22/09/2015

Liderança Guarani-Kaiowá vai à ONU novamente para denunciar acirramento da violência contra seu povo

Mais uma vez uma liderança indígena apelou aos organismos internacionais para denunciar a situação de extrema barbárie e crise humanitária que o povo indígena Guarani-Kaiowá enfrenta no Mato Grosso do Sul. Eliseu Lopes apresentou hoje (22), por volta das 12h (horário de Brasília), na 30ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, na Suíça, o recente acirramento dos conflitos em uma realidade que há décadas tem sido bastante trágica.

 

Apenas cinco meses após ter ido à Nova Iorque relatar ao Fórum Permanente para Questões Indígenas, da Organização das Nações Unidas (ONU), a violência cotidiana praticada contra os povos no Mato Grosso do Sul (MS), o estado mais violento do Brasil contra os indígenas, a liderança do tekoha Kurusu Ambá denunciou que esta realidade se agravou ainda mais nos últimos meses. No dia 29 de agosto, Semião Vilhalva, de apenas 24 anos, foi assassinado durante um ataque de fazendeiros ao tekoha Ñanderú Marangatú, localizado no município de Antônio João (MS). Marçal de Souza e Durvalino Rocha são outras importantes lideranças que foram assassinadas na mesma área.

 

Apesar desse território tradicional ter sido reconhecido e homologado pelo governo federal em 2005, há 10 anos mais de 1.200 pessoas vivem em apenas 30 hectares. “Isto porque, há uma década, o ministro da Suprema Corte, Gilmar Mendes, que é ligado aos setores do agronegócio brasileiro, protela o julgamento de uma ação que suspendeu violentamente os efeitos da homologação presidencial. Na ocasião, fomos barbaramente despejados pelas forças de segurança”, declarou Eliseu.

 

Diversos movimentos indígenas e organizações da sociedade civil brasileira e internacional, além de organismos internacionais têm expressado solidariedade aos povos indígenas do Mato Grosso do Sul, especialmente aos Guarani-Kaiowá. Em sua fala na abertura desta 30ª Sessão, na semana passada, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra´ad Al Hussein, declarou “antigas disputas sobre terras indígenas continuam a causar sofrimento e perda de vidas no Brasil. Faço notar, em particular, o assassinato de um líder do povo Guarani-Kaiowá no mês passado, e exorto as autoridades a investigar não somente esta morte, mas também a tomar medidas de grande alcance para travar novos despejos e demarcar corretamente todos os terrenos”.

 

No entanto, o governo brasileiro não avançou no sentido de botar um fim à violência e às graves violações de direitos. Pelo contrário, após a morte de Semião, milícias armadas realizaram mais de dez ataques paramilitares contra o povo Guarani-Kaiowá dos tekoha Guyra Kamby´i, Pyelito Kue e Potreiro Guasu, todos no cone sul do estado. Como consequência, além da morte de Semião, três indígenas foram baleados por arma de fogo, vários foram feridos por balas de borracha, inclusive uma criança de colo, e dezenas de indígenas foram espancados. São fortes os indícios de que indígenas sofreram tortura e há denúncias da ocorrência de um estupro coletivo de uma Guarani-Kaiowá.

 

Diante dessa situação, Eliseu desabafou “meu povo, cansado de esperar e vendo a dor de nossas crianças chorando de fome, declara que já não consegue mais acreditar na vontade e na capacidade do Estado Brasileiro, em seus Três Poderes, para resolver efetiva e definitivamente esta situação”.

 

Entre os anos de 2003 e 2014, 390 indígenas foram assassinados no Mato Grosso do Sul, um total que representa 52% dos casos registrados em todo o país. O número de suicídios registrados também é extremamente preocupante e totaliza 707 casos entre 2000 e 2014. Com 45 mil pessoas, os Guarani-Kaiowá são a 2ª maior população indígena do Brasil e ocupam apenas 30 mil hectares de suas terras tradicionais. De acordo com dados do governo federal, se todas as áreas reivindicadas por eles como territórios indígenas forem demarcadas elas representam cerca de apenas 2% da área total do estado. Por outro lado, o Mato Grosso do Sul tem 23 milhões de bovinos, que ocupam 23 milhões de hectares de terra.

 

Ao finalizar seu discurso, Eliseu apresentou demandas bastante objetivas ao Conselho de Direitos Humanos da ONU: “tomar todas as medidas possíveis para assegurar que todos os acordos comerciais de empresas multinacionais e bancos de investimentos com o Mato Grosso do Sul sejam condicionados à demarcação e devolução de nossos territórios; e promover uma investigação independente sobre o ataque sistemático contra os povos indígenas no Brasil, incluindo a responsabilidade do Estado Brasileiro, tanto por ação como por omissão”.

 

Organismos internacionais recebem Relatório de Violência

 

Aproveitando sua participação na 30ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, Eliseu Lopes entregou a edição em inglês do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2014, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), para representantes da Santa Sé, da União Européia, do Alto Comissariado e da Relatoria Especial da ONU sobre Direitos Indígenas.

 

Além dos dados de suicídios e assassinatos mencionados acima, o Relatório apresenta 19 categorias de violências e violações de direitos cometidos contra os povos indígenas em todo o Brasil. Em 2014 houve aumento dos índices em 17 destas categorias. Um dos dados mais chocantes do Relatório refere-se à mortalidade na infância de alguns povos indígenas. Os Xavante, por exemplo, apresentam um índice mais de 800% superior ao da média nacional de mortalidade das crianças não indígenas.

 

Segundo Eliseu Lopes, o Relatório é, em si, mais uma forma de mostrar ao mundo a realidade com que os povos indígenas são tratados no Brasil. “Meu povo está morrendo, está sofrendo, todos os dias, ataques e massacres… mas o governo brasileiro não apresenta nenhuma solução. É porque a demarcação das nossas terras foi paralisada que a violência, o estupro e a tortura feita por capangas e pistoleiros da região aumentam. O governo defende o interesse das grandes empresas e dos grandes fazendeiros da cana, eucalipto, soja, milho e do gado. Eles lucram muito, enquanto nós estamos morrendo. E a verdade é que ninguém é punido por matar nossas lideranças. Até mulheres grávidas foram torturadas na semana passada. O governo envia a força nacional, o exército, mas é pra defender as fazendas do agronegócio. Pra gente é claro que só a demarcação, definitivamente, pode acabar com toda esta tragédia que sofremos há mais de 500 anos. Só assim, vamos poder viver com dignidade”, declarou Eliseu após a sua intervenção durante a reunião na ONU.  

 

  

Leia na íntegra o discurso de Eliseu Lopes.

 

Acesse aqui o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados 2014

Fonte: Patrícia Bonilha, Assessoria de Comunicação do Cimi
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