16/09/2015

Organizações denunciam governo em diálogo com a União Europeia

“Um acontecimento recente, envolvendo a morte de um jovem indígena, expõe a falta de compromisso do Estado brasileiro em cumprir com suas obrigações internacionais pela proteção dos direitos dos povos indígenas”. A morte de Semião Vilhalva, de 24 anos, é a qual se refere a nota pública divulgada nesta quarta-feira, 16, pelas organizações nacionais e internacionais presentes no 5º Diálogo de Direitos Humanos entre a União Europeia e o Brasil.  

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Conforme a nota, “o impedimento da implementação do Decreto de homologação do território Ñande Ru Marangatú e o ataque à comunidade demonstram o poder com que o setor empresarial conta no Brasil para paralisar o processo constitucional de regularização dos territórios indígenas e a violência que o mesmo exerce contra as comunidades indígenas, poder alimentado pela impunidade”.

As organizações apontam ainda a presença de parlamentares durante a reunião do Sindicato Rural de Antônio João que antecedeu o ataque dos fazendeiros, convocados pela presidente da entidade, Roseli Maria Ruiz, e durante a ação que provocou o assassinato de Semião.

Leia na íntegra:

 

Nota Pública conjunta por ocasião do Diálogo de Direitos Humanos entre a União Europeia e Brasil

Realiza-se em Brasília, entre os dias 15 e 17 de setembro, o 5° Diálogo de Direitos Humanos entre a União Europeia e Brasil (1), que conta com a participação do Representante Especial da União Europeia para os Direitos Humanos, Stravos Lambrinidis.

A União Europeia também se reúne com a sociedade civil brasileira e europeia, em 15 de setembro, em um seminário de direitos humanos com a finalidade de que a sociedade civil contribua com o diálogo oficial.

Em 16 de setembro, a União Europeia reúne-se com o setor privado, em um seminário sobre negócios e direitos humanos, em cooperação com a Confederação Nacional da Indústria do Brasil. O objetivo deste seminário é aumentar a sensibilização sobre boas práticas em gestão de negócios e direitos humanos, particularmente através da implementação dos “Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos” das Nações Unidas (ONU) e compartilhar experiências com a implementação de estratégias de responsabilidade social corporativa.

As organizações de Direitos Humanos brasileiras, europeias e internacionais abaixo assinadas vêm por meio desta nota, mais uma vez alertar os poderes públicos Executivo, Judiciário, Legislativo do Brasil e da União Europeia sobre a profunda inadequação destes instrumentos voluntários como mecanismos de proteção de direitos humanos. Estas entidades vêm, ao mesmo tempo, demandar que os referidos governos cumpram integralmente sua obrigação de respeitar, proteger e garantir os direitos humanos em âmbito nacional e extraterritorial e tomem medidas apropriadas nas instâncias legislativa, administrativa e judicial para assegurar que crimes e abusos contra direitos humanos cometidos por empresas sejam devidamente investigados, elucidados, seus perpetradores sejam punidos e as vítimas tenham acesso à justiça. As entidades exigem que os Estados cumpram com todas as suas obrigações internacionais pelos direitos humanos, especialmente em âmbito extraterritorial, inclusive por meio da elaboração e aprovação de um instrumento de direitos humanos vinculante, que regule as atividades de empresas multinacionais e de outras empresas. Além disso, as organizações abaixo assinadas acolhem positivamente a resolução 26/9 do Conselho de Direitos Humanos das ONU que estabelece um Grupo Intergovernamental de Composição Aberta sobre Corporações Transnacionais e outras Empresas em relação aos Direitos Humanos com o mandato de elaborar um instrumento internacional vinculante para regular, por meio do direito internacional dos direitos humanos, as atividades de corporações transnacionais e outras empresas, assim como também parabenizam a consequente realização da primeira sessão do dito Grupo de Trabalho, realizada entre 6 e 10 julho de 2015 (2).

Um acontecimento recente, envolvendo a morte de um jovem indígena, expõe a falta de compromisso do Estado brasileiro em cumprir com suas obrigações internacionais pela proteção dos direitos dos povos indígenas. No dia 29 de agosto, pela manhã, houve reunião na sede da Federação de Agricultura de Mato Grosso do Sul (FAMASUL), na cidade de Antônio João. Desta reunião participaram produtores rurais, o Deputado Luis Henrique Mandetta (DEM), a Deputada Tereza Cristina (PSDB) e o Senador Waldemir Moka (PMDB). Logo após a reunião, cerca de cem pessoas, armadas e com coletes a prova de balas, em quarenta caminhonetes, se dirigiram à Fazenda Barra, para expulsar a os Guarani-Kaiowás do seu território ancestral (3). O ataque culminou com a morte de jovem Semião Vilhalva de 24 anos e outros feridos; dentre eles, uma criança de um ano de idade atingida por bala de borracha (4).

É importante ressaltar que a terra indígena Ñande Ru Marangatú foi homologada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 28 de março de 2005, mas o processo foi suspenso pelo uso de recursos judiciais protelatórios os quais não foram julgados nos 10 anos transcorridos desde então, interpostos pelo setor empresarial/privado envolvido no caso e que se dedica, sobretudo, à criação de gado.

O impedimento da implementação do Decreto de homologação do território Ñande Ru Marangatú e o ataque contra a comunidade demonstram o poder com que o setor empresarial conta no Brasil para paralisar o processo constitucional de regularização dos territórios indígenas e a violência que o mesmo exerce contra as comunidades indígenas, poder alimentado pela impunidade. Deve-se notar, também, que essas atividades estão economicamente ligadas às atividades de empresas transnacionais que exploram territórios indígenas para gerar lucro na União Europeia. Isto mostra a grande necessidade de regular as atividades das empresas multinacionais e de outras empresas para prevenir abusos e crimes contra as comunidades indígenas e outros grupos populacionais.

Considerando que entre 15 e 17 de setembro ocorrerá uma série de eventos que abordarão a questão das empresas e direitos humanos, as organizações que subscrevem a presente declaração apresentam os seguintes comentários e demandas:

1. Condenam veementemente o incidente, manifestam a sua profunda solidariedade com a Comunidade Ñande Ru Marangatú e o povo Guaraní Kaiowá que, durante décadas, vêm lutando por seu direito ao território e por seu direito à alimentação e nutrição adequadas, e demandam que as autoridades responsáveis investiguem os eventos, identifiquem e punam os culpados de acordo com a lei.

2. O que ocorreu com a comunidade de Ñande Ru Marangatú é uma amostra do que enfrentam as comunidades indígenas no Brasil. Desde 2011, quando se iniciou o primeiro mandato da gestão da atual presidenta, o Brasil assiste ao menor número de terras indígenas declaradas ou homologadas em toda sua história desde a redemocratização em 1988: 2,6 e 2,8, respectivamente, contra uma média de 12,4 e 15,5, respectivamente, entre 1995 e 2010. Estima-se que em 2014, de quase 600 terras indígenas reivindicadas, somente duas foram identificadas, uma declarada e nenhuma foi homologada.

3. O Brasil deve promover e proteger os direitos territoriais, econômicos, sociais e culturais dos povos indígenas e garantir o direito de tais povos de fornecerem seu consentimento livre, prévio e informado conforme a Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Estado brasileiro.

4. Requerem que a União Europeia elabore dispositivos e condicionantes que reafirmem que a efetivação de direitos humanos e territórios tradicionais deve ser prioritária ante qualquer tipo de investimentos e acordos comerciais.

5. O futuro tratado a respeito de empresas transnacionais e outras empresas em relação aos direitos humanos poderá ajudar tanto o Brasil quanto a União Europeia a cooperarem apropriadamente em relação à regulamentação de atividades empresariais transnacionais, de acordo com as obrigações dos Estados envolvidos em matéria de direitos humanos.

6. Denunciam a posição da União Europeia na primeira sessão do Grupo de Trabalho e instam a União Europeia e os Estados membros a participarem de maneira construtiva e de boa-fé.

7. Reconhecem o apoio do Brasil ao Grupo de Trabalho Intergovernamental do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Por isso, instam o Estado brasileiro a tomar medidas efetivas em conjunto com o Grupo de Trabalho Intergovernamental para que o futuro tratado possa assegurar uma melhor proteção dos direitos humanos e acabar com a impunidade de empresas transnacionais e outras empresas.

Ao mesmo tempo, diante da maior crise de refugiados vivida desde a II Guerra Mundial, a UE e Brasil devem assumir fortes compromissos para o enfrentamento das gravíssimas violações de direitos humanos dos refugiados. A UE e seus países membros devem abrir imediatamente suas fronteiras, para assim ficarem em sintonia com os anseios de solidariedade e acolhida manifestados por sua população. A Europa defende a livre circulação de fluxos de capitais e de mercadorias, e quer que os investimentos de suas empresas tenham livre acesso aos países de origem das e dos refugiados, agravando assim a expropriação dos povos devido à intensiva exploração de recursos naturais e de fontes de energia. A Europa, porém, não defende a livre circulação de pessoas.

O Brasil tem tido uma atitude exemplar na acolhida aos refugiados e refugiadas, estando entre os países que mais concedem refúgio. Ainda assim, o Brasil pode ampliar muito esta acolhida e facilitar ainda mais a concessão de vistos. Demandamos que na próxima reunião do Comitê Nacional de Refugiados (CONARE), a ser realizada em 21 de setembro, a Resolução 17 de 2013 a respeito da facilitação de vistos seja renovada e ampliada. É fundamental, também, que o Brasil atualize sua legislação para que o marco jurídico sobre migrações incorpore os princípios dos direitos humanos, especialmente a não criminalização e não devolução das e dos migrantes.

16 de setembro de 2015

Assinam: ABONG, Amigos da Terra Brasil, Anistia Internacional Brasil, Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS, Conectas, CIMI, Comitê Brasileiro de Política Externa e Direitos Humanos, FASE, FIAN International, Equit, HOMA, IBASE, IDDH, INESC, Justiça Global, MAB, REBRIP, Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, TNI.

1 – O 4° diálogo se realizou em Brasília, no dia 25 de abril de 2014.

2 – www.ohchr.org/EN/HRBodies/HRC/WGTransCorp/Pages/Session1.aspx. 3

3 – DOURADOS NEWS. Notícias. Disponível em: www.douradosnews.com.br/noticias/cidades/revoltada-presidente-de-sindicato-deixareuniao-e-diz-que-vai-retomar-terra-invadida. Acesso em 31 ago. 2015. www.diplomatique.org.br/acervo.php?id=3141 Acesso em 31 ago. 2015. Brazil’s Guarani-Kaiowa tribe alleges genocide over land disputes. www.bbc.com/news/world-latin-america-34183280. Acesso 8 set. 2015.

4 – CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. Nota Pública. Disponível em: www.cimi.org.br/site/ptbr/?system=news&action=read&id=8297 . Acesso em: 31 ago. 2015.

Fonte: Assessoria de Comunicação - Cimi
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