA – Associação Comunitária da Escola Família Agrícola Rural de Correntina e Arredores

19. MAISVERDE – Movimento Ambientalista Grande Sertão Veredas

20. CONVALE – Conselho Ambiental do Vale do Rio de Ondas –

21. AMB – Associação de Mulheres de Buriti do Tocantins

22. TEIA – Organização dos Povos Tradicionais do Maranhão

23. MOQUIBOM – Movimento Quilombola do Maranhão

24. COEQTO – Coordenação Estadual dos Quilombolas do Tocantins

25. CRB – Conferência dos Religiosos(as) do Brasil – MA

26. CRB – Núcleo Miracema Tocantins

27. Pastoral Indigenista da Diocese de Grajaú – MA

28. Associação União das Aldeias Apinajé Pempxa

29. Associação Mãkra-re do povo Krahô

30. CNS – Conselho Nacional das Populações extrativistas

31. Associação Comunitária Nova Santana – PI

32. Assentamento Rio Preto – PI

33. Assentamento Taboca, PA Flores – PI

34. Assentamento Barra do Correntinho – PI

35. Associação dos moradores das Melancias – PI

36.  Movimento das Comunidades populares (MCP) – MA

37.  Diocese de Brejo – MA

38.  Assoxiação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Buriti – TO

39.  Associação da Comunidade Remanecente de Quilombo Grotão (ACOREG) – TO

40.  STR de Campos Lindos – TO



Foto: Mobilização Nacional Indígena 2013 – Laila Menezes

Fonte: Assessoria de Comunicação do Cimi
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