07/10/2015

O apagão do presidente da Câmara dos Deputados

“Eduardo Cunha quis apagar nossa resistência, vencer nossa paciência e dignidade, retirar nossos direitos constitucionais”. Mas a escuridão a que submeteu os quase 200 manifestantes, na noite deste último dia 5 de outubro, não os demoveu da decisão de passar a noite em vigília contra o genocídio das populações e comunidades tradicionais e dos povos indígenas.

Dentro da normalidade de uma segunda-feira na Câmara dos Deputados, quando quase não existem atividades, uma silenciosa tempestade estava em curso. Percebendo uma ação um pouco fora dos padrões, um dos seguranças chegou a chamar atenção de seus superiores, sobre uma estranha movimentação. A audiência pública sobre as milícias armadas no campo, no entanto, foi transcorrendo dentro da normalidade. Denúncias contundentes sobre a ação, organização, articulação e ação violenta e genocida de milícias marcavam os depoimentos das lideranças e membros das comunidades e dos povos tradicionais.

Quando as atividades da audiência já caminhavam para o seu encerramento, Agnaldo Pataxó Hã-Hãe-Hãe tomou a palavra anunciando que os povos indígenas e os representantes das comunidades tradicionais, como os quilombolas, pescadores artesanais, geraizeiros dentre outros, presentes no plenário 1 da Câmara, iriam permanecer em vigília, para denunciar, de forma mais contundente, as graves violências, mortes, impunidade e a criminalização das lideranças das lutas sociais no campo e pedir providências imediatas daquela Casa de leis. Em seguida, Luiz Couto, o parlamentar proponente da audiência, encerrou oficialmente as atividades.

A partir daí, foram sendo revezados os depoimentos, os rituais e as canções de luta e alegria. Um grande dia para ser lembrado pela história. Uma noite memorável, de persistência, luta e resistência. “Estamos aqui, estamos vivos e estamos em luta”. Intensificou-se um processo de unificação de lutas no campo, a partir das lutas regionais e da articulação nacional. Os maracás, os tambores e as palavras de ordem foram mostrando que algo novo estava acontecendo.

 A Constituição e a escuridão

Não dava para esconder a escuridão e menos ainda a Constituição cidadã que completava naquele mesmo dia 27 anos. Uma comemoração sendo feita sob as trevas e ameaças do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Se vivo estivesse o deputado Ulisses Guimarães, que presidiu o processo Constituinte, certamente estaria indignado com o que estava acontecendo 27 anos depois da festa da promulgação da nova Carta Magna do país. Uma ignomínia, uma falácia, uma vergonha! Querer impedir de forma prepotente e autoritária a realização de uma vigília na decantada “Casa do povo”. Ele que, por diversas vezes, tem se reunido com deputados ruralistas para retirar da Constituição direitos sociais e étnicos conquistados com muita luta.

Nos depoimentos, foram feitas várias menções sobre o desrespeito e as formas como a Constituição está sendo rasgada pelos poderosos que nunca se conformaram com os direitos conquistados pelos setores sociais. É revoltante constatar o que vem sendo feito com a Constituição nesses 27 anos.

Diante da firme decisão de manter a noite de vigília, permanecendo no plenário, o presidente da Câmara mandou desligar a luz, o som e o ar condicionado. De nada adiantou. Uma mesa foi formada com representantes dos movimentos, e contou com a participação de Débora Duprat, subprocuradora da República e coordenadora da 6ª Câmara do Ministério Público Federal (MPF), que permaneceu na vigília durante toda a noite, e  coordenação do deputado Paulo Pimenta, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara, que também permaneceu em vigília. No começo da madrugada alguns parlamentares compareceram para prestar apoio e solidariedade aos representantes dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, na luta por seus direitos, especialmente seus territórios.

CPI do Genocídio

 Uma das ações com as quais os parlamentares presentes se comprometeram foi o empenho em criar a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Genocídio que está acontecendo no campo hoje, contra os povos e as populações tradicionais. Foi lembrado em vários momentos a dramática situação de violência e genocídio a que estão submetidas as populações do Mato Grosso do Sul, em especial os povos Guarani-Kaiowá e Terena.

Enquanto estávamos em vigília para denunciar as violências e dar visibilidade às lutas no campo, mais uma comunidade Guarani-Kaiowá era atacada no Mato Grosso do Sul. Desta vez foi a comunidade Mbarakaí que sofreu um violento ataque de jagunços e milícias armadas dos fazendeiros.

Fotos: Laila Menezes

Fonte: Egon Heck, Secretariado Nacional do Cimi
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