07/10/2015

Requerimento pedindo a instalação da CPI do Genocídio é protocolado na mesa diretora da Assembleia Legislativa do MS

A mesa diretora da Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul recebeu no início da tarde desta quarta-feira, 7, requerimento pedindo a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os assassinatos e os diversos tipos de violências cometidas contra os povos indígenas no estado. A chamada CPI do Genocídio tornou-se um clamor popular país afora, não apenas na sociedade sul-mato-grossense, mas sobretudo entre os povos indígenas, com destaque aos Guarani Kaiowá e Terena. Durante essa semana, mobilizações pela CPI do Genocídio acontecem em Brasília e no Mato Grosso do Sul.  

Genocídio é quando violências e crimes são motivados por questões étnicas contra uma coletividade, no caso a indígena. É o extermínio deliberado, além da eliminação da existência física. Geno vem do grego e significa ‘raça’ ou ‘tribo’; Cídio vem do latim e significa ‘matar’.  "Um plano coordenado, com ações de vários tipos, que objetiva a destruição dos alicerces fundamentais da vida de grupos nacionais com o objetivo de aniquilá-los", assim definiu genocídio o advogado polonês Raphael Lemkin, em 1944. 

Nos últimos 12 anos, 390 indígenas foram assassinados e outros 585 cometeram suicídio. Os dados constam no Relatório de Violências Contra os Povos Indígenas – Dados 2014 do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). No estado, 229 inquéritos envolvendo homicídio doloso contra indígenas foram abetos nos últimos anos. Para o deputado Pedro Kemp (PT), líder de bancada e entusiasta da CPI, é preciso saber quem mata e assassina os indígenas, a formação de milícias ruralistas – já comprovada pela Justiça Federal no caso Nísio Gomes Guarani Kaiowá. Porém, para o deputado é preciso entender o genocídio como um processo mais amplo, envolvendo ainda a omissão do Estado diante da ausência de direitos humanos, sociais e da violência privada, organizada e premeditada, contra as comunidades. 

“Sem os territórios tradicionais, as comunidades indígenas vivem confinadas, às margens das estradas. Então isso gera violência, falta de perspectivas, suicídios, miséria, problemas diversos. Permitir isso faz parte do genocídio em curso”, disse Kemp na manhã de hoje durante sessão na Assembleia Legislativa que teve a questão indígena como principal assunto abordado na tribuna. De acordo com o parlamentar, cerca de 120 indígenas estão detidos no estado. “Quantos assassinos de índios estão presos? No Mato Grosso do Sul, para quem mata um índio parece existir a garantia da impunidade. Precisamos apurar”, destacou. 

Kemp destacou o assassinato de Oziel Terena, em 2013, durante reintegração de posse na Terra Indígena Buriti. “Existe a bala, sabe-se qual é o calibre, quem estava em confronto com os indígenas, mas não se sabe de quem partiu o tiro. Como não é possível determinar? Essa Casa não pode ser conivente com o genocídio em curso”, frisou o deputado. No início dessa semana, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) divulgou uma nota pública entendendo como genocídio a violência contra os indígenas no MS.

Em setembro de 2011, o Ministério Público Federal (MPF) também se posicionou de forma enfática dizendo que o que estava acontecendo no Mato Grosso do Sul contra os povos indígenas era genocídio. A manifestação foi provocada por um ataque contra os Guarani Kaiowá de Pyelito Kue, no município de Iguatemi. Na época, os indígenas viviam às margens de uma rodovia: crianças e idosos foram atingidos por balas de borracha e o acampamento foi incendiado. A Anistia Internacional também considera caso de genocídio a conjuntura vivida pelos povos indígenas no estado. 

“Até mesmo o registro de advogado na OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil) estão tentando cassar do advogado Terena Luiz (Henrique) Eloy. O cúmulo do absurdo a gente ter que assistir isso acontecer dentro de uma entidade com a OAB, que sempre foi referência na defesa da democracia, dos direitos, da justiça. Além de atacar as entidades que apoiam os indígenas, não querem permitir que um índio seja advogado e defenda o seu povo”, ressalta Kemp.

“Quem colheu meus milhos foram os índios”

Para alguns parlamentares, caso do deputado ruralista Zé Teixeira (DEM), não é verdade que existe uma violência desse tipo, genocida, em curso contra os indígenas do estado, e ele não acredita que ‘produtores rurais’ tenham parte com algo do tipo. Pontuou que os indígenas são produtivos e capazes, faltando apenas mais incentivos do governo. “Quem colheu meus milhos esse ano foram os índios. Vai lá (na fazenda do deputado), trabalha e recebe certinho. Jamais que um índio bateu palmas na minha casa em Dourados e eu deixei de levantar da mesa para atender. Passavam e perguntavam: tem pão? Nunca neguei. (…) Os Kadiwéu têm muita terra e vivem na miséria porque falta incentivo a eles”, disse Teixeira reforçando um discurso recorrente entre os ruralistas de que a questão indígena não é de terra, mas de assistência social. O deputado é um dos integrantes da chamada CPI do Cimi.

Já a presidente da CPI do Cimi, a deputada ruralista Mara Caseiro (PTdoB), defendeu uma “reforma agrária indígena” e falou sobre “países de fora para vir resolver uma questão que é nossa e que deveria ter sido resolvida pelo governo federal (sic)”, sem precisar exatamente de quais países estava a falar. A parlamentar ainda destacou: “São 13 anos que o PT está aí e o que ele fez para resolver nossa questão indígena? Inércia tem trazido interesses escusos, pregando o ódio e a guerra”, também sem destacar quais seriam os interesses escusos. O tom ameno e fraterno de Mara com relação aos indígenas não convenceu. Acabou vaiada pela população indígena presente no Plenário.

A tática dos ruralistas concentrou-se em atacar o governo federal, criando proximidades com os indígenas e jogando para o Palácio do Planalto a responsabilidade por todos os problemas entre indígenas e fazendeiros no estado. “Indígenas e produtores: todos são vítimas desse governo que aí está”, ressaltou o deputado José Carlos Barbosa (PSB).

O deputado Pedro Kemp, por sua vez, destacou que exatamente pelas ineficiências do governo na questão indígena é preciso seguir lutando pela demarcação das terras indígenas no estado e a indenização dos títulos de boa-fé aos ocupantes não-indígenas de territórios tradicionais reivindicados. “O governo federal precisa demarcar as terras indígenas. Só assim o genocídio em curso poderá ter um fim. É isso que falta”, encerrou.

Fonte: Fórum Unitário dos Movimentos Sociais e Sindicais do Campo e da Cidade
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