22/10/2015

Ordem de despejo de Guaiviry (MS) foi suspensa pelo STF no final da tarde de ontem (21)

Cerca de 150 indígenas Kaiowá e Guarani do tekoha ("lugar onde se é") Guaiviry, no município de Aral Moreira (MS), fronteira com o Paraguai, puderam dormir em paz pelo menos nesta última noite, sem o risco de serem despejados de modo violento, como tem acontecido recorrentemente no estado. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, deferiu a Suspensão de Liminar 929 no final da tarde desta quarta-feira (21), suspendendo, deste modo, a reintegração de posse que seria realizada amanhã (23), segundo a Polícia Federal havia informado a Fundação Nacional do Índio (Funai). A forte base de operações policiais montada para executar o despejo de Ñhanderu Marangatu, suspenso na madrugada desta quarta-feira (21) também pelo STF, permanecia montada na cidade de Antônio João, segundo informações de movimentos sociais que estiveram presentes no local ontem. Como a posição dos Guarani e Kaiowá era de não abandonarem sua terra tradicional, os conflitos eram iminentes.

 

Segundo informa Ava Apika Rendy Ju, uma das lideranças da retomada, os indígenas permanecerão na área, mesmo com o ataque policial [leia o depoimento na íntegra, ao final da matéria]. Em nota técnica, a Funai afirmou temer "risco de óbitos decorrentes de um possível conflito entre índios e policiais, tal como no caso da reintegração de posse em que veio a óbito o indígena Oziel Terena", e informou que, do total de moradores de Guaiviry, 68 delas são crianças e jovens menores de 18 anos, e 14 são idosos.

 

Em junho, os indígenas retomaram as fazendas Água Branca e Três Poderes, que incidem sobre o território reivindicado. Os proprietários das duas fazendas entraram com pedidos de reintegração na 1a Vara de Justiça Federal de Ponta Porã que, então, determinou a retirada dos Kaiowá em ambas as propriedades.

 

 

Histórico

 

Entre 2005 e 2011, os indígenas realizaram diversas tentativas de retomar parte de seu território originário. Em novembro de 2011, o rezador Nísio Gomes foi assassinado a tiros durante tentativa de expulsão dos índios de área ocupada. O Ministério Público Federal (MPF) denunciou 19 pessoas pelo ataque – entre eles, fazendeiros, advogados e um secretário municipal, além de proprietário e funcionários da Gaspem, empresa de segurança privada. Após o ataque, a comunidade conquistou 79 hectares, onde viviam 66 famílias.

 

No dia 24 de junho deste ano, em protesto contra uma decisão da Justiça Federal que negava pedido de danos morais coletivos contra o proprietário Gaspem, Aurelino Arce, as famílias de Guaiviry ocuparam as fazendas Água Branca e Três Poderes, que incidem sobre o território reivindicado.

 

Suspensão

 

Horas antes da polícia iniciar o despejo de cerca de mil indígenas do tekoha Ñhanderu Marangatu, em Antônio João -, a ministra do STF Carmen Lúcia acatou pedido da Funai de suspensão da liminar de reintegração.

 

Em agosto, cerca de 500 indígenas iniciaram a retomada de cinco fazendas que incidem sobre o território tradicional de Ñhanderu Marangatu. A resposta dos proprietários das fazendas foi brutal: armados, e sob ordem de uma fazendeira local, Roseli Maria Ruiz Silva, atacaram brutalmente os indígenas, culminando na morte de Semião Vilhalva, jovem Kaiowá de 24 anos, com um tiro na cabeça.

 

Comitiva

 

Para tentar garantir que confrontos como o da fazenda Buriti, no Pantanal, onde durante reintegração de posse, em 2013, foi assassinado o indígena Oziel Terena, uma comitiva de entidades de direitos humanos e movimentos sociais foi formada para acompanhar as reintegrações. Eles também buscam coletar informações para possíveis denúncias de violações junto a organismos internacionais de direitos humanos.

 

Além de representantes indígenas do Conselho da Aty Guasu (Grande Assembleia Kaiowá e Guarani) e do Conselho Terena, fazem parte do grupo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Via Campesina, Comissão Pastoral da Terra (CPT), CDDH, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Cebi, Coletivo Terra Vermelha (CTV), Copai/OAB, Renap, Marcha Mundial das Mulheres, Levante, Cedampo e Tribunal Popular da Terra (TPT-MS). O grupo continuará acompanhando as próximas reintegrações de posse, e estará presente na próxima sexta, em Guaiviry.

 

Depoimento de Ava Apika Rendy Ju, liderança de Guaiviry

 

A comunidade do Guaiviry, quando soube da decisão do despejo, decidiu permanecer lá. E o recado é o mesmo de sempre: que ninguém vai sair de lá, vai permanecer. E vai morrer tudo lá. Quem for fazer o despejo, é pra matar todo mundo: cachorro, gato, pra nenhuma pessoa sobreviver. Porque se deixar uma, duas pessoas, essas pessoas sofreriam muito a perda de todas as outras. Então a decisão é que, morrendo todo mundo, ninguém ia ficar sobrando pra sofrer a dor da perda dos parentes.

 

Nós temos a visão de que aquela terra nos pertence desde o início. E que a terra tem um significado diferente do que tem o significado para o capitalismo, que você só produz dinheiro sobre a terra.

 

Para nós, tem outro significado, que são os matos, as caças, banho de água na cachoeira; quando você vai plantar em nome de Jaikará [o deus do milho, para os Kaiowá], quando você vê a estrela do céu, isso tudo é a vida na terra. É muito ampla e fora do que você entende por dinheiro. Isso é o que se chama vida. E entre nós, Guarani e Kaiowá, sempre conseguimos viver em harmonia com eles, sem agredir eles e sem eles nos agredir.

 

São Paulo é a prova disso. Agora tem escassez de água, de chuva. E o Rio Grande do Sul com as inundações, isso por quê? Porque a maior parte da exploração desses lugares, da terra, ali a terra e a vida foram ofendidas e agora elas estão respondendo isso desse jeito. E quem sofre mais são os pobres e não os ricos que exploraram a terra. Quando a gente pensa nesses lugares e nessas situações, a gente percebe o que o Guaiviry representa para nós Guarani e Kaiowá.

 

Então a gente diz que defender esse direito de vida, não é defender para o grupo de pessoas ali do Guaiviry. É contemplar a vida de todo mundo. Porque se salvar o Guaiviry a gente salva a água embaixo da terra que está lá, os animais, tudo que possa procriar de novo, recuperar as plantas que estão sendo extintas.

 

Então isso da gente defender o Guaiviry, dar a vida, defesa com o nosso próprio sangue, dar a vida do nosso próprio filho, da mulher se sacrificar, é pro bem de tudo, é o bem do futuro, de todos.

 

Queria que isso fosse entendido por pessoas que vivem dentro da cidade e às vezes não tem noção de onda mora e nem do que está ao redor, porque está num prédio cercado de mais prédio de mais prédio.

 

Quando você chega no Guaiviry, todas as crianças ficam felizes, pulando, cantando. Se você chega numa criança urbana você vai ver o quê? Pra ficar feliz tem que levar no parque de diversões, que é uma ilusão, porque você leva o filho lá e não se diverte tanto. Ou você vai levar no zoológico pra conhecer os animais.

Fonte: Assessoria de Comunicação do Cimi
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