31/10/2015

Os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas e o golpe dos ruralistas

Com participação de 24 etnias indígenas do Brasil e 23 do exterior esta sendo realizada na cidade de Palmas, no Estado do Tocantins, a 1ª edição dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas. A abertura oficial do evento aconteceu no dia 23, com as presenças da presidenta Dilma Rousseff, dos ministros da Justiça, José Eduardo Cardoso, dos Esportes, George Hilton, e da Agricultura, Kátia Abreu. O encerramento será no dia 01/11/2015.

Na abertura dos JMPI a presidente foi muito vaiada e alertada pelas lideranças indígenas quanto à possibilidade de aprovação, na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, da PEC 215/2000, proposta que altera as regras para demarcação de terras indígenas e quilombolas.

Dito e feito. Na noite do dia 27, no bojo e “no calor da grande festa”, enquanto os povos indígenas celebravam em Palmas, Tocantins, a “união dos povos” nos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, os deputados federais, de forma traiçoeira, aproveitaram para aprovar na Comissão Especial a famigerada PEC 215/2000. No final da semana passada, no dia 23/10 os deputados já tinham tentado aprovar a proposta.

Ressaltamos que essa manobra política de setores ruralistas já era prevista. Eles tinham que inventar uma fórmula e armar uma farsa para envolver e enganar os povos indígenas e quilombolas, e avançar com a PEC 215. A realização desses 1º Jogos Mundiais dos Povos Indígenas teve a finalidade também de desfocar e esconder da imprensa independente e da sociedade civil organizada, os sérios conflitos fundiários e violações de direitos humanos que estão ocorrendo no país.

Evidentemente os ruralistas conseguiram realizar e usar os 1º Jogos Mundiais dos Povos Indígenas a serviço de suas ambições políticas e econômicas de forma tão escandalosa e vergonhosa que no dia 23/10 a presidenta Dilma Rousseff e sua comitiva, antes de se dirigir para a vila olímpica para abertura oficial do evento, estiveram reunidos com quatro governadores dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, para discutir a verdadeira pauta que os interessa: a implantação da agência de “desenvolvimento” MATOPIBA nesses quatro estados.

Lamentavelmente algumas lideranças indígenas não se deram conta do plano ardiloso desses setores inimigos, especialmente dos ruralistas que vivem a mais de 500 anos roubando nossos territórios e agora estão se apropriando indevidamente também das manifestações culturas indígenas com a finalidade de fazer publicidade política, tratando as práticas e usos indígenas de forma folclórica e carnavalesca. Enfim, um espetáculo para turista ver.

Entre os dias 23 a 27/10/15, quando estivemos em Palmas, TO, andando nas ruas, praças, em rodas de conversas e na imprensa podemos ouvir e ler muitos comentários e manifestações de intolerância e preconceito contra os indígenas participantes dos JMPI. É indigno ver as culturas indígenas serem tratadas de maneira tão pejorativa e desrespeitosa. A postura, os modos de se comportar, se vestir, se manifestar e até as línguas indígenas às vezes viravam motivos de piadas e gozações para os não índios.

Nesse período verificamos também muitas reclamações de atitudes abusivas e antidemocráticas de parte dos organizadores do evento que estariam impedindo ou dificultando a entrada de alguns veículos da imprensa internacional que pretendiam fazer a cobertura dos JMPI. Ouvimos relatos de jornalistas alemães que seus colegas norte-americanos (jornalistas e fotógrafos) da Revista National Geographic foram impedidos de acessar as dependências da vila olímpica.

Fica uma pergunta: O que tem de errado com essa vila olímpica que a imprensa não pode mostrar? Talvez queiram exibir somente os indígenas submissos, pintados e jogando nas diversas modalidades. Mas não querem que seja noticiada nenhuma queixa ou reclamação sobre a desorganização e falhas estruturais do local. Ou temem que a imprensa internacional mostre manifestações de insurgências contra a PEC 215/2000 e outras violências que estão sendo perpetradas contra as comunidades indígenas!

E agora meus parentes, depois que os ruralistas aprovaram a PEC 215/2000 a ficha caiu não é? Diante desse absurdo e dessa afronta contra a vida das etnias indígenas e quilombolas do Brasil vão continuar jogando o jogo deles? Quem está ganhando e quem está perdendo? Acorda meus irmãos. Não precisa se humilhar e se rebaixar dessa forma para ganhar um benefício ou emprego no governo. Até quando vão servir de fantoches para serem usados politicamente dessa maneira? Lembrem-se: não podemos trair e abandonar nossos compromissos, princípios e valores!

Os nossos povos Krahô e Apinajé boicotaram esses JMPI. De maneira consciente e firme assumimos nossa posição crítica em relação ao evento. Ressaltamos que não somos contra o esporte, entendemos que o evento poderia ser melhor e diferente se a gente tivesse sido consultado e ouvido previamente. Mas, não podemos participar de um evento idealizado pela ministra Kátia Abreu, líder de grupos políticos e econômicos que pretendem extinguir a Funai, que sempre pregaram o ódio contra os índios e estão aprovando a PEC 215/2000. Dessa forma só temos que repudiar com veemência essa farsa realizada para ocultar os assassinatos e mascarar o genocídio das etnias indígenas do Brasil.

Já que demostram tanto interesse pelas culturas indígenas: Por que não apoiam os eventos da cultura que acontecem nas aldeias? Por que não apoiam as formas tradicionais dos povos indígenas plantarem e produzir os próprios alimentos? Por que não incentivam a produção de artesanatos, as cantorias outras manifestações culturais? A resposta é que esse pessoal não quer saber de cultura indígena coisa nenhuma. O que querem mesmo são as terras indígenas. Por isso ficam dizendo que “é muita terra pra pouco índio” e aprovando contradições e retrocessos como a PEC 215/2000.

Ontem, 28/10, no programa Brasil em Debate da TV Câmara, o Deputado Federal Edmilson Rodrigues (PSOL/PA) lembrou o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em Roraima, em que sete grandes fazendeiros queriam dominar um território onde vivem atualmente mais de 30 mil indígenas das etnias Macuxi, Wapichana, Ingarikó e Patamona. Caso a área RSS não tivesse sido regularizada e devolvida aos seus legítimos donos, isso sim seria uma incoerência: “Muita terra pra poucos fazendeiros”.

Considerando que já passamos 515 anos enfrentando essa violenta ofensiva desses inimigos, agora também não vamos ficar de braços cruzados diante dessa onda de ataques contra nossos direitos constitucionais. Junto com alguns aliados e amigos vamos continuar a luta.

Terra Indígena Apinajé, 29 de outubro de 2015.

Associação União das Aldeias Apinajé-Pempxà

Fonte: Associação União das Aldeias Apinajé-Pempxà. Foto: Antônio Veríssimo
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